Exmo. Senhor
Presidente do Conselho Diretivo
Instituto da Segurança Social, IP
Rua Rosa Araújo, 43
1250-194 Lisboa
V.ª Ref.ª
SAI.SCC-12287/2013
V.ª Comunicação
25/01/2013
Nossa Ref.ª
Proc. Q-2290/12 (UT 1)
RECOMENDAÇÃO N.º 4/A/2014
(artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação da Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro)
ASSUNTO: habitação – arrendamento urbano – subsídio de renda – aumento da renda por obras por iniciativa do senhorio, na vigência do Regime do Arrendamento Urbano
Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, e em face da motivação seguidamente apresentada, recomen-do a V. Exa que determine:
I) O reinício do pagamento dos subsídios aos arrendatários sujeitos aos au-mentos de renda consequentes da realização de obras pelos senhorios ao tempo da vigência do artigo 38.º do Regime do Arrendamento Urbano, com a redação do Decreto Lei n.º 329 B/2000, de 22 de dezembro, ou seja, até à entrada em vigor da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro.
II) O pagamento dos valores indevidamente não percebidos por esses mesmos arrendatários, desde 01/01/2011.
Consigno que foram atendidas as explicações prestadas pelos serviços superiormente dirigidos por V. Exa, assim como pelo Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana, IP.
§1.º – Considerações preliminares
1. Apreciámos uma queixa relativa à cessação dos pagamentos de subsídio de renda que tinham sido atribuídos a arrendatários de fogos beneficiados por obras de iniciativa dos senhorios, quase sempre, comparticipadas fi-nanceiramente pelo Estado e pelos municípios.
2. Trata-se de subsídio previsto no Decreto-Lei n.º 68/86, de 27 de março, com as alterações e aditamentos introduzidos pelo Decreto-Lei n.º 329 B/2000, de 22 de dezembro.
3. É entendimento do Instituto superiormente representado por V. Exa que esse subsídio ficou comprometido, por pressupor não só um contrato de arrendamento para habitação anterior a 1990, como também a atualização do valor da renda, segundo o Novo Regime do Arrendamento Urbano (Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro).
4. Com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 158/2006, de 8 de agosto, foi criado um novo subsídio de renda, de sorte que, admitir um e outro seria admitir a cumulação de subsídios de renda.
5. Por outro lado, uma vez revogado o Regime do Arrendamento Urbano (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro), pelo Novo Regime do Arrendamento Urbano (artigo 60.º, n.º 1), entendem que foi revogado também o Decreto-Lei n.º 68/86, de 27 de março.
6. Este último tinha o primeiro como seu pressuposto de aplicação, por via das remissões próprias. A revogação do Regime do Arrendamento Urba-no, como tal, tinha feito soçobrar o Decreto-Lei n.º 68/86, de 27 de mar-ço, e posto termo aos subsídios atribuídos ao longo da sua vigência.
7. Não podemos concordar com esta posição, pelos motivos que se expõem.
§2.º – Da aplicação da lei no tempo
8. O Decreto-Lei n.º 68/86, de 27 de março, começou por regulamentar apenas o subsídio de renda criado pela Lei n.º 46/85, de 20 de setembro, destinado a enfrentar os ajustamentos e as correções extraordinárias que se previam.
9. Através do Decreto-Lei n.º 329-B/2000, de 22 de dezembro, foi alterado, entre outros, o seu artigo 1.º, n.º 2, e alargado o universo dos beneficiários: arrendatários confrontados com aumentos de renda proporcionados por obras executadas por iniciativa dos senhorios, designadamente ao abrigo do Regime Especial de Comparticipação na Recuperação de Imóveis Arrendados (RECRIA) e antigos inquilinos a realojar por aplicação da Lei n.º 2088, de 3 de junho de 1957 (demolição por iniciativa do senhorio).
10. Do mesmo passo, as remissões que no Decreto-Lei n.º 68/86, de 27 de março, eram efetuadas para outros regimes jurídicos passaram a convergir para o Regime do Arrendamento Urbano, em especial, para o artigo 38.º, em cujo n.º 1 se estipulava:
«Quando o senhorio realize no prédio obras de conservação ordinária ou ex-traordinária, ou obras de beneficiação que se enquadrem na lei geral ou local necessárias para a concessão de licença de utilização e que sejam aprovadas ou compelidas pela respetiva câmara municipal, pode exigir do arrendatário um aumento de renda apurado nos termos do Regime Especial de Comparti-cipação na Recuperação de Imóveis Arrendados (RECRIA)».
11. Nada permite afirmar que a revogação do RAU haja implicado a revogação do Decreto-Lei n.º 68/86, de 27 de março, por força das remissões que este estabelecia para aquele.
12. A própria norma revogatória (artigo 60.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de feve-reiro) salvaguarda as remissões que outros diplomas fizessem para o Re-gime do Arrendamento Urbano, convolando-as em remissões para o Novo Regime do Arrendamento Urbano (n.º 2).
13. Por conseguinte, as remissões para o Regime do Arrendamento Urbano, enunciadas no Decreto-Lei n.º 68/86, de 27 de março, mediante as altera-ções e os aditamentos introduzidos pelo Decreto-Lei n.º 329-B/2000, de 22 de dezembro, passaram a ser consideradas efetuadas para o Novo Regime do Arrendamento Urbano: primeiro na versão originária, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro; depois, na versão amplamente revista pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto.
14. De resto, já o Regime do Arrendamento Urbano tinha sido revogado, e ainda foram publicadas a Portaria n.º 219/2007, de 28 de fevereiro, e a Portaria n.º 248/2008, de 27 de março, que estabeleceram as tabelas deste subsídio de renda para os respetivos anos civis.
15. Acresce o facto de esta última portaria ter sido recentemente objeto de uma remissão normativa para calcular o valor do apoio público no âmbito da habitação social, no contexto do rendimento social de inserção (artigo 28.º, n.º 1, da Portaria n.º 257/2012, de 27 de agosto).
16. Tão-pouco se pode assentar em que o novo subsídio de renda configurado no Decreto-Lei n.º 158/2006, de 8 de agosto, com a redação do Decreto-Lei n.º 266-C/2012, de 31 de dezembro, tenha tirado lugar ao subsídio previsto no Decreto-Lei n.º 68/86, de 27 de março.
17. Aliás, na eventualidade de concurso, aplicar-se-ia o artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 158/2006, de 8 de agosto, que proíbe a cumulação de subsídios de renda.
18. O subsídio do Decreto-Lei n.º 68/86, de 27 de março, tem como pressu-posto o aumento de renda propiciado pelas obras que os senhorios tenham executado na vigência do artigo 38.º do Regime do Arrendamento Urbano, na redação do Decreto-Lei n.º 329-B/2000, de 22 de dezembro.
19. A competência para decidir sobre a sua atribuição é dos serviços periféricos da Segurança Social (artigo 13.º, n.º 2), assim como lhes cumpre efetuar o pagamento (artigo 14.º, n.º 1).
20. Trata-se, de acordo com as informações prestadas, de 47 arrendatários, a quem foi reconhecido o direito a este subsídio de renda e a quem foi de-terminada a cessação, reenviando-os para o regime do subsídio de renda consagrado pelo Decreto-Lei n.º 158/2006, de 8 de agosto.
21. Este apresenta pressupostos e requisitos bem diferentes, pois na verdade foi criado para responder a uma outra situação: a do aumento de rendas de casa desencadeado pela aplicação do Novo Regime do Arrendamento Ur-bano (Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro), na sua versão originária, e que vigorou até à entrada em vigor da Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto.
22. Exige a verificação das seguintes condições:
a. Ter o senhorio iniciado a atualização da renda no período compreen-dido entre a entrada em vigor da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro (NRAU) e a entrada em vigor da sua reforma, levada a cabo pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto;
b. Encontrar-se, nesta última data, a decorrer o período de atualização faseada que o NRAU consagrava na sua primitiva versão;
c. Verificarem-se os pressupostos do artigo 35.º do NRAU, na sua versão originária: avaliação do imóvel, segundo o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e nível de conservação igual ou superior a 3;
d. Ter o senhorio optado pela aplicação do regime consignado nos arti-gos 30.º a 49.º do NRAU, na sua versão originária, e tê-lo comunicado eficazmente ao Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana, IP;
e. Não tendo o senhorio comunicado ao Instituto da Habitação e Reabi-litação Urbana, IP, continuar a renda a ser atualizada ou ter passado a ser atualizada, mas apenas à luz daqueles preceitos da versão originária do NRAU.
23. Não confundamos com um outro subsídio de renda, a atribuir pelas atuali-zações emergentes da Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, e cuja disciplina aguarda por diploma próprio, uma vez que são ainda os senhorios a su-portar os custos sociais com os arrendatários mais vulneráveis do ponto de vista económico e social (artigos 35.º e 36.º).
24. Considerando que os pressupostos do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 158/2006, de 8 de agosto, gravitam sempre em torno do estado de con-servação do imóvel, a única semelhança com o subsídio de renda do De-creto-Lei n.º 68/86, de 27 de março, é a que resulte da execução de obras pelo senhorio, de modo a que o fogo atinja um grau de conservação não inferior a 3.
25. No mais, é completamente diferente, a começar pelo intervalo temporal que justifica os subsídios auferidos ao abrigo do Decreto-Lei n.º 68/86, de 27 de março.
26. Descortina-se – e cremos que com clareza – um campo de aplicação especial para o subsídio de renda consagrado no Decreto-Lei n.º 68/86, de 27 de março, na redação do Decreto-Lei n.º 329-B/2000, de 22 de dezembro, e cuja razão de ser não foi atendida por nenhum regime jurídico posterior.
27. Por outras palavras, há situações que preenchem os requisitos deste diploma para atribuição do subsídio de renda e que não preenchem os requisitos da legislação subsequente, sem risco, todavia, de cumulação de subsídios que, se por hipótese ocorresse, estaria sempre acautelada pela proibição ínsita no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 158/2006, de 8 de agosto.
28. Esse campo de aplicação é o das rendas aumentadas por obras da iniciativa dos senhorios, ao tempo em que vigorava o artigo 38.º do Regime do Ar-rendamento Urbano, na redação do Decreto-Lei n.º 329 B/2000, de 22 de dezembro.
29. O problema está no facto de os subsídios para estas rendas terem deixado de ser pagos no início de 2011, reenviando-se os beneficiários para um novo regime de apoio, ao qual, por definição, nunca estariam em condições de aceder.
30. O Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro, foi, na verdade, revogado (artigo 60.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro).
31. A remissão transposta para o Novo Regime do Arrendamento Urbano (ar-tigo 60.º, n.º 2) não encontra correspondência quando se trata do artigo 38.º do precedente Regime do Arrendamento Urbano (atualização de ren-das após obras realizadas a cargo do senhorio).
32. Contudo, aquela revogação – do Regime do Arrendamento Urbano – não teve efeitos retroativos.
33. Por outro lado, a lei geral, em princípio, não revoga a lei especial (no caso, o Decreto-Lei n.º 68/86, de 27 de março), de acordo com o artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil, além de que, mesmo «em caso de dúvida» a lei nova «só visa os factos novos» (artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil).
34. Por conseguinte, as situações consolidadas pela aplicação do Decreto-Lei n.º 68/86, de 27 de março (até entrar em vigor o Novo Regime do Arren-damento Urbano) não podem ser descuradas.
35. Quer isto dizer que não devia ter cessado o pagamento dos subsídios de renda atribuídos com base no Decreto-Lei n.º 68/86, de 27 de março, na redação do Decreto-Lei n.º 329-B/2000, de 22 de dezembro, e cuja última atualização remonta à Portaria n.º 248/2008, de 27 de março.
36. A reparação da ilegalidade e da injustiça para com este conjunto de arren-datários – e cujo volume nem sequer é expressivo – impõe-se, como reco-nhecerá V. Exa .
§3.º – Conclusões
A. A sucessão de leis e regulamentos em matéria de arrendamento urbano e os diferentes modos de compensar economicamente arrendatários mais expostos ao aumento das rendas de casa agravaram a complexidade de uma teia normativa já anteriormente difícil de deslindar.
B. O certo é, porém, que o aplicador deve examinar com atenção cada um dos regimes, não apenas à luz do que dispõem, como também dos pres-supostos e requisitos da sua aplicação.
C. Assim, importa reconhecer que, embora globalmente revogado pelo artigo 60.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, o Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de outubro, esta revogação não foi dotada de efeitos retroativos.
D. Os subsídios de renda atribuídos na sua vigência, por aplicação do Decre-to Lei n.º 68/86, de 27 de março, resultaram de circunstâncias definidas no tempo e que não desapareceram com a revogação, salvo nos casos, que os houve, entretanto, de extinção da locação, designadamente por morte do arrendatário.
E. Os inquilinos a quem foi reconhecido o direito a esse subsídio de renda não podem sequer beneficiar dos regimes sucessivos, designadamente por razões cronológicas.
F. Privá-los de um subsídio, cujos pressupostos, além do mais, inculcavam uma comparticipação pública nas obras executadas pelo senhorio, signi-ficaria remover dessa comparticipação o fim social que também possui.
G. Às rendas aumentadas por aplicação do artigo 38.º do Regime do Arren-damento Urbano (obras executadas a cargo do senhorio no fogo tomado de arrendamento, nomeadamente sob comparticipação do Estado e dos municípios) é ainda o Decreto-Lei n.º 68/86, de 27 de março, a aplicar-se, o qual, de resto, nunca foi revogado.
H. As normas do artigo 7.º, n.º 3, e do artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil, so-bre a sucessão de leis e relações de especialidade, confirmam a precedente análise.
I. Justifica-se inteiramente retomar a breve trecho o pagamento dos subsídios de renda contidos nesse âmbito (cerca de 47) e ressarcir os arrendatários pelos subsídios não percebidos desde o início de 2011.
Solicito a V. Exa que, dando cumprimento do disposto no artigo 38.º, n.º 2, da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, me transmita, no prazo de 60 dias a contar da receção desta recomendação, a posição que vier a adotar.
O Provedor de Justiça
(José de Faria Costa)