Sua Excelência

a Secretária de Estado Adjunta e da Educação

Av. 5 de Outubro, 107

1069 – 018 Lisboa

 

 

por protocolo

 

 

Lisboa, 8 de maio de 2018

 

 

 

 

Assunto: Queixa apresentada por docente. Período probatório.

 

 

 

Recomendação n.º 2 /A/2018

(alínea a), do n.º 1, do artigo 20.º, da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação da

Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro)

 

 

 

I – Introdução

 

                 1. Dirijo-me a V.Ex.ª na sequência da queixa que a docente C apresentou, invocando não ter logrado realizar o período probatório desde que ingressou na carreira em 1.9.2013.

 

                 2. Como certamente recordará, em 8 de agosto último, através do ofício com a referência S-PdJ/2017/15449, foi solicitado a V.Ex.ª a ponderação da questão objeto da queixa e bem assim da apreciação jurídica que o problema suscitou a este órgão do Estado.

 

                 3. Em 2 de outubro, proferiu V.Ex.ª despacho de concordância com a Informação n.º 31/2017, que concluiu no sentido da improcedência da pretensão da docente. Uma vez que a argumentação em que se estriba o parecer que V.Ex.ª secundou se não mostra suficiente para justificar a alteração do anterior enquadramento jurídico da questão, resta-me dirigir a V.Exª. a presente Recomendação, com vista a que seja reparada a injustiça que a situação comporta.

 

 

II – Da situação objeto de queixa

 

                 4. A docente ingressou na carreira através do concurso externo extraordinário regulado pelo Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17.1, procedimento em que obteve colocação no quadro de zona pedagógica 1 (QZP 1), no grupo de recrutamento 310 (Latim e Grego).

 

                 5. Desde o ingresso na carreira, a docente não obteve colocação em quadro de escola[1], não obstante ter apresentado candidatura a todos os concursos internos abertos desde então, quer no âmbito do grupo de recrutamento 310 (Latim e Grego), quer no grupo de recrutamento 300 (Português), grupo para o qual também detém habilitação profissional.

 

                 6. Pese embora se encontre, desde então, a desempenhar funções no âmbito do grupo 300, mediante colocação no concurso de mobilidade interna, não lhe foi permitido que realizasse o período probatório.

 

                 7. Para tanto, tem a Direção-Geral da Administração Escolar (DGAE) invocado o disposto no artigo 9.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 7/2013 – “a colocação obtida efetiva-se em lugar do quadro de agrupamento de escolas ou de escola não agrupada através do concurso interno realizado após a entrada em vigor do presente diploma” – para daí concluir que “enquanto a docente não obtiver o referido lugar, não reúne os requisitos para realizar o período probatório”, ou seja, que “a concretização do período probatório fica dependente da colocação nos termos do n.º 2 do artigo 9.º do citado Decreto-Lei[2].

 

III – Apreciação

 

                 8. Analisada a queixa, assim como a posição que a Administração tomou, desde 2013, face à pretensão da docente, este órgão do Estado transmitiu a V.Ex.ª a ponderação que se sintetiza do seguinte modo:

 

a)    O Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17.1, não estatui que o período probatório apenas possa ser cumprido após colocação, no concurso interno, em quadro de escola: ao invés, estabelece que o ingresso na carreira é feito em quadro de zona pedagógica (artigo 6.º) e que, após o ingresso, os docentes são candidatos obrigatórios ao primeiro concurso interno (artigo 7.º), nada dispondo sobre o período probatório, cujo regime consta do artigo 31.º do Estatuto da Carreira Docente;

b)   Nos termos desta disposição normativa, o período probatório é cumprido no estabelecimento de educação ou de ensino onde o docente “exerce a sua atividade” (n.º 1), sem se operar qualquer distinção fundada na natureza do quadro em que o docente se encontra integrado, nem no regime, designadamente de mobilidade, que titula o exercício das funções;

c)    No mesmo preceito determina-se que o período probatório corresponde ao 1.º ano escolar no exercício efetivo de funções docentes” (n.º 2), o que se adequa ao propósito de, neste período, ser verificada a capacidade de adequação do docente ao perfil de desempenho profissional exigível” (n.º 1, 1.ª parte), em sintonia com a conformação que, hoje, assume o período experimental no novo regime geral de vínculos e carreiras;

d)   Segundo o regime de recrutamento atualmente em vigor, os docentes podem manter-se durante toda a sua carreira integrados em quadros de zona pedagógica, não estando vinculados a candidatar-se à colocação em quadro de escola, pelo que é de admitir o cumprimento do período probatório de docente pertencente a quadro de zona pedagógica, que se encontre em exercício de funções numa escola, após colocação em mobilidade interna;

e)    A docente detém mais de vinte anos de experiência em funções docentes (em escolas públicas), foi sujeita a avaliação do desempenho durante todo o seu percurso profissional com resultados positivos, e tem desempenhado funções letivas no mesmo grupo de recrutamento e nível de ensino (grupo de recrutamento 300), pelo que cumpre as condições que os antecessores de V.Ex.ª consideraram justificar a dispensa do período probatório[3].

 

                 9. A informação que sustentou o indeferimento da pretensão da docente não infirma a ponderação que se deixou exposta, porquanto:

 

a)    Afirma que a docente não cumpriu os requisitos da dispensa do período probatório previstos no Despacho n.º 16504-A/2013, de 19.12, quando, na verdade, satisfazia todas as condições exigidas: mais de “730 dias de contrato de serviço efetivo em funções docentes nos últimos 5 anos letivos imediatamente anteriores ao ano letivo 2012/2013, no mesmo nível de ensino e grupo de recrutamento” e mais do que “5 anos de serviço docente efetivo com avaliação mínima de Bom”; sucedia apenas que esta experiência em funções docentes não respeitava ao grupo de Latim/Grego[4], ou seja, ao grupo em que ingressou na carreira, mas tal exigência não constava do despacho;

b)   Entende ser “desprovido de sentido defender-se, no caso presente, que o período probatório na carreira docente tem correspondência no texto da norma legal reguladora do período experimental para os trabalhadores que exercem funções públicas”: o certo é, porém, que o período probatório se dirige a verificar “a capacidade de adequação do docente ao perfil de desempenho profissional exigível”, o que, na essência, não difere do fim do período experimental, que é o de “comprovar se o trabalhador possui as competências exigidas pelo posto de trabalho que vai ocupar[5]; por outro lado, tal como o período experimental corresponde ao “período inicial de execução do contrato”, o período probatório coincide com o “1.º ano escolar no exercício efetivo de funções docentes”[6] e, em ambos os casos, se não ficar demonstrada a adequação do trabalhador à função haverá lugar à cessação da relação jurídica de emprego público[7]; donde se conclui que as diferenças de regime, relativas sobretudo à modelação do escrutínio a que o docente é sujeito, não anulam a natureza próxima de ambas as figuras;

c)    Por último, não se vê como é que a argumentação descrita conduz à conclusão de que “fica, portanto, demonstrado que enquanto a colocação obtida no concurso extraordinário não se efetivar em lugar de quadro de agrupamento de escolas ou de escola não agrupada, no grupo de recrutamento de provimento 310 (Latim e Grego), não pode a docente realizar o respetivo período probatório”, conclusão, aliás, sustentada numa vaga referência ao Estatuto da Carreira Docente e ao Decreto-Lei n.º 7/2013, de 17.1.

 

                 10. Convirá, ainda, ter presente que o escopo do período probatório, que se deixou enunciado, cria na esfera do trabalhador o direito a que lhe sejam proporcionadas condições para poder demonstrar que possui o perfil de desempenho profissional exigível e, para o empregador, o correspetivo dever de facultar tais condições[8]. O docente não pode ver a possibilidade de realizar tal prova comprometida por vicissitudes decorrentes das flutuações das necessidades de serviço docente, assim como pelas opções gestionárias da Administração Educativa em matéria de criação de vagas nos quadros de escola. Note-se que pode até suceder que não venha a ser criada qualquer vaga em quadro de escola no grupo Latim/Grego, não conseguindo a docente obter a colocação neste grupo até ao final da sua carreira.

 

                 11. Exatamente porque o empregador tem o dever de aferir a adaptação do docente à função – avaliação que, como se referiu, deve ocorrer no primeiro ano escolar de exercício efetivo em funções docentes integrado na carreira[9] –, a lei não prevê a possibilidade de o docente se encontrar numa fase anterior ao cumprimento do período probatório por razões a que é totalmente alheio. O que se visa é que, logo após a integração na carreira (no primeiro ano de exercício efetivo de funções), o docente demonstre se possui aptidão para o lugar: em caso afirmativo, o seu vínculo de emprego público passará a considerar-se por tempo indeterminado[10] e, em caso negativo, o mesmo cessará.

 

                 12. Ora, a docente ingressou na carreira em 1 de setembro de 2013, portanto, há mais de quatro anos e – recordo – possui hoje experiência docente superior a vinte anos, prestada em escolas públicas e sempre avaliada positivamente. Neste enquadramento, defender:

                 i. Que a docente está vinculada a demonstrar que possui as competências e o perfil necessário para cumprir a função que desempenha, para o Ministério da Educação, há longo tempo,

                 ii.  Que tal demonstração fica dependente de condições que o seu empregador público não pode garantir,

                 iii. Que o vínculo de emprego público da docente, constituído há mais de quatro anos, mantém feição provisória enquanto não for concluído, com sucesso, o período probatório, viola o regime imperativo do período probatório, desvirtua o seu fim e não se limita a privá-la do desenvolvimento da carreira, antes envolve o vínculo laboral público que liga a docente ao Estado-empregador de provisoriedade que, no caso, parece claramente injustificada.

 

IV – Recomendação

 

São estas as razões, Senhora Secretária de Estado, que, no exercício do poder que me é conferido pela alínea a), do n.º 1, do artigo 20.º, da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação da Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro, me levam a recomendar que reconheça que a docente C se encontra dispensada do cumprimento do período probatório.

 

Dignar-se-á V.Ex.ª, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 38.º, do Estatuto do Provedor de Justiça, transmitir-me, dentro de 60 dias, a posição assumida quanto à presente recomendação.

 

Na expetativa de que esta possa merecer o melhor acolhimento, apresento a V.Ex.ª, Senhora Secretária de Estado, os meus mais respeitosos cumprimentos,