Ex..mo. Senhor
Presidente do Conselho de Administração
EMEL – Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa, E.M., S.A.
Avenida de Berna, 1
1050-036 Lisboa
V.ª Ref.ª
Of.º6512/MC/2013
V.ª Comunicação
Nossa Ref.ª
Proc. Q-2767/13 (UT 1)
RECOMENDAÇÃO N.º 7/A/2014
(artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação da Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro)
ASSUNTO: domínio público – via pública – estacionamento – autuação – estacionamento – liquidação de tarifa – razoabilidade
Convido V. Exa a atender às motivações que se apresentam, no termo da apreciação da questão controvertida, a qual compreendeu as explicações prestadas pelos serviços que superiormente dirige.
Considerando a missão constitucional de contribuir para uma mais correta e razoável aplicação do direito vigente, RECOMENDO, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação da Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro, que os agentes de fiscalização nas zonas de estacionamento de duração limitada do Município de Lisboa sejam instruídos com vista a conterem, por um tempo razoável, a autuação contraordenacional de infrações por estacionamento sem pagamento da tarifa, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, alíneas c) e d), do Código da Estrada, começando por afixar um aviso com advertência contra o incumprimento do dever de liquidação da tarifa.
Refiro-me a situações em que os automobilistas se tenham deparado com dificuldades na obtenção de meios de liquidação da tarifa em zonas de estacionamento de duração limitada.
Tenho vindo a receber algumas queixas relativas à intervenção dos agentes de fiscali-zação da empresa municipal dirigida por V. Exa e dos demais agentes de empresas a que se encontra adjudicado o exercício desse poder de autoridade.
Em concreto, refiro-me nesta recomendação à queixa contra a imediata autuação con-traordenacional sem guardarem uma dilação razoável que permita ao automobilista obter o meio de pagamento próprio, não raro trocando numerário em notas por moe-das, regressar ao automóvel e afixar o título de quitação em local visível.
Deparo-me, na apreciação dessas queixas, com intervalos curtos, de cinco minutos; tempo que os automobilistas descrevem como despendido unicamente em tentativas, nem sempre bem-sucedidas, de encontrar quem se disponha a trocar o numerário me-tálico suficiente, uma vez que os equipamentos não aceitam notas de banco.
Há locais da cidade onde é particularmente penoso obter moedas em troca de notas. Um dos queixosos dá-nos conta de ter de entrar numa pastelaria e efetuar consumo dos seus produtos, pois os comerciantes não se dispõem, sem mais, a ficar privados de moedas.
É certo que os designados «parquímetros» admitem hoje meios de pagamento obtidos previamente: títulos de estacionamento pré-comprados e cartões magnéticos de débito, cujo carregamento pode ser obtido em caixas ATM (automated teller machine), designa-damente o cartão Viva Parking, utilizável num número crescente de equipamentos e nos parques de estacionamento concessionados à EMEL.
Há, todavia, um número significativo de automobilistas que, pelas mais variadas razões, não acede a estes meios de pagamento.
E as razões por que o não faz parecem-me atendíveis: o desconhecimento ou sim-plesmente o facto de não circularem habitualmente em Lisboa. Uma e outra, de resto, podem muito bem ser cumulativas.
Há ainda outras razões que podem pesar com legitimidade nas opções dos utentes.
Assim, o cartão denominado Viva Parking apresenta um valor mínimo de €20,00 e, pelo menos, até há pouco tempo, só podia ser adquirido num único ponto de venda (Rua Pinheiro Chagas, 19-A, Avenidas Novas).
Os títulos de estacionamento pré-comprados, embora com um preço mais modesto (€12,00) não deixam de significar uma despesa desaproveitada para quem deles faça uma utilização episódica.
Por outro lado, o seu uso é restrito à liquidação de uma tarifa mínima: a correspondente ao estacionamento pelo período de uma hora. Ora, o tarifário prevê frações de ¼, de ½ e de ¾ de hora.
Apesar de usado em outros municípios o pagamento através do telemóvel (v.g. Sintra), em Lisboa não se encontra nenhuma alternativa semelhante.
Para apreciação das queixas foram pedidas explicações aos serviços da EMEL, do que resultou sabermos que não há nenhuma orientação dada aos agentes para guardarem uma dilação razoável, antes de levantarem o auto. Embora, por vezes, verifiquem se o motor revela sinais de aquecimento recente, esta prática não obedece a nenhuma ori-entação generalizada.
É verdade que, em certas ocasiões, o automobilista fica constituído na obrigação de efetuar o pagamento em valor igual ao dobro da tarifa máxima de estacionamento (ar-tigo 14.º, n.º 2, do Regulamento Geral de Estacionamento e Paragem na Via Pública, aprovado pela Assembleia Municipal de Lisboa através da deliberação n.º 47/AM/2013, votada em sessão de 14 de maio de 2013, e publicado no Boletim Munici-pal n.º 1004, de 16 de maio de 2013).
Parece partir-se do princípio de que os utentes – sejam, ou não, munícipes de Lisboa – devem conhecer de antemão a necessidade de disporem de moedas ou de títulos pré comprados.
Aquilo que os cidadãos devem conhecer, isso sim, pois a ignorância da lei não pode ser invocada (artigo 6.º do Código Civil), senão em casos muito excecionais (artigo 17.º do Código Penal), é a sujeição do estacionamento automóvel a uma tarifa no interior das zonas devidamente delimitadas e sinalizadas.
O princípio deve ser o da livre circulação de pessoas e bens (artigo 44.º, n.º 1, da Constituição) e só por exceção se impõem limitações, condicionamentos e, no extremo, restrições.
Ao contrário do que sucede com o ordenamento geral do trânsito, concentrado no Código da Estrada e legislação complementar, as limitações ao estacionamento variam de município para município, cada um com regras sobre estacionamento tarifado à superfície bastante diversas das dos demais. Trata-se a disciplina do uso comum da via pública de uma atribuição municipal que reconhece aos órgãos próprios uma margem de autonomia administrativa extremamente vasta.
Ignorar o conhecimento exato do regulamento municipal, na parte em que obriga à imediata liquidação da tarifa, pode ser desculpável.
Proceder à imediata liquidação da tarifa por meio do equipamento próprio, em condi-ções de difícil obtenção de moedas ou de aquisição de outros meios de pagamento, pode revelar-se um comportamento inexigível.
Pode ser-nos retorquido que o arguido, no exercício do direito de defesa que lhe assiste, dispõe da possibilidade de provar ter agido de modo irrepreensível, usando da dili-gência que os padrões do princípio da boa-fé compreendem.
O automobilista, em alguns casos, estará em condições de exibir o título de quitação que prove ter cumprido a obrigação de pagamento da tarifa, justamente enquanto o agente de fiscalização se encontrava a elaborar o auto.
Pergunto-me se não é excessivo, porém, dar início e fazer prosseguir um procedimento contraordenacional com encargos para todos.
Creio que V. Exa partilhará comigo esta preocupação, mesmo conhecendo situações que, infelizmente, sempre ocorrem, de abuso ou de fraude.
Contudo, o comportamento abusivo ou fraudulento de alguns não pode inspirar uma presunção de desconfiança sobre o comportamento da generalidade dos cidadãos.
De resto, o agente de fiscalização pode referenciar o automóvel, deixar sobre o pa-ra brisas um primeiro aviso de pagamento e conceder um lapso de tempo razoável antes de iniciar a autuação.
A razoabilidade há de atender a circunstâncias de espaço e de tempo, como sejam a distância entre o automóvel e os equipamentos, a eventualidade de algum ou alguns apresentarem avarias no funcionamento e até as possíveis adversidades climatéricas.
Veja-se que o bloqueamento e a remoção de veículos, como medida de polícia, prevista no artigo 164.º, do Código da Estrada, pressupõem o estacionamento indevido ou abusivo (n.º 1, alínea a)) entre as demais previsões.
Esta qualificação, por sua vez, requer o esgotamento de uma margem de tempo que introduz um fator de razoabilidade, nomeadamente o decurso de «duas horas para além do período de tempo permitido» (artigo 163.º, n.º 1, alínea c)) ou o decurso de «mais de duas horas para além do período de tempo permitido» (alínea d)).
Dignar-se-á V. Exa, em cumprimento do disposto no artigo 38.º, n.º 2, da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação da Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro, transmitir-me, dentro de 60 dias, a posição que o Conselho de Administração da EMEL, Empresa Municipal de Mobilidade e de Estacionamento de Lisboa, E.M., S.A., vier a adotar.
O Provedor de Justiça
(José de Faria Costa)