Ex..mo Senhor
Presidente da Câmara Municipal de Leiria
Largo da República
2414-006 LEIRIA
 
V.ª Ref.ª
Proc. 780/99
Of.3420/12
V.ª Comunicação
1/06/2012
Nossa Ref.ª
Proc. R-4440/11 (A1)
 
 
 
 
RECOMENDAÇÃO N.º 5/A/2013
(artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação da Lei n.º 17/2013,
de 18 de fevereiro)
 
 
 
 
 
ASSUNTO: Oposição – Obras de construção – Área florestal – Moradia unifamiliar – Estrada Principal das Cortes, 701, Ponte Cavaleiro, Cortes, Leiria.
 
1.    Apreciei queixa contra a Câmara Municipal de Leiria, afirmando-se ter violado o disposto no artigo 62.º do Plano Diretor Municipal[1] ao ter licenciado a operação urbanística identificada, e autorizado a respetiva utilização, em 25/01/2011, depois de, por deliberação de 29/07/1998, ter sido reconhecido que integrava um futuro empreendimento turístico.
 
2.    Com efeito, nos termos do PDM, tratar-se-ia de solos qualificados para o uso florestal, com a única exceção dos empreendimentos turísticos.
 
3.    Por outro lado, a câmara municipal ignorara a construção arbitrária de muros nas estremas.
 
4.    Houve necessidade de proceder a várias averiguações e consultas, pela remessa sucessiva de elementos requisitados aos serviços da Câmara Municipal de Leiria.
 
5.    No termo das continuadas investigações, confirma-se que a operação urbanística fora apresentada à câmara municipal como parte de um empreendimento turístico. Assim, a moradia unifamiliar constituiria a casa de morada do gerente, satisfazendo à exceção admitida no PDM. Por isso, o projeto de arquitetura foi aprovado, em 25/09/1999, a licença de construção deferida em 13/01/2000, e, por fim, a autorização de utilização, em 25/01/2011.
 
6.    A verdade é que o empreendimento turístico nunca viria a conhecer sequência, falecendo o pressuposto determinante e necessário para a licença municipal.
 
7.    Tratava-se de um motel de três estrelas, num conjunto de edificações servidas por um parque de estacionamento: receção, cinco blocos com unidades de alojamento, restaurante e casa de morada do gerente.
 
8.    Mal andou a Câmara Municipal de Leiria ao permitir que o particular antecipasse a edificação da casa de morada sem ter exigido garantias concretas de que o projeto turístico iria avante.
 
9.    Garantias que resultariam da necessidade de uma operação de loteamento, estipulando-se as necessárias obras de urbanização, cedências e depósito de caução.
 
10.A imprudência municipal de par com o sentido de oportunidade do particular, conjugaram-se e lograram um fim absolutamente interdito pelo PDM: permitir a construção de uma moradia unifamiliar em plena zona florestal, em fraude à lei.
 
11.É certo que, em 19/11/2001, a câmara municipal notificara o particular da declaração de caducidade do projeto de arquitetura, pois não fora feita prova indiciária da propriedade ou outro direito real de gozo sobre a totalidade dos imóveis.
 
12.Contudo, jamais lhe fixou um prazo para satisfazer às condições de legalização da obra, intimando-o a demolir (artigo 106.º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação).
 
13.Pelo contrário, viria a deferir-lhe a autorização de utilização da «suposta» casa de morada de um virtual empreendimento turístico.
 
14.Entretanto, o interessado, em 06/02/2013, levou à consideração das autoridades municipais pretender satisfazer a condição, de modo a cumprir o artigo 62.º do PDM, embora através de um empreendimento mais modesto: um parque de campismo e de caravanismo.
 
15.Não quero, não devo nem posso formular um juízo de intenções sobre o comportamento do particular, mas o que não posso deixar de observar é que o mesmo afirma, desde 1998, levar a cabo um empreendimento turístico sem nunca ter cumprido minimamente esta condição. Se porventura todos os proprietários locais tivessem adotado uma iniciativa semelhante, a mancha florestal que, em boa hora se quis proteger, estaria povoada por casas de morada de gerentes de empreendimentos turísticos inexistentes.
 
16.Estou em crer, Senhor Presidente, que é tempo de reintegrar a legalidade urbanística e fazer prevalecer o ordenamento do território.
 
17.O particular dispôs de 14 anos para «completar» o empreendimento turístico. Ao pretender hoje reduzi-lo a um parque de campismo, encontra-se a desvirtuar, por completo, os pressupostos sobre os quais fora deliberado aprovar o projeto de arquitetura da moradia unifamiliar e licenciar a sua construção.
 
18.Mas nem sequer este ato chegou a mostrar-se constitutivo de um direito, porquanto o ato de aprovação do projeto de arquitetura caducou e desse facto foi o particular regularmente notificado.
 
19.O ato de licenciamento das obras é nulo, seja por aplicação da lei vigente em 1999 (artigo 52.º, n.º 2, alínea b), do Regime Jurídico do Licenciamento Municipal de Obras Particulares[2]), seja por aplicação da lei hoje em vigor (artigo 68.º, alínea a), do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação[3]).
 
20.E nem se oponha que a nulidade beneficia do disposto no artigo 69.º, n.º 4, do RJUE, privando os órgãos competentes do poder de declarar a nulidade ao cabo de dez anos.
 
21.Esta norma só teria aplicação retroativa, aplicando-se a uma licença nula de 1999, se fosse mais favorável ao arguido. Ora, aqui não há nenhum arguido, pois não há nenhum procedimento sancionatório. Trata-se única e exclusivamente de reintegrar a lei e repor os solos nas condições em que devem encontrar-se, segundo o PDM – afetos ao uso florestal.
 
22.Neste sentido, o prazo de dez anos estipulado no artigo 69.º, n.º 4, só começou a correr com a entrada em vigor do ato que introduziu esta norma no RJUE, ou seja, a Lei n.º 60/2007, de 4 de setembro[4].
 
23.Impõe-se, por conseguinte, declarar a nulidade do ato de licenciamento da construção, e, por maioria de razão extraída do artigo 133.º, n.º2, alínea i), do Código do Procedimento Administrativo, declarar a nulidade da autorização de utilização, enquanto ato consequente de um ato inválido.
 
24.Só assim se reporá a legalidade, faltando porém reintegrar o interesse público.
 
25.Privada a edificação de licença de construção e de autorização de utilização, cumpre a V. Ex.ª retirar desse facto as devidas consequências previstas no artigo 106.º do RJUE: fazer cessar a utilização e ordenar a demolição da moradia unifamiliar, a menos que o infrator satisfaça, dentro de um termo certo e improrrogável, as condições necessárias à legalização da obra.
 
26. Encontra-se reconhecida a insusceptibilidade de a obra vir a cumprir o PDM.
 
27.De resto, as alterações que este instrumento conheceu entretanto[5] não modificaram as restrições à urbanização e edificação no local.
 
28.Por conseguinte, a demolição só pode ser evitada na hipótese de, em cumprimento do prazo que for fixado, o particular obtiver a necessária licença de loteamento e depositar a caução própria para garantir a boa e regular execução das obras de urbanização.
 
29.Devo insistir num ponto, para que fique bem claro: não é apenas a violação do PDM que está em causa, nem a área florestal que se pretendeu salvaguardar.
 
30.Está em causa a igualdade perante a lei (artigo 13.º, n.º 1, da Constituição) que leva a qualificar como intolerável o benefício indevidamente obtido pelo particular, ao longo dos últimos 14 anos, através de um conjunto de terrenos que nem sequer provou serem seus.
 
CONCLUSÃO
            Assim, nos termos do disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, e em face das motivações precedentemente apresentadas, recomendo a V. Ex.ª que declare a nulidade da licença de obras deferida em 13/01/2000 e da autorização de utilização de 25/01/2011 e intime o proprietário da moradia unifamiliar identificada para, dentro de um prazo limitado, obter licença de loteamento e depositar a caução necessária à regular execução das obras de urbanização relativas ao projeto de empreendimento turístico que afirma estar em condições de executar, sem o que a obra deverá ser demolida a expensas dele.
            Dignar-se-á V. Ex.ª comunicar-me, nos próximos 60 dias, para cumprimento do disposto no artigo 38.º, n.º 2, do Estatuto do Provedor de Justiça, a sequência que a presente Recomendação vier a merecer.
 
 
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
 
Alfredo José de Sousa
 
 
 
 
 


[1] Ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 84/95, Diário da República, 1.ª série-B, n.º204, de 4 de setembro de 1995.
[2] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de novembro.
[3] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, nas suas várias redações.
[4] Que apenas entrou em vigor a partir de 3 de março de 2008.
[5] Aviso n.º 8229/2012, de 15 de março, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 116, de 18 de junho de 2012.