Exmo. Senhor
Presidente da Câmara
Municipal de Paredes
Parque José Guilherme
4580-229 Paredes

V.ª Ref.ª
 Ofício n.º 4522/13/GU
V.ª Comunicação
 24/09/2013
Nossa Ref.ª
Proc. Q-2778/12 (UT 1)

 

RECOMENDAÇÃO N.º 2/A/2014
(artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação da Lei n.º 17/2013,
de 18 de fevereiro)

Assunto: esbulho – estacionamento – obra de requalificação – Edifício Cidade Nova

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, e em face da motivação seguidamente apresentada, recomendo a V. Exa. que:

I. Adquira para o domínio público do Município de Paredes, a parcela de terreno cuja posse resultou das obras de requalificação da Avenida da República, parte comum do denominado «Edifício Cidade Nova».

II. No caso de não ser possível chegar a acordo quanto à aquisição negocial da parcela referida em I, que a câmara municipal apresente requerimento de declaração de utilidade pública com vista à sua expropriação, nos termos previstos no Código das Expropriações.

III. Em alternativa, o município poderá reconstituir a situação anterior, existente à data da execução daquelas obras de requalificação, restituindo a posse da parcela aos seus proprietários.

Consigno que foram atendidas as explicações prestadas pelos serviços superiormente dirigidos por V. Exa.

 

 §1.º – EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

1. Foi apreciada queixa em que se afirmava que a Câmara Municipal de Paredes executara obras de requalificação na Avenida da República, no logradouro frontal do denominado «Edifício Cidade Nova», tendo esbulhado esta parcela de terreno que constitui parte comum do prédio.

2. A referida parcela, após as obras de requalificação, foi afeta a passeio para peões e a estacionamento público tarifado, explorado por empresa privada concessionária.

3. A partir desse momento, os condóminos viram-se obrigados a pagar tarifa de estacionamento para fruir da sua parcela de terreno, continuando sujeitos à obrigação de liquidar o Imposto Municipal sobre Imóveis.

4. Inquirida a Câmara Municipal de Paredes, confirmou-se que, efetivamente, utilizara uma parcela de terreno do prédio propriedade dos condóminos para execução da empreitada de requalificação da Avenida da República, mediante prévio acordo informal ajustado com a administração de condomínio em 2005/2006.

 

 §2.º – GARANTIAS  DO DIREITO DE PROPRIEDADE: O ÓNUS DE PROVAR O FACTO CONSTITUTIVO

5. Resulta dos factos apurados que não ocorreu aquisição do direito de propriedade sobre a parcela de terreno, para o património do município, nem para o seu domínio.

6. Não sendo controversa a factualidade descrita na reclamação, todavia subsistem divergências quanto às consequências jurídicas da atuação assumida pelo Município de Paredes.

7. O direito de propriedade privada, consagrado no artigo 62.º, n.º 1, da Constituição, compreende a garantia de não ser arbitrariamente privado da propriedade e o direito de ser indemnizado em caso de desapropriação (n.º 2).

8. Aliás, na medida em que o direito de propriedade privada apresenta natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, goza do mesmo regime constitucional específico, por força do artigo 17.º da Constituição.

9. Interessa considerar que, ao abrigo do citado regime constitucional, o Estado e as demais entidades públicas estão vinculadas ao respeito pelo direito de propriedade privada, sendo solidariamente responsáveis por quaisquer ações ou omissões que determinem a sua violação, nos termos estabelecidos nos artigos 18.º, n.º 1, e 22.º da Constituição.

10. No mesmo sentido, dispõe-se nos artigos 1308.º e 1310.º do Código Civil, que ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do direito de propriedade, senão nos casos fixados na lei e sempre mediante justa indemnização aos titulares dos direitos reais afetados.

11. À Administração Pública incumbe prosseguir o interesse público, mas sempre no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (cfr. artigo 266.º da Constituição e artigo 4.º do Código de Procedimento Administrativo).

12. Assim, a entidade pública que necessite de se apropriar de bens objeto de propriedade privada para prosseguir as respetivas atribuições, encontra-se vinculada a observar um procedimento legalmente definido, no qual se salvaguardem os direitos dos interessados, designadamente, o direito à indemnização.

13. No caso concreto, a Câmara Municipal de Paredes entende que a apropriação da parcela, indispensável às obras de requalificação da Avenida da República, foi legitimada pela prévia autorização informal da administração do condomínio.

14. No entanto, o artigo 875.º do Código Civil dispõe que o contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular, o que resulta também do disposto em várias normas legais relativas à forma dos negócios jurídicos translativos de bens imóveis (cfr. artigo 947.º, n.º 1, do Código Civil).

15. Um qualquer acordo informal que tivesse sido celebrado entre o Município de Paredes e a administração do condomínio, para transmissão da referida parcela de terreno a favor do domínio municipal seria sempre nulo, conforme o disposto no artigo 220.º do Código Civil, pelo que não habilitaria o município a justificar a aquisição do terreno em causa.

16. Até à presente data não foi formalizado qualquer negócio jurídico de direito privado, nem iniciado processo de expropriação por utilidade pública.

17. Há-de, pois, concluir-se que o Município de Paredes se apossou, sem título e sem proceder ao pagamento do justo valor, de uma parcela de terreno, o que constitui uma atuação ilícita, que determina os prejuízos que urge reparar.

18. Esta situação é tão mais grave quanto a parcela de terreno se encontra a ser utilizada como estacionamento público tarifado, explorado, lucrativamente, por empresa privada, concessionária do estacionamento público de superfície, e fiscalizado pela Polícia Municipal.

19. Isto significa que os proprietários da referida parcela de terreno vêem- se constrangidos a pagar a tarifa de estacionamento para aí poderem parquear o seu veículo. Caso não o façam, a própria Polícia Municipal instaura procedimento contra-ordenacional, ficando os proprietários sujeitos ao pagamento de uma coima, como tem vindo a suceder.

20. Ademais, são os condóminos, que se vêm impossibilitados de fruir livremente da sua parcela de terreno, e, paradoxalmente, têm de liquidar o Imposto Municipal sobre Imóveis, ou seja, o facto ilícito gera um múltiplo prejuízo para os proprietários da parcela de terreno.

21. Perante uma atuação caracterizada como via de facto, impõe-se reconstituir, na medida do possível, o procedimento administrativo postergado. Como tal, o município deve procurar obter o acordo formal dos proprietários, reduzindo-o a escritura pública, ou dar início à expropriação.

22. Sem que o tempo transcorrido lhe permita invocar a usucapião, o município tem de dispor de um título legítimo que justifique o ingresso da parcela no domínio público.

23. Situação idêntica já foi objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Administrativo em Acórdão de 06/02/2001 (proc. 43274), tendo sido qualificada como uma situação lamentável, «o exemplo típico da via de facto, atentatória dos mais elementares direitos dos cidadãos e nada condizentes com o imperativo constitucional e legal da subordinação do poder administrativo à lei».

 

§3.º – CONCLUSÕES

A. Para execução das obras de requalificação da Avenida da República, o Município de Paredes esbulhou uma parcela de terreno privada, logradouro do denominado «Edifício Cidade Nova» afetando-a, nessa sequência, a passeio para peões e a estacionamento público tarifado, explorado lucrativamente por concessionária privada.

B. A utilização da referida parcela não foi precedida, sequer, de qualquer tentativa de aquisição amigável ou do início do procedimento de expropriação, existindo tão só um alegado acordo verbal com a administração do condomínio.

C. Contudo, a transmissão do direito de propriedade de bens imóveis só pode ser efetuada, de acordo com o ordenamento jurídico em vigor, mediante escritura pública ou documento particular.

D. Os condóminos, como proprietários da parcela, não só não a podem fruir livremente, como continuam sujeitos à liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis e ao pagamento de tarifa de estacionamento sempre que ali parqueiam os seus veículos, sob pena de lhes ser aplicada coima.

E. Perante esta situação de esbulho, ao município cumpre, quanto antes, proceder à reparação.

Solicito a V. Exa. que, dando cumprimento do disposto no artigo 38.º, n.º 2, da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, me transmita, no prazo de 60 dias a contar da receção desta recomendação, a posição da Câmara Municipal de Paredes.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

(José de Faria Costa)