Ex.mo Senhor
Presidente da Câmara Municipal Lagos
Praça do Município
8600-293 LAGOS
 
 
 
 
Vª Ref.ª
DULF-4.1.2.-1F.2
Of.º 14440
Vª Comunicação
09.Maio.2012
Nossa Ref.ª
Proc. R-6374/10 (A1)
  
Assunto: operação urbanística de loteamento – ordenamento e planeamento territorial – impedimento à edificação
 
 
 
RECOMENDAÇÃO N.º 12/A/2012
 
(artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de abril)
 
 
I
 
Do contraditório proporcionado pela instrução
 
 
1.    Por via do ofício nº 809, de 20.01.2012, foi suscitada a pronúncia de V. Exa., sobre as conclusões preliminares expostas no Parecer nº 16/IC/2011, de 15.12.2011, que mereceram aprovação superior, no qual foram recenseados os elementos até então carreados para o processo.
 
2.    Viria o Coordenador da Unidade Técnica de Planeamento e Desenvolvimento, por meio do ofício com as referências acima assinaladas, dar-me conta do despacho de concordância exarado por V. Exa., em 03.05.2012, sobre informação da mesma Unidade Técnica de Planeamento e Desenvolvimento, de 24.04.2012, que sucedeu a informação da Unidade Técnica de Obras Particulares, de 19.04.2012.
 
3.    Renovam-se os argumentos anteriores que haviam merecido a nossa oposição: proibição absoluta do licenciamento de operações urbanísticas de loteamento, verificado que a área em questão não se encontra sujeita a plano municipal de ordenamento do território, que a classifique como solo urbano ou urbanizável.
 
  1. Já anteriormente foi explanado o nosso entendimento quanto à interpretação da norma do art. 41º, do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de dezembro – RJUE[1]: a de impedir a execução de operações urbanísticas de loteamento, ainda que situadas em perímetro urbano pré-existente, se plano municipal de ordenamento do território as não destinar à edificação (efetiva ou programaticamente: áreas urbanas ou urbanizáveis).
 
  1. E então concluíramos, que a falta de plano municipal de ordenamento do território, não constitui, por si só, impedimento a operação urbanística de loteamento. Antes, obriga à obtenção de pronúncia favorável parte da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional territorialmente competente (no caso, do Algarve – CCDR-Algarve), ponderada a valia para o ordenamento do território e assegurado o respeito por instrumentos de desenvolvimento territorial – art. 42º do RJUE.
 
  1. É este o primeiro sentido útil que me parece resultar das disposições conjugadas dos art. 41º e art. 42º, do RJUE.
 
  1. Aliás, se fosse de outro modo, não se vislumbra qual o âmbito de aplicação que seria de conceder à norma do art. 42º, do RJUE, considerando que ela expressamente prevê o licenciamento de operação de loteamento em área não abrangida por qualquer plano municipal de ordenamento do território, verificada que esteja a condição que institui.
 
  1. A vocação urbana daquele terreno parece prevista na Proposta de Plano do Plano Diretor Municipal, ao admitir a sua inclusão em Espaço de Ocupação Turística.
 
  1. Admito que seja por essa ordem de razões, que na resposta que me foi transmitida nada se argumente em abono de pretéritos motivos invocados para o indeferimento, os quais também mereceram contraditório da nossa parte por nos pareceram carentes de melhor fundamentação: que a operação urbanística pretendida contenderia com as infraestruturas gerais existentes e constituiria elemento dissonante da envolvente[2].
 
  1. Todavia, e como bem é ressalvado na informação da Unidade Técnica de Planeamento e Desenvolvimento, de 24.04.2012, tal classificação não é definitiva, porquanto o processo de elaboração ainda não chegou ao seu termo, encontrando-se, aliás, ainda em “fase final de análise” (cit.), que importa sujeitar a parecer da Comissão de Acompanhamento.
 
  1. Suscitada, da nossa parte, também a pronúncia da CCDR-Algarve sobre as conclusões extraídas no Parecer nº 16/IC/2011, de 15 de dezembro, viria este órgão tomar posição conforme consta da informação técnica que se anexa, e que mereceu concordância superior, nos termos do despacho do Vice-Presidente de 03.05.2012, com alcance de “orientação (nova) para os serviços” (cit.).
 
  1.  Parece, assim, que a posição sufragada pelos serviços dirigidos por V. Exa., também não merece acolhimento por parte da CCDR-Algarve.
 
  1. Persistindo V. Exa. no entendimento que merece a minha oposição, mantém-se a queixosa absolutamente impedida de promover operação urbanística que lhe permita o aproveitamento económico daquele terreno, por tempo incerto e que considero por demais prolongado.
 
  1. Lembro que o Acórdão do Tribunal Constitucional que decidiu não conhecer do objeto do recurso da decisão proferida por Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.02.1999[3], remonta a 31.01.2002. Volvidos, assim, mais de 10 anos, a situação de indefinição da aptidão daqueles solos mantém-se inalterada.
 
  1. Note V. Exa., que o dever de elaboração de plano diretor municipal impende, exclusivamente, sobre o município, sem que ao particular seja exigida ou sequer permitida, qualquer ação, neste domínio – art. 74º, do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, aprovado pelo Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de setembro – RJIGT[4]. Ele fica na total dependência da atuação da Administração Pública[5].
 
  1. Releva, a meu ver, o dano da confiança que emerge, para os particulares, da aparente indiferença da administração autárquica face ao prolongar da ausência de disciplina urbanística do território sob sua gestão.
 
  1. Isto, porquanto, a segurança e a certeza jurídica que se pretendem acautelar por via do ordenamento constante de planos municipais, mantém-se comprometida.
 
  1. Embora se reconheça à administração autárquica alguma margem de discricionariedade quanto ao momento e à oportunidade para elaborar instrumentos de gestão territorial, não vejo como possa deixar de se lhe imputar um verdadeiro dever de planificação.
 
  1. Aliás, o dever de planear, sempre defendido pela doutrina, e por alguns considerado, até, como reflexo do direito ao urbanismo consagrado no art. 65º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, no âmbito dos direitos e deveres sociais, viria a ficar legalmente concretizado, no que diz respeito ao plano diretor municipal, no art. 84º nº 4, do RJIGT: “o plano diretor municipal é de elaboração obrigatória [6].
 
  1. Não descortino como possa aderir-se ao entendimento sufragado pelos serviços municipais de Lagos, sem que se atenda aos prejuízos, que certamente não deixará de reconhecer como manifestamente injustos, que a proprietária (e outros possivelmente) sofrem com o arrastamento desta situação.
 
  1. Temo que não possa o município de Lagos exonerar-se da responsabilidade civil pelo ressarcimento de quem vê o direito à fruição plena da propriedade postergado, indefinidamente, em nome da proteção de um interesse público não materializado: nada podem os promotores privados fazer até que lhes seja permitido pelo plano municipal, nada mais lhes resta do que aguardar.
 
  1. Admito, pois, que possa o município de Lagos vir a incorrer em responsabilidade civil extracontratual, por omissão do dever legal de regulamentar, em desrespeito do estatuído na norma do art. 84º, nº 4, do RJIGT – cfr. art. 1º, nº 2, da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro[7].
 
  1. Não posso deixar de assinalar, que não fora a atuação ilegal que justificou a decisão judicial de anulação da deliberação da Assembleia Municipal que aprovou o Plano Diretor Municipal de Lagos, seria reconhecida àquela parcela determinada capacidade edificatória, a coberto desse mesmo plano.
 
  1. A proibição absoluta do direito à construção naquele terreno, justificada exclusivamente pela falta de plano diretor municipal – entendimento que não acompanho – não pode, então, deixar de ser imputada a conduta ilegal do órgão autárquico.
 
  1. Verifico que, para além de um prazo mais do que razoável, mantém-se o proprietário do terreno impedido de dele fruir segundo a sua aptidão, e este mantém-se muito diminuído de valor económico para efeitos de alienação a terceiros, o que não poderá deixar de considerar-se um prejuízo especialmente gravoso.
 
  1. E isto sem que se reconheça qual a utilidade pública de tal restrição: nada indicia tratar-se de terreno com valor natural, arquitetónico, arqueológico ou outro, que reclame especial defesa.
 
  1. Será para obviar a estas situações – que me parecem dificilmente compagináveis com o princípio da proporcionalidade, e com os imperativos éticos da boa administração – que o legislador consagrou a norma inscrita no citado art. 42º do RJUE, prevenindo os prejuízos que poderiam advir de uma persistente inércia da administração autárquica, em definir a situação jurídica do imóvel por meio da elaboração de um plano municipal.
 
  1. Pretendeu compaginar interesses públicos e privados: nas áreas sem planos municipais, não estão absolutamente inviabilizadas as operações de loteamento. É que a operação de loteamento possui um alcance semelhante a um plano de pormenor. Permite, pois, recuperar alguma racionalidade na gestão urbanística. Todavia, neste caso, importará submeter a pretensão também ao controlo da administração central – a CCDR, no caso, a do Algarve – cujo parecer favorável é condição que precede a apreciação municipal, não determinando, todavia, o sentido desta, porquanto irão ater-se a aspetos de natureza distinta[8].
 
 
II
 
Conclusão
 
 
  1. Considera a Câmara Municipal, à qual V. Exa. dignamente preside, que se verificam dois pressupostos que justificariam o indeferimento de pedido para a execução de operação urbanística de loteamento do prédio em causa:
a.    Um de direito – não poderem ser aprovadas operações de loteamento por falta de plano municipal, pelo que a consulta à CCDR-Algarve, e eventual parecer favorável por esta proferido, se revelariam absolutamente irrelevantes e inúteis;
b.    Um de facto – o imóvel localizar-se fora do perímetro urbano.
 
  1. Pelas razões que expus, julgo ter ficado suficientemente demonstrada a improcedência de tais argumentos, pelo que, nos termos do disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, entendo por bem Recomendar à Câmara Municipal superiormente representada por V. Exa., que em face de novo pedido de execução de operação urbanística de loteamento a levar a efeito no prédio em causa, que lhe venha a ser apresentado, se abstenha de renovar os fundamentos anteriores, os quais, entendo, inquinaram, ilegalmente, a decisão de indeferimento proferida sobre o pretérito pedido de informação prévia.
 
 
Dignar-se-á V. Ex.a. comunicar-me, nos próximos 60 dias, para cumprimento do disposto no artigo 38.º, n.º 2, do Estatuto do Provedor de Justiça, a sequência que a presente Recomendação vier a merecer.
 
Queira aceitar, Senhor Presidente, os meus melhores cumprimentos,
 
 
O PROVEDOR DE JUSTIÇA,
 
 
(Alfredo José de Sousa)
 
 
 
Junto: Ofício da CCDR-Algarve, de 07.05.2012 e anexos (2)


[1]Alterado pelo Decreto-Lei nº 177/2001, de 4 de junho, Lei nº 15/2002, de 22 de fevereiro, Decreto-Lei nº 157/2006, de 8 de agosto, Lei nº 60/2007, de 4 de setembro, Decreto-Lei nº 18/2008, de 29 de janeiro, Decreto-Lei nº 116/2008, de 4 de julho, Decreto-Lei nº 26/2010, de 30 de março e Lei nº 28/2010, de 2 de setembro.
[2]Registos fotográficos do local inculcavam a ideia de que se trataria de espaço integrado em aglomerado urbano existente – cfr. art. 62º, nº 1, do Decreto-Lei nº 794/76, de 5 de Novembro (Lei dos Solos) : “(…) entende-se por aglomerado urbano o núcleo de edificações autorizadas e respectiva área envolvente, possuindo vias públicas pavimentadas e que seja servido por rede de abastecimento domiciliário de água e de drenagem de esgoto, sendo o seu perímetro definido pelos pontos distanciados 50 m das vias públicas onde terminam aquelas infra-estruturas urbanísticas”.
[3]Publicado no Apêndice ao Diário da República, Volume II, Fevereiro, 12 de julho de 2002, pags. 1243 a 1250.
[4] Alterado pelo Decreto-Lei n.º 53/2000, de 4 de julho; pelo Decreto-Lei n.º 310/2003, de 10 de dezembro; pela Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro; pela Lei n.º 56/2007, de 31 de agosto; pelo Decreto-Lei n.º 316/2007, de 19 de setembro; pelo Decreto-Lei n.º 46/2009, de 20 de fevereiro; pelo Decreto-Lei n.º 181/2009, de 7 de agosto; pelo Decreto-Lei nº 2/2011, de 6 de janeiro.
[5] Note-se, que a possibilidade de contratualização na elaboração de plano municipal, está legalmente confinada ao plano de urbanização e ao plano de pormenor – art. 6-A, do RJIGT.
[6]Fernando Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Livraria Almedina, Coimbra, 1989, pp. 288 e ss.; Maria da Glória Garcia, Direito do Urbanismo – relatório, LEX, Lisboa, 1999, pp. 76; João Miranda, A Dinâmica jurídica do Planeamento Territorial (A Alteração, a Revisão e a Suspensão dos Planos), Coimbra Editora, pp. 67
[7]Aprovou o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas.
[8]Com interesse, a apreciação doutrinária que mereceu a anterior formulação que constava dos art.s 40º e ss. do Regime Jurídico dos Loteamento Urbanos, aprovado pelo Decreto-Lei nº 448/91, de 29 de Novembro, (com a última redação que, à data, lhe foi conferida pela Lei nº 25/92, de 31 de agosto) – António Cordeiro, A Protecção de Terceiros em Face de Decisões Urbanísticas, Almedina, Coimbra, 1995, em especial pp. 56 e ss.