Provedor de Justiça defende reposição do sistema de reporte de rendimentos
Em Recomendação dirigida ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, o Provedor de Justiça defende alteração legislativa que reponha o sistema de reporte de rendimentos anteriormente vigente em sede de IRS, ou, se tal se revelar impraticável para todos os casos de pagamentos de retroactivos de rendimentos das categorias A e H, que seja pelo menos encontrada uma solução naquele sentido aplicável aos contribuintes que auferem menores rendimentos, em particular àqueles cujo rendimento anual (quando não acrescido de rendimentos produzidos em anos anteriores) se situa abaixo do mínimo de tributação. A Recomendação surge na sequência de diversas queixas que têm sido dirigidas a Nascimento Rodrigues ao longo dos últimos anos por reclamantes que se consideram profundamente prejudicados pelo actual regime de tributação, na medida em que o mesmo se alheia da sua real capacidade tributária. Os reclamantes alegam ser duplamente prejudicados: por um lado, pelo atraso nos pagamentos de salários ou de pensões, efectuados muitas vezes vários anos após a data em que seriam devidos, e, por outro, dada a progressividade do imposto, pela alteração de escalão em que normalmente se integrariam. De acordo com as actuais regras, verificam-se casos de contribuintes cujo rendimento não seria tributado se pago no ano a que diz respeito, passando a sê-lo pelo simples facto de ser pago, de uma só vez, em ano ou anos posteriores, acumulando com os rendimentos do ano de pagamento, para efeitos de tributação.
O regime de reporte de rendimentos estava estabelecido no artigo 24.º do Código de IRS (CIRS) e manteve-se inalterado até à entrada em vigor do Decreto – Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, que reviu e republicou o CIRS. Consistia na possibilidade de o sujeito passivo, caso os rendimentos tivessem sido produzidos nos cinco anos anteriores àquele em que foram pagos ou postos à disposíção, fazer reportar esses rendimentos ao ano ou anos em que haviam sido produzidos, na base dos valores reais auferidos em cada um ou em parcelas iguais, se não fosse possível a determinação daqueles valores. Durante a vigência daquele regime, quando eram recebidos retroactivos realizavam-se liquidações correctivas das que haviam sido realizadas nos anos aos quais se reportavam esses retroactivos, acrescentando-se aos rendimentos auferidos nesses anos e oportunamente declarados e tributados, aqueles que haviam sido recebidos mais tarde, fazendo-se nova liquidação de cada um dos anos passados (com as taxas de tributação cobradas em cada um desses anos), de modo a que a situação tributária do contribuinte fosse aquela que seria se os rendimentos lhe tivessem sido pagos no ano a que efectivamente se reportavam.
Na referida revisão do CIRS foi suprimido o artigo 24.º. A consequência dessa supressão seria a aplicação da regra geral da tributação dos rendimentos no momento do seu pagamento ou colocação à disposição. Mas, embora querendo eliminar o regime de reporte de rendimentos, o legislador não terá pretendido agravar tão drasticamente a tributação do pagamento de retroactivos. Por isso aditou ao CIRS, pela Lei n.º 85/2001, o artigo 74.º, segundo o qual a tributação dos rendimentos auferidos em anos anteriores já não implica a realização de liquidações correctivas de todos os anos atrasados. Para evitar a tributação apenas pelas regras do ano em que os rendimentos são pagos, o referido artigo prevê uma solução que não elimina totalmente as desvantagens do pagamento tardio dos rendimentos, mas as atenua mediante a divisão do rendimento pelo “número de anos ou fracções a que respeitem (…), aplicando-se à globalidade dos rendimentos a taxa correspondente à soma daquele quociente com os rendimentos produzidos no ano.”
Acontece que quando os sujeitos passivos que auferem rendimentos mais baixos (e que estão abaixo do limite mínimo a partir do qual há lugar a tributação em IRS) recebem retroactivos de vários anos, podem ficar sujeitos ao pagamento de IRS já que o mecanismo previsto no artigo 74.º não é suficiente para fazer baixar o valor dos rendimentos até ao referido limite de isenção. Para estes contribuintes, portanto, a diferença entre os dois regimes é que, ao abrigo do anterior, era salvaguardado o seu mínimo de isenção (desde que este não fosse ultrapassado quando se reportavam os retroactivos aos anos respectivos), enquanto que, ao abrigo do actual regime, esse limite de isenção é muito mais facilmente ultrapassado. “A diferença deixa pois de ser entre pagar mais ou menos imposto para passar a ser entre pagar ou não pagar. É uma situação que julgo especialmente grave, por afectar apenas aqueles que auferem rendimentos muito baixos, precisamente os que mais se ressentem pelo facto de os rendimentos lhes terem sido pagos com atraso e que depois, em sede de tributação, acabam por ser prejudicados uma segunda vez”, considera o Provedor de Justiça.
Para dar exemplos de casos que chegaram ao conhecimento de Nascimento Rodrigues, veja-se a situação de um reclamante, cuja pensão mensal se quedava em € 930,16 (abaixo do valor mínimo, tributação para deficiente, casado) e que teve de declarar não só rendimentos da categoria H reportados ao ano da declaração (2004), mas também retroactivos de pensões devidos entre Julho de 1995 e Dezembro de 2003, num total de € 3 494,66. Se lhe tivessem sido disponibilizados mensalmente, ao longo de todos aqueles anos, os valores correspondentes àqueles retroactivos, nunca teria lugar a tributação. Todavia, o pagamento daqueles retroactivos, juntamente com o valor das pensões referentes a 2004, e ao invés do que aconteceria por força de um regime de reporte de rendimentos, conduziu a que o conjunto de rendimentos pagos em 2005 acabasse por ser objecto de tributação, nos termos do artigo 74º do CIRS. Num outro caso, o reclamante apresentou, na declaração relativa aos rendimentos auferidos em 2005, rendimentos da categoria H num valor de € 57 885, sendo que apenas € 21 002 do referido valor se reportavam a pensões relativas ao ano de 2005. Por aplicação de um mecanismo de reporte de rendimentos relativo ao ano de 2005, aquele valor de € 21 002, daria lugar a um reembolso de € 1 780, e de € 559, em 2006. No conjunto dos dois anos, haveria, portanto, lugar a um reembolso da ordem dos € 2 339. A aplicação do artigo 74º do CIRS deu lugar, ao invés, ao pagamento de imposto no montante de € 4 436.
Para além dos motivos já referidos, o Provedor de Justiça vem propor uma revisão do entendimento do Ministério das Finanças sobre a matéria por, há alguns anos a esta parte, se verificar que o sistema informático da Direcção Geral de Contribuições e Impostos tem vindo a ser actualizado e melhorado consideravelmente, com o objectivo alcançar uma maior eficiência da máquina fiscal. Não será, por isso, tão complicado e moroso efectuar as liquidações correctivas que na vigência do antigo regime de reporte de rendimentos eram morosas e retiravam eficácia ao sistema. Para o Provedor de Justiça, “parece exigível que a modernização e agilização da máquina fiscal sirvam também os direitos dos contribuintes e não apenas os objectivos de maior eficiência na cobrança de receitas fiscais”.
Nota: O texto integral da Recomendação está disponível no sítio da Provedoria de Justiça, através da seguinte ligação:http://www.provedor-jus.pt/restrito/rec_ficheiros/Rec7B08.pdf