Sua Excelência
O Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros
Palácio das Necessidades
Largo do Rilvas
1399-030 LISBOA
 
 
 
 
Vossa Ref.ª
 
Vossa Comunicação
 
Nossa Ref.ª
Proc. R – 5883/10 (A6)
 
Assunto: Funcionários diplomáticos. Passagem à situação de disponibilidade por limite de idade.
 
 
RECOMENDAÇÃO N.º 16/B/2012
(art.º 20.º, n.º 1, b), do Estatuto do Provedor de Justiça)
 
 
 
1. A questão da discriminação em razão da idade no domínio do emprego e da atividade profissional tem integrado as preocupações deste Órgão do Estado, chamado que tem sido a pronunciar-se sobre a conformidade, quer de soluções normativas, quer de práticas no referido domínio, com as normas que norteiam a matéria em apreço.
 
2. A presente iniciativa junto de Vossa Excelência insere-se, por conseguinte, na linha de anteriores tomadas de posição sobre o tema em debate[1], enquadrando-se, em conformidade, na ponderação, por um órgão com as características próprias do Provedor de Justiça, de problemática que assume importância crescente, em face, nomeadamente, não só do envelhecimento da população, mas também da entrada cada vez mais tardia das pessoas no mercado de trabalho, bem como do reconhecimento do valor do trabalho das pessoas mais velhas, em respeito da sua dignidade pessoal e da garantia da possibilidade da sua contínua “autodeterminação”. Efetivamente, como é reconhecido, «a dimensão mais inquietante da discriminação em razão da idade é atualmente a discriminação contra os trabalhadores mais idosos (…)»[2].
 
3. Em termos específicos e em concreto, tem a presente comunicação na sua base o questionamento, feito junto deste Órgão do Estado, da bondade da solução legal que, em sede do estatuto profissional dos funcionários diplomáticos, estabelece a obrigatoriedade da passagem à situação de disponibilidade, em função de determinados limites de idade, atenta a leitura conjugada das normas constantes dos art.os 29.º, n.º 1, alínea a), e 30.º do Decreto-Lei n.º 40-A/98, de 27 de fevereiro[3].
 
4. Como é sabido, a idade constitui hoje um motivo ilegítimo de discriminação, à semelhança de outros fatores de discriminação proibidos, tanto por normas internacionais – tais como as constantes do art.º 26.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e do art.º 14.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem –, como, ao nível do direito constitucional interno, nomeadamente pelos art.os 13.º, n.º 2, e 59.º, n.º 1, da Lei Fundamental portuguesa. Por seu turno, numa sua formulação compendiada, o princípio constitucional da igualdade postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento diferente para as situações de facto desiguais, não proibindo o mesmo princípio, em absoluto, as diferenciações, mas apenas aquelas que se afigurem destituídas de um fundamento razoável (sinonimizando, afinal, a proibição do arbítrio).
 
5. Especificamente na esfera do direito da União Europeia, à luz do disposto no art.º 10.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o combate à discriminação em razão da idade vem expressamente mencionado entre os objetivos da União na definição e execução das respetivas políticas e ações, franqueando o referido Tratado, no seu art.º 19.º (ex-art.º 13.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia) e em conformidade com o procedimento no mesmo preceito consignado, a adoção das medidas necessárias para combater a discriminação em razão da idade, entre outros critérios de discriminação interditos.
 
6. Ainda no plano do direito primário, importa não perder de vista que o art.º 21.º, n.º 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – investida do mesmo valor jurídico dos Tratados, por força do disposto no art.º 6.º, n.º 1, do Tratado da União Europeia –, ao consagrar a proibição da discriminação, inclui igualmente a idade no respetivo elenco exemplificativo de motivos de discriminação ilegítima. A esta luz e conforme se expressou no seu Acórdão Hennigs e Berlin, de 8 de setembro de 2011[4]á que recordar que o Tribunal de Justiça reconheceu a existência do princípio » (n.º 47)., «[h]da não discriminação em razão da idade, que deve ser considerado um princípio geral do direito da União (…)
 
7. Neste enquadramento, tendo por base a norma correspondente ao atual art.º 19.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, acima citado, foi adotada a Diretiva n.º 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional.
 
8. Com efeito, nos termos do enunciado no art.º 1.º desta Diretiva, a mesma «tem por objecto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à actividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados-Membros o princípio da igualdade de tratamento».
 
9. Conforme pode ler-se em publicação da autoria de Colm O’Cinneide (na qualidade de membro da Rede Europeia de Peritos em Matéria de Luta contra a Discriminação), editada pela Comissão Europeia e versando o tema da discriminação baseada na idade, a Diretiva n.º 2000/78/CE
 
representa um reconhecimento da maior importância do problema da discriminação em razão da idade. Ela reconhece que todos os trabalhadores, dos mais jovens aos mais velhos, têm o direito à igualdade de tratamento, qualquer que seja a sua idade. Não se trata apenas de garantir uma igualdade formal, mas também de lutar contra as desvantagens fundadas na idade e de fazer respeitar os direitos fundamentais. Enquadrada nestes parâmetros, a Diretiva aplica à discriminação em razão da idade uma abordagem similar à aplicada às outras formas de discriminação, proibindo a discriminação direta e indireta, o assédio e as injustiças associadas à idade de uma pessoa.[5]
 
10. Numa outra formulação, sintética e expressiva, «a Diretiva 2000/78 pretende precisamente proteger as pessoas d[o]s preconceitos [em relação à idade]» (Comissão Europeia na sua argumentação de parte, tal como exposta pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Comissão Europeia v. Hungria, de 6 de novembro de 2012[6], n.º 30). Com efeito, a questão do preconceito ou estereótipos associados à idade não é de todo despicienda no contexto do presente debate, sendo igualmente elucidativa, a este respeito, a explanação de Teresa Coelho Moreira, ao afirmar que
 
a idade (…) é frequentemente sujeita ao estabelecimento de estereótipos relativos, inter alia, à produtividade, à habilidade e à lealdade. Assim, (…) supõe-se (…) que às pessoas mais idosas falta-lhes muitas vezes a motivação e a capacidade de assimilar novas ideias e são menos flexíveis, menos dinâmicas, sem condições físicas para trabalhar ou que não conseguem produzir novas ideias.
Mas estas suposições estão, muitas vezes, afastadas da verdade, apoiando-se em estereótipos enganadores e injustos que não refletem a verdadeira diversidade das pessoas inseridas em determinados grupos etários.[7]
 
11. Em suma, neste processo de tomada de consciência do problema em questão, a Diretiva n.º 2000/78/CE assume, no respetivo articulado, uma impreterível perspetiva de direitos humanos, ou seja, assenta na consideração basilar de que as diferenças de tratamento entre pessoas ou grupos de pessoas com base na idade violam o princípio da dignidade da pessoa humana, pela agressão que representam aos direitos à igualdade de tratamento, à dignidade e respeito pessoais. Neste sentido, o propósito que lhe é inerente de fazer cessar a discriminação fundada na idade apresenta-se como um valioso meio de reforço dos direitos fundamentais da pessoa.
 
12. Assim, nos termos do 9.º parágrafo preambular da Diretiva a que me reporto,
[o] emprego e a actividade profissional são elementos importantes para garantir a igualdade de oportunidades para todos e muito contribuem para promover a plena participação dos cidadãos na vida económica, cultural e social, bem como o seu desenvolvimento pessoal.
 
13. De igual modo, mais adiante, no 25.º parágrafo preambular da Diretiva, vem afirmado o seguinte:
 
[a] proibição de discriminações relacionadas com a idade constitui um elemento essencial para atingir os objectivos estabelecidos pelas orientações para o emprego e encorajar a diversidade no emprego. Todavia, em determinadas circunstâncias, podem-se justificar diferenças de tratamento com base na idade, que implicam a existência de disposições específicas que podem variar consoante a situação dos Estados-Membros. Urge pois distinguir diferenças de tratamento justificadas, nomeadamente por objectivos legítimos de política de emprego, do mercado de trabalho e da formação profissional, de discriminações que devem ser proibidas.[8]
 
14. Nesta linha, aceita-se, por conseguinte, que nem todas as discriminações assentes na idade serão incompatíveis com a dignidade pessoal e o direito à igualdade de tratamento, tendo na sua base considerações legitimamente fundadas, designadamente de cariz económico ou social. A Diretiva n.º 2000/78/CE não perde de vista essa realidade e traça um quadro no seio do qual é possível distinguir situações em que o recurso ao fator idade é, em circunstâncias limitadas, legítimo, daquelas em que não o é de todo.
 
15. A esta luz importa igualmente deixar claro que, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art.º 3.º da Diretiva em apreço, e para o que ora releva, a mesma «é aplicável a todas as pessoas, tanto no sector público como no privado, incluindo os organismos públicos», nomeadamente no que diz respeito «[à]s condições de acesso ao emprego, ao trabalho independente ou à actividade profissional, incluindo os critérios de selecção e as condições de contratação, seja qual for o ramo de actividade e a todos os níveis da hierarquia profissional, incluindo em matéria de promoção» e «[à]s condições de emprego e de trabalho, incluindo o despedimento e a remuneração» (alíneas a) e c), respetivamente).
 
16. Conforme já referido, a Diretiva autoriza diferenças de tratamento, desde logo baseadas numa característica relacionada com a idade, «sempre que, em virtude da natureza da actividade profissional em causa ou do contexto da sua execução, essa característica constitua um requisito essencial e determinante para o exercício dessa actividade, na condição de o objectivo ser legítimo e o requisito proporcional (art.º 4.º, n.º 1, da Diretiva). Trata-se do chamado requisito profissional essencial.
 
17. Permite, também, diferenças de tratamento com base na idade se as mesmas «forem objectiva e razoavelmente justificadas, no quadro do direito nacional, por um objectivo legítimo, incluindo objectivos legítimos de política de emprego, do mercado de trabalho e de formação profissional, e desde que os meios para realizar esse objectivo sejam apropriados e necessários» (art.º 6.º, n.º 1, da Diretiva n.º 2000/78/CE), mais se acrescentando, no mesmo preceito, o que a seguir se transcreve:
 
Essas diferenças de tratamento podem incluir, designadamente:
a)                      O estabelecimento de condições especiais de acesso ao emprego e à formação profissional, de emprego e de trabalho, nomeadamente condições de despedimento e remuneração, para os jovens, os trabalhadores mais velhos e os que têm pessoas a cargo, a fim de favorecer a sua inserção profissional ou garantir a sua protecção;
b)                      A fixação de condições mínimas de idade, experiência profissional ou antiguidade no emprego para o acesso ao emprego ou a determinadas regalias associadas ao emprego;
c)                      A fixação de uma idade máxima de contratação, com base na formação exigida para o posto de trabalho em questão ou na necessidade de um período razoável de emprego antes da reforma.
 
18. Constituindo a Diretiva n.º 2000/78/CE o quadro normativo de referência na matéria na União Europeia, destaque-se, outrossim, que existe sobre a interpretação das suas disposições, designadamente, no que se refere à desigualdade de tratamento em razão da idade, uma significativa jurisprudência do Tribunal de Justiça, a qual não pode deixar de ser tomada em linha de conta ao aferir-se do alinhamento das legislações nacionais, no presente domínio, com o direito da União Europeia.
 
19. Permita-me, ainda, Senhor Ministro, de antemão realçar que, entre nós, por força do disposto no art.º 8.º da Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro – diploma que aprova o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP) e respetivo Regulamento –, são aplicáveis aos trabalhadores que exercem funções públicas na modalidade de nomeação (entre os quais se incluem os trabalhadores com funções no âmbito da representação externa do Estado[9]) determinadas disposições dos referidos RCTFP e Regulamento sobre igualdade e discriminação, incluindo, com interesse para a questão da discriminação em razão da idade e das diferenças de tratamento autorizadas. (os art.os 13.º e 14.º do RCTFP[10][11], bem como o art.º 7.º do Regulamento)[12].
 
20. Por último, recorde-se igualmente, neste plano, que a Diretiva n.º 2000/78/CE vem expressamente mencionada no elenco das diretivas comunitárias transpostas, total ou parcialmente, pelo Código do Trabalho[13]. Com efeito, no art.º 24.º, n.º 1, do Código do Trabalho vigente, consagra-se o direito à igualdade no acesso a emprego e no trabalho, constando a idade entre os fatores de discriminação englobados na fórmula geral do preceito em questão. Por seu turno, no n.º 2 do art.º 25.º do mesmo Código, determina-se que «[n]ão constitui discriminação o comportamento baseado em factor de discriminação que constitua um requisito justificável e determinante para o exercício da actividade profissional, em virtude da natureza da actividade em causa ou do contexto da sua execução, devendo o objectivo ser legítimo e o requisito proporcional», dispondo, ainda, o n.º 3 do preceito citado no sentido de serem «nomeadamente permitidas diferenças de tratamento baseadas na idade que sejam necessárias e apropriadas à realização de um objectivo legítimo, designadamente de política de emprego, mercado de trabalho ou formação profissional».
 
21. Traçado o quadro normativo que antecede e tendo-o por pressuposto, centrar-me-ei, de seguida, na previsão, no estatuto da carreira diplomática, da figura da passagem à situação de disponibilidade por limite de idade, incluindo a fixação pelo legislador de idades distintas, consoante a categoria da referida carreira, abrangida para o efeito.
 
22. Ora, reportando-me ao conceito de discriminação vertido no art.º 2.º da Diretiva n.º 2000/78/CE, e para o que ora releva, «entende-se por “princípio da igualdade de tratamento” a ausência de qualquer discriminação, directa ou indirecta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.º», sendo certo que «[c]onsidera-se que existe discriminação directa sempre que, por qualquer d[esse]s motivos (…), uma pessoa seja objecto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável» (n.º 1 e alínea a) do n.º 2, respetivamente, do preceito citado).
 
23. A esta luz, não é duvidoso que a solução normativa constante do Decreto-Lei n.º 40-A/98, relativa à obrigatoriedade de passagem à disponibilidade por força da idade, introduz um tratamento menos favorável dos funcionários diplomáticos que, nas pertinentes diferentes categorias, tenham atingido os limites de idade fixados na lei (no n.º 1 do art.º 30.º do referido diploma[14]), em relação àquele que é dado aos funcionários diplomáticos que, nas mesmas categorias e por não terem atingido tal idade, podem continuar as exercer as funções de representação externa do Estado, sem as limitações que decorrem da condição funcional de “situação de disponibilidade” (art.º 31.º do Decreto-Lei em questão).
 
24. De outro modo dito, a previsão da figura em causa consubstancia, inequivocamente, uma diferença de tratamento diretamente baseada na idadei.e. unicamente na dependência da condição de o funcionário diplomático, consoante a respetiva categoria, ter atingido uma determinada idade – entre pessoas no seio do mesmo «corpo único e especial de funcionários do Estado» (art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 40-A/98), com idêntica categoria, estando, por conseguinte, em “situação comparável”.
 
25. Em conformidade, a assinalada diferença de tratamento em razão da idade reside, por conseguinte, na própria previsão legislativa da existência de limites de idade, para além dos quais os funcionários diplomáticos abrangidos transitam, imperativamente, para a situação de disponibilidade.
 
26. Tenho, todavia, presente, conforme resulta já do enquadramento normativo previamente traçado, ser aceite «que uma diferença de tratamento baseada na idade não constitui uma discriminação quando seja objetiva e razoavelmente justificada, no âmbito do direito nacional, por um objetivo legítimo e os meios para realizar esse objetivo sejam apropriados e necessários (…)», para me socorrer de formulação do Tribunal de Justiça, no citado Acórdão Comissão Europeia v. Hungria (n.º 55).
 
27. Foi, justamente, no intuito de apurar quais os objetivos que presidiram à consagração do questionado regime legal, que procurou este Órgão do Estado indagar, junto do Departamento de Assuntos Jurídicos desse Ministério, quais os fundamentos que estão na base das soluções normativas em causa, incluindo a motivação associada à diferenciação de limites de idade em razão das distintas categorias de funcionários diplomáticos, não tendo, porém, logrado obter esclarecimentos relativos aos aspetos em debate.
 
28. Seja como for, esse silêncio acerca dos pressupostos da medida legislativa que contém a diferença de tratamento apontada, não se apresenta, ainda assim, decisivo, já que, conforme tem sido entendimento do Tribunal de Justiça a este respeito, e com as necessárias adaptações,
 
não se pode inferir do artigo 6.°, n.º 1, da Diretiva 2000/78 que uma imprecisão da legislação nacional em causa quanto ao objetivo prosseguido tenha por efeito excluir automaticamente que essa legislação possa ser justificada nos termos desta disposição. Na falta de tal precisão, importa, todavia, que outros elementos do contexto geral da medida em causa permitam a identificação do objetivo que lhe está subjacente, para efeitos do exercício da fiscalização jurisdicional quanto à sua legitimidade e ao caráter apropriado e necessário dos meios utilizados para a concretização desse objetivo (…).[15]
 
29. Em face do exposto, não está vedado ao Provedor de Justiça, no exercício das suas competências, procurar indagar se o regime legal questionado é justificado por um objetivo legítimo e se os meios utilizados para o atingir são adequados e necessários, em observância das exigências postuladas pelo princípio da proporcionalidade.
 
30. Ora, conforme se adianta no Acórdão Comissão Europeia v. Hungria do Tribunal de Justiça, que vimos citando (n.º 60),
 
[q]uanto ao caráter legítimo destes objetivos, há que recordar (…) que o Tribunal de Justiça já declarou que os objetivos que podem ser considerados «legítimos» na aceção do artigo 6.°, n.º 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2000/78 e, consequentemente, suscetíveis de justificar uma exceção ao princípio da proibição da discriminação com base na idade são objetivos de política social, como os relacionados com a política de emprego, do mercado de trabalho ou da formação profissional (…).
 
31. Neste enquadramento, não se afigura complexo, na situação que nos ocupa, colocar em hipótese um conjunto de objetivos que possam potencialmente estar associados ao regime legal da passagem à disponibilidade por motivo de idade.
 
32. Assim, é possível, por exemplo, encontrar expressão das finalidades que presidem ao referido regime em Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 3 de dezembro de 2002 (citado, por seu turno, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 556/2003), no qual, depois de se afirmar que «o quadro específico da situação de ‘disponibilidade’ dos funcionários diplomáticos não constitui uma novidade no regime jurídico a que estão submetidos tais funcionários», bem como que «[n]em a sua modelação jurídica permaneceu inalterada ao longo da sucessão dos diplomas orgânicos do MNE», vem enunciado o seguinte:
 
Tal instituto está preordenado a um certo fim legal, que é o melhor cumprimento das tarefas que incumbem ao serviço diplomático e aos respectivos funcionários, ou seja, a ‘melhor’ representação e interesses do Estado Português no plano externo, e tem sólido assento tradicional. Assim, encontra-se justificado pelo particularismo específico da actividade diplomática e pela especificidade das funções desempenhadas pelos seus funcionários.
 
33. Na linha do que antecede, são realçadas, de igual modo, no mesmo aresto, «exigências da especificidade do serviço público em causa, que implicam uma ‘crescente profissionalização e especialização dos funcionários diplomáticos’ e ‘transparência na gestão dos recursos humanos, de modo a permitir ao Ministério dos Negócios Estrangeiros levar a cabo uma mais eficaz defesa dos interesses do Estado no estrangeiro’», numa evocação das fórmulas genéricas preambulares constantes do Decreto-Lei n.º 79/92, de 6 de maio[16].
 
34. Neste contexto, a justificação para a situação de desvantagem em razão da idade pode, entre outros motivos, resultar de objetivos legítimos de política de emprego, a que a lei, como já acima evidenciado, dá cobertura.
 
35. Assim, por exemplo, a passagem para a situação de disponibilidade, determinando a abertura de vaga (art.º 28.º do Decreto-Lei n.º 40-A/98), permite o recrutamento de um outro ou novo funcionário para a mesma. Ora, respigando, uma vez mais, a jurisprudência comunitária, o Tribunal de Justiça teve já a oportunidade de «considerar que o objetivo de estabelecer uma estrutura de idades equilibrada entre jovens funcionários e funcionários mais velhos a fim de favorecer a contratação e a promoção dos jovens, otimizar a gestão do pessoal e, com isso, prevenir eventuais litígios sobre a aptidão do funcionário para exercer a sua atividade após uma certa idade, tendo em vista ao mesmo tempo oferecer um serviço (…) de qualidade, pode constituir um objetivo legítimo de política de emprego e do mercado de trabalho (…)» (Acórdão Comissão Europeia v. Hungria, cit., n.º 62). Por outro lado, como se afirmou, por seu turno, também no Acórdão Fuchs e Köhler, de 21 de julho de 2011[17], «[o] Tribunal de Justiça (…) tem entendido que a coabitação de diferentes gerações de empregados pode igualmente contribuir para a qualidade das actividades prosseguidas, nomeadamente favorecendo a troca de experiências (…)» (n.º 49).
 
36. Tendo presente o recorte funcional aplicável aos funcionários diplomáticos na situação de disponibilidade, atenta a conjugação do disposto nos n.os 1 e 2 do art.º 31.º do Decreto-Lei n.º 40-A/98, interrogo-me se, na situação vertente, não avultará, outrossim, um objetivo de renovação dos funcionários diplomáticos ao nível dos serviços externos, sendo certo, todavia, que, atentos os limites de idade previstos, para o efeito, para as diferentes categorias de funcionários diplomáticos – uma vez que, quer o embaixador, quer o ministro plenipotenciário, passam à disponibilidade aos 65 anos, o conselheiro aos 60 e o secretário aos 58 anos –, as categorias mais baixas abrem mais facilmente as possibilidades de renovação dos quadros e que, em relação às categorias de topo, é mais difícil a sua substituição em função das preocupações legais de adequação específica dos diferentes diplomatas aos vários postos.
 
37. Nesta linha, ainda que se admita, por princípio, que o(s) objetivo(s) a prosseguir pelas normas questionadas seja(m) legítimo(s) e o regime jurídico nas mesmas vertido seja apropriado para atingir tal(ais) objetivo(s), fica, em todo o caso, por demonstrar a razão de ser dos concretos limites de idade fixados pelo legislador, distintos consoante as relevantes categorias da carreira diplomática.
 
38. Faço igualmente notar, no que à legitimidade do objetivo concerne e segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, «que o artigo 6.°, n.º 1, da Directiva 2000/78 impõe aos Estados-Membros o ónus de demonstrar o carácter legítimo do objectivo invocado como justificação em função de um elevado limiar probatório» (Acórdão Fuchs e Köhler, cit., n.º 78), sendo certo que, em caso de eventual litígio, caberá, em última instância, aos tribunais nacionais apreciar o valor probatório dos elementos apresentados com o fim de justificar a medida legislativa contendo a diferença de tratamento sub judice (ibid., n.º 83).
 
39. Sem embargo do que antecede, importa ponderar, num último plano de análise, o regime da passagem dos funcionários diplomáticos à situação de disponibilidade por limite de idade, à luz das exigências de proporcionalidade e questionar se o mesmo não será excessivamente oneroso para os funcionários diplomáticos afetados, pesando o prejuízo que é suscetível de lhes causar.
 
40. Neste sentido – e sem prejuízo do recorte geral da situação funcional em causa –, poder-se-á afirmar que a medida de afetação das posições jurídicas dos funcionários visados redunda, máxime, na impossibilidade de promoção, bem como no afastamento do exercício contínuo, no curso da carreira, das funções de representação externa do Estado, configurando-se como uma eventualidade o desempenho de funções nos serviços internos e colocando-se na dependência de despacho ministerial o exercício de funções no quadro do pessoal especializado, no serviço externo, bem como a participação em missões extraordinárias e temporárias em Portugal e no estrangeiro (art.os 4.º, n.º 2, e 31.º do Decreto-Lei n.º 40-A/98)[18].
 
41. A solução legislativa em causa, recorrendo à idade do funcionário como único critério para determinar a passagem automática à situação de disponibilidade, coloca, por conseguinte, o funcionário visado numa situação funcional sem alternativa e que implica, objetivamente, uma redução de direitos. Não consubstanciando, em rigor, uma medida sancionatória, poder-se-á afirmar que acarreta, em certa medida, um efeito negativo substancialmente equiparável, sentido em maior grau nas primeiras categorias da carreira afetadas. Nos casos de entrada tardia na carreira diplomática, prefigura-se, inclusive, um tratamento duplamente adverso, que não potencia, ao invés preclude, uma lógica de avaliação das capacidades individuais dos diplomatas, capaz de repelir os indesejados estereótipos associados à idade.
 
42. Importa, por conseguinte, não perder de vista o que o Tribunal de Justiça expressou, no Acórdão Fuchs e Köhler, nos seguintes termos (n.os 62 e 63, realce meu):
 
os Estados-Membros não podem esvaziar de conteúdo a proibição de discriminações com base na idade, estabelecida na Directiva 2000/78. Essa proibição deve ser lida à luz do direito de trabalhar reconhecido no artigo 15.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Resulta daí que deve ser concedida particular atenção à participação dos trabalhadores idosos na vida profissional e, por isso mesmo, na vida económica, cultural e social. A manutenção destas pessoas na vida activa favorece a diversidade no emprego, sendo esta última um objectivo reconhecido no vigésimo quinto considerando da Directiva 2000/78. Esta manutenção contribui, por outro lado, para o desenvolvimento pessoal e para a qualidade de vida dos trabalhadores em causa, em conformidade com as preocupações do legislador da União enunciadas no oitavo, nono e décimo primeiro considerandos desta directiva.
 
43. Efetivamente, perscrutando, numa perspetiva de direito comparado, os estatutos da carreira diplomática, quer em Espanha, quer em França, verifico, segundo me foi dado perceber, que é desconhecido ali um regime imperativo de passagem dos diplomatas à disponibilidade, por motivo de idade:
 
i)                        Em Espanha, o pessoal diplomático rege-se pelas normas estatutárias do trabalhador público, em matéria de jubilación, significando que permanece no ativo até aos 65 ou 70 anos de idade, conforme decida o diplomata e sendo irrelevante a categoria que detenha; no que se refere a sair para o exterior, inexiste limitação de idade, exceto se tem entre 65 e 70 anos e se solicita um destino cuja duração mínima possa ultrapassar os anos que faltem ao diplomata para a sua jubilación obrigatória;
ii)                      Em França, os diplomatas estão sujeitos, para efeitos de aposentação, aos mesmos limites de idade aplicáveis aos demais funcionários (65 anos e, uma vez vigente a reforma legislativa de novembro de 2010, 67 anos); enquanto o limite de idade para a aposentação não seja atingido, os diplomatas conservam o seu direito à promoção e podem ser afetos aos serviços externos; sob certas condições e unicamente a requerimento do interessado, os diplomatas das categorias mais elevadas (embaixador ou equivalente), entre 58 e 62 anos, podem beneficiar de um “dispositif de fin d’activité, ou seja, em troca de uma aposentação antecipada (antes dos 65 anos), beneficiam de um subsídio excecional, sendo certo, porém, que esta medida está limitada no tempo e reservada a um número limitado de funcionários.
 
44. Em face de todo o exposto, impõe-se ter em consideração, nomeadamente:
 
i)                        A abertura dada pela Diretiva n.º 2000/78/CE, no sentido de os Estados-Membros poderem introduzir disposições mais favoráveis em matéria de proteção do princípio da igualdade de tratamento,
ii)                       A margem de apreciação de que dispõe o legislador na definição das políticas de emprego e das medidas adequadas a prosseguir as finalidades apostas a essas mesmas políticas, em geral, e no quadro da gestão do pessoal diplomático, em particular,
iii)                    A determinação constante do art.º 7.º do Regulamento do RCTFP, no sentido de as disposições legais, que justifiquem diferenças de tratamento baseadas na idade que sejam necessárias e apropriadas à realização de um objectivo legítimo (designadamente de política de emprego, mercado de trabalho ou formação profissional), deverem ser avaliadas periodicamente e revistas se deixarem de se justificar,
 
 
45. Num contexto de garantia do exercício, pelos funcionários visados, da sua atividade profissional e da «necessidade de prestar especial atenção ao apoio aos trabalhadores mais velhos, para aumentar a sua participação na vida ativa»[19]art.os 29.º, n.º 1, alínea a), e 30.º do Decreto-Lei n.º 40-A/98, de 27 de fevereiro, na sua redação atual), originando, diretamente, uma diferença de tratamento em razão da idade, seja alterado, por forma a: , dirijo-me a Vossa Excelência, com base no art.º 20.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto do Provedor de Justiça, recomendando que o regime legal vigente, que impõe a passagem à disponibilidade dos funcionários diplomáticos por força de limite de idade (
 
a)      adotar solução próxima daquela que vigora em Espanha, cujos contornos acima se gizaram, pelo menos não prescindindo de alguma relevância da vontade do próprio interessado para a passagem à situação de disponibilidade;
b)      estabelecer cláusula de salvaguarda quando o interesse público imponha solução distinta da que resultaria do regime enunciado, designadamente permitindo desconsiderar-se a vontade do interessado quando seja relevante a continuação do seu estatuto anterior.
 
Certo de que o tratamento deste assunto merecerá o melhor acolhimento da parte de Vossa Excelência, muito agradeço a comunicação do entendimento assumido a este propósito, nos termos do art.º 38.º, n.º 2, do Estatuto do Provedor de Justiça.
 
Apresento a Vossa Excelência os meus melhores cumprimentos,
 
O Provedor de Justiça,
 
 
Alfredo José de Sousa


[1] V. Provedor de Justiça, Relatório à Assembleia da República – 2011, Lisboa, 2012, p. 86.
[2] Assim se expressa Teresa Coelho Moreira, invocando, por seu turno, o pensamento de Júlio Gomes, in «A discriminação em razão da idade no contexto de uma população envelhecida na UE», Minerva: Revista de Estudos Laborais, Ano VIII, I da 3.ª série, N.os 1 e 2 (Abril 2012), p. 74.
[3] Diploma alterado, por último, pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro.
[4] Proc. C-297/10 e C-298/10.
[5] Commission Européenne, La discrimination fondée sur l’âge et le droit européen, Luxembourg: Office des publications officielles des Communautés européennes, 2005, p. 5 [tradução livre a partir do original; realce meu].
[6] Proc. C-286/12.
[7] In op. cit., p. 72 [notas de rodapé omitidas; realce meu].
[8] Realce meu.
[9] V. art.º 10.º, alínea b), da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro.
[10] Art.º 13.º (Direito à igualdade no acesso ao emprego e no trabalho):
«1 – Todos os trabalhadores têm direito à igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho.
2 – Nenhum trabalhador ou candidato a emprego pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical.»
[11] Art.º 14.º (Proibição de discriminação):
«1 – A entidade empregadora pública não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta, baseada, nomeadamente, na ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical.
2 – Não constitui discriminação o comportamento baseado num dos factores indicados no número anterior sempre que, em virtude da natureza das actividades profissionais em causa ou do contexto da sua execução, esse factor constitua um requisito justificável e determinante para o exercício da actividade profissional, devendo o objectivo ser legítimo e o requisito proporcional.
3 – Cabe a quem alegar a discriminação fundamentá-la, indicando o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se considera discriminado, incumbindo à entidade empregadora pública provar que as diferenças de condições de trabalho não assentam em nenhum dos factores indicados no n.º 1.»
[12] Art.º 7.º (Direito à igualdade nas condições de acesso e no trabalho):
«1 – O direito à igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho respeita:
a) Aos critérios de selecção e às condições de contratação, em qualquer sector de actividade e a todos os níveis hierárquicos;
b) Ao acesso a todos os tipos de orientação e formação profissional de qualquer nível, incluindo a aquisição de experiência prática;
c) À remuneração, promoções a todos os níveis hierárquicos e aos critérios que servem de base para a selecção dos trabalhadores a despedir;
d) À filiação ou participação em organizações de trabalhadores ou em qualquer outra organização cujos membros exercem uma determinada profissão, incluindo os benefícios por elas atribuídos.
2 – (…)
3 – Nos aspectos referidos no n.º 1, são permitidas diferenças de tratamento baseadas na idade que sejam necessárias e apropriadas à realização de um objectivo legítimo, designadamente de política de emprego, mercado de trabalho ou formação profissional.
4 – As disposições legais ou de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho que justifiquem os comportamentos referidos no n.º 3 devem ser avaliadas periodicamente e revistas se deixarem de se justificar.»
[13] V. art.º 2.º, alínea j), da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro.
[14] A única exceção prevista respeita «ao embaixador nomeado para as funções de secretário-geral» (n.º 2 do preceito mencionado).
[15] Acórdão Comissão Europeia v. Hungria, cit., n.º 58.
[16] Pode ainda ver-se o debate em torno do enquadramento histórico do instituto da colocação na disponibilidade dos funcionários do serviço diplomático, em distintas das suas compleições, designadamente no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 142/85 (incluindo a declaração de voto do Conselheiro Nunes de Almeida), processualmente impulsionado, de resto, pelo então Provedor de Justiça, Conselheiro Pamplona Corte-Real (v. 8.º Relatório do Provedor de Justiça à Assembleia da República – 1983, Lisboa: Serviço do Provedor de Justiça, 1985, pp. 46-48).
[17] Proc. C-159/10 e C-160/10.
[18] Vale aqui a descrição da “situação de desfavor”, tal como caracterizada no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 142/85:«uma situação de desfavor porque, deixando o funcionário de estar afecto a um posto determinado, com um conteúdo funcional específico, e ficando, em vez disso, «disponível» para a execução das tarefas que avulsamente lhe forem determinadas (ou não), o mesmo funcionário vê assim a sua carreira profissional desviada do figurino mais desejável e previsível (…)».
 
[19] V. 8.º parágrafo preambular, in fine, da Diretiva n.º 2000/78/CE.