Sua Excelência
A Ministra da Administração Interna
Praça do Comércio
1149-015 Lisboa
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Proc.
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Q-1553/12 (UT5) e outros
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Assunto: Forças policiais; denúncia; entrega de comprovativo.
RECOMENDAÇÃO n.º 1/A/2015
(artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de abril na redação dada pela Lei n.º 17/2013,
de 18 de fevereiro)
Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, e em face das motivações seguidamente apresentadas, recomendo a Vossa Excelência que:
Sejam dadas instruções às forças de segurança, no sentido de passar a ser entregue comprovativo de denúncia aos cidadãos que apresentem queixa junto da Polícia de Segurança Pública ou da Guarda Nacional Republicana, designadamente, mediante o fornecimento de fotocópia do documento escrito que tenham entregado ou de documento que reduza a escrito a denúncia oral.
É a seguinte a motivação da minha Recomendação.
§1.
AS QUEIXAS
Têm-me sido apresentadas diversas queixas sobre a recusa de entrega de comprovativo de denúncia, quer pela Polícia de Segurança Pública (PSP) quer pela Guarda Nacional Republicana (GNR).
Em todas, é referido que aquelas forças de segurança informam os denunciantes de que não estão autorizadas a fornecer cópias ou transcrições de declarações, podendo somente fazer entrega de «termos de notificação».
Por vezes, os interessados são também informados de que podem solicitar, em impresso próprio dirigido aos Comandantes da Esquadra ou do Posto:
— Declaração simples, atestando a participação efetuada, caso pretendam obter cópia do respetivo auto de denúncia ou declaração transcrevendo o conteúdo daquele; ou
— Declaração autenticada, fotocópia simples ou fotocópia autenticada do expediente elaborado.
De acordo com as informações prestadas aos interessados, a passagem de certidões ou a emissão de cópias dos autos de notícia deve ser solicitada à autoridade judiciária, e por ela autorizada, nos termos da legislação processual penal ([1]), devendo os denunciantes proceder ao pagamento das taxas/emolumentos legalmente previstos e aguardar o tempo necessário para a passagem dos documentos pretendidos.
Assim, os queixosos insurgem-se, não só contra a impossibilidade de obter, no momento da denúncia, declarações ou cópias das declarações, por eles assinadas, como também contra a necessidade de pagamento das taxas previstas no Regulamento das Custas Processuais.
§2.
OS PROCEDIMENTOS DA PSP E DA GNR
Sobre este assunto, o Senhor Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública informou, no âmbito do dever de audição prévia das entidades visadas, que
«(…) a PSP vem procedendo à emissão de entrega ao denunciante de declaração refletiva à formalização da denúncia (…) e que este procedimento está disponível na aplicação SEI — Sistema Estratégico de informações da PSP, que assegura o processamento das denúncias (…)» ([2]).
E o Senhor Comandante-Geral da GNR esclareceu que «(…) ao titular do direito de queixa assistirá sempre a possibilidade de requerer ao OPC que rececionou a queixa (se não existir segredo de justiça) ou ao Ministério Público (se existir segredo de justiça) certidão da queixa apresentada (…)» ([3]).
Fiz incluir esta matéria nas ações inspetivas que foram realizadas às Esquadras da PSP (no Porto e em Lisboa) e ao Posto Territorial da GNR da Maia e, como consta dos relatórios oportunamente produzidos e enviados à PSP, à GNR e ao antecessor de Vossa Excelência, foi possível verificar que, em regra, a formalização presencial de uma queixa não envolve a entrega de quaisquer documentos aos exponentes, com exceção do «termo de notificação», do qual consta a identificação da Esquadra/Posto em causa, o número de processo policial (NPP) ou o número único de identificação de processo-crime (NUIPC), consoante o que for aplicável, o número do registo, a data e a sinalização das informações prestadas aos lesados, nos termos do disposto nos artigos 75.º e 247.º do CPP.
Apenas distinto é o regime aplicável às denúncias da prática do crime de violência doméstica, as quais implicam a entrega de cópia do respetivo auto de notícia ou da apresentação de queixa, para além da disponibilização de documento comprovativo do «Estatuto de Vítima», compreendendo os direitos e deveres consignados no artigo 14.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro ([4]).
Não deixo de dar conta, igualmente, de que, no âmbito das referidas visitas de inspeção, foi também aferida a matéria de apresentação de queixas através de plataforma digital, ao abrigo do Sistema de Queixa Eletrónica (SQE), criado pela Portaria n.º 1593/2007, de 17 de dezembro ([5]), tendo-se verificado o cumprimento do disposto no respetivo artigo 6.º, que prevê a produção automática de documento confirmativo da receção de queixa pelo SQE, identificado por um número, pelo registo do tipo de queixa, pela data e hora da submissão eletrónica.
§3.
APRECIAÇÃO
O artigo 81.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) ([6]) ([7]), prevê que os interessados podem exigir recibo comprovativo da entrega dos requerimentos apresentados, o qual pode ser passado em duplicado ou em fotocópia do requerimento que o requerente apresente para esse fim.
O artigo 5.º da Lei n.º 46/2007, de 24 de agosto, diploma que regula o acesso aos documentos administrativos, prevê que o direito dos cidadãos ao acesso aos documentos administrativos compreende não só a possibilidade de obter a sua reprodução, mas também a faculdade de ser informado sobre a sua existência e conteúdo.
No mesmo sentido, o Decreto-Lei n.º 73/2014, de 13 de maio ([8]), que estabelece medidas de modernização administrativa, prevê, no n.º 1 do respetivo artigo 19.º, a possibilidade de, sempre que solicitado, ser emitido recibo autenticado comprovativo da receção de documentos ou fotocópia dos mesmos, no qual se inscreverá a data e hora de entrega, se esta for relevante para o efeito, bem como a sua descrição.
Por outro lado, importa assinalar que o direito à obtenção de recibo comprovativo da queixa não se confundirá nem com o direito à obtenção de «certificado da denúncia», previsto no n.º 6 do artigo 247.º do CPP, nem com o direito à obtenção de certidão, reprodução ou declaração autenticada dos documentos que constem dos processos, previsto no n.º 3 do artigo 62.º do CPA e no artigo 11.º da Lei n.º 46/2007, de 24 de agosto.
É que, independentemente da possibilidade de requerer certificados ou obter certidões, reproduções ou declarações autenticadas de documentos, ao abrigo das disposições supra referidas, está expressamente consagrado o direito de os cidadãos obterem, no próprio ato, o comprovativo da entrega de requerimentos.
A circunstância de nada obstar à entrega de recibos das denúncias apresentadas presencialmente perante a PSP ou a GNR fica atestada na entrega de comprovativo que já acontece quando as queixas são apresentadas pelo SQE (em que é automaticamente produzido documento confirmativo da sua receção) ou quando digam respeito ao crime de violência doméstica (que implicam a entrega de cópia dos respetivos autos de notícia ou da apresentação da denúncia).
Em conclusão, considero que, sempre que ocorra a recusa de entrega de cópia da denúncia, os cidadãos ver-se-ão desprovidos de comprovativo da apresentação de uma queixa com um determinado conteúdo. E o direito de obter o comprovativo de apresentação de uma queixa — daquela queixa concreta, com aquele concreto conteúdo —, constitui, para além do mais, um elementar direito de cidadania.
Dignar-se-á Vossa Excelência, em cumprimento do disposto no artigo 38.º, n.º 2, da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, transmitir-me, dentro de sessenta dias, a posição que vier a assumir em face da presente recomendação.
O Provedor de Justiça
(José de Faria Costa)
[1] Código de Processo Penal (CPP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro e alterado, por último, pela Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de agosto.
[2] V. ofício de 18 de julho de 2013.
[3] V. ofício n.º 5664/GGCG, de 1 de outubro de 2013.
[4] Regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas e revoga a Lei n.º 107/99, de 3 de agosto, e o Decreto-Lei n.º 323/2000, de 19 de dezembro. Foi alterada pela Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro, e retificada pela Declaração de Retificação n.º 15/2013, de 19 de março.
[5] Serviço público prestado por via eletrónica, no âmbito da prevenção e investigação criminal e apoio às vítimas de crimes, definindo os procedimentos a adotar pela GNR, PSP e pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), aquando da apresentação de queixa relativa à prática de ilícitos criminais tipificados no respetivo anexo, através do competente formulário.
[6] Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de novembro, constando a última alteração da Lei nº 30/2008, de 10 de julho.
[7] Que transcrevo: «Artigo 81.º (Recibo de entrega de requerimentos): 1. Os interessados podem exigir recibo comprovativo da entrega dos requerimentos apresentados. 2. O recibo pode ser passado em duplicado ou em fotocópia do requerimento que o requerente apresente para esse fim.».
[8] Retificada pela Declaração de Retificação n.º 30/2014, de 18 de junho.