Exmo. Senhor
Presidente da Câmara Municipal de Lisboa
Paços do Concelho
1100-365 LISBOA
 
 
 
V.ª Ref.ª :
 
V.ª Comunicação:
 
Nossa Ref.ª
Proc. R- 934/11 (A1)
 
Assunto: Área Crítica de Recuperação e Reconversão Urbanística Casal Ventoso – aquisição de imóvel – atraso
 
 
 
 
 
RECOMENDAÇÃO N.º 13/A/2012
(artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de abril)
 
 
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I
Exposição de motivos
 
 
1. Em fevereiro de 2011, foi solicitada a minha intervenção, por motivo de atraso na conclusão pela Câmara Municipal de Lisboa do procedimento relativo à aquisição de um imóvel sito no denominado Casal Ventoso, abrangido por anterior declaração de área crítica de recuperação e reconversão urbanística (Decreto Regulamentar n.º 21/95, de 25 de julho).
 
 
 
 
 
 
 
2. O imóvel em questão localiza-se na Rua do Casal Ventoso de Baixo, n.º 145, freguesia de Santo Condestável[1] e nele estava implantado um edifício, com doze frações, de tipologia variável, que se encontravam arrendadas (vd. autos de vistoria “ad perpetuam rei memoriam” de 11.07.1998).
 
3. O extinto Gabinete de Reconversão do Casal Ventoso tomou posse administrativa das parcelas de terreno em causa em 15.07.1998, vindo a demolir o edifico que ali existia.
 
4. Em 22.10.1999, foi apresentada a primeira proposta de indemnização aos expropriados, herdeiros de Manuel da Cunha Júnior, pelo referido Gabinete, no valor de Esc. 10.258.000$00 (cerca de € 51.166,00), a qual foi recusada, à semelhança do que viria a suceder com outras propostas posteriores.
 
5. Já em 2010, ao cabo de dez anos, a Câmara Municipal de Lisboa veio a apresentar nova proposta de indemnização, depois de reconhecer que eram infundadas as suspeitas levantadas sobre a legalidade da construção demolida, a qual se confirmou ter sido licenciada ao abrigo das normas urbanísticas em vigor ao tempo da sua execução.
 
6. No termo de aturadas negociações, vieram os proprietários a ser notificados, em 22.10.2010, de ter sido fixada uma proposta de indemnização no valor de € 121.160,00, por despacho da Senhora Vereadora com o Pelouro das Finanças, Património e Recursos Humanos.
 
 
 
7. Ainda que se tratasse de montante consideravelmente inferior ao valor patrimonial tributário então atribuído (€ 205.268,70) ao mesmo imóvel, os interessados, sob expropriação, manifestaram a sua concordância com a referida proposta, expressa em carta registada com aviso de receção, recebida no município em 14.12.2010. Receavam que o procedimento se protelasse. Mas impuseram como condição que a venda se formalizasse em janeiro de 2011.
 
8. Contudo, desde que foi fixado o valor da indemnização, o processo conducente à liquidação do pagamento não sofreu qualquer evolução relevante, motivo pelo qual foi apresentada queixa ao Provedor de Justiça, em 2011.
 
9. No início de 2012, foi transmitido à Provedoria de Justiça pela Câmara Municipal que, para os casos em que exista acordo quanto às indemnizações devidas, os pagamentos seriam efetuados ao longo do ano de 2012, “em razão das disponibilidades”, supõe-se que financeiras (ofício de 13.02.12, do Departamento de Política de Solos e Valorização Patrimonial).
 
 
10.Todavia, já em 2011, haviam sido prestadas informações à Provedoria no sentido de estar previsto que o pagamento da indemnização acordada viesse a ocorrer até ao final do mesmo ano (ofício de 5.08.11, do mesmo Departamento), o que me levou a recear que a conclusão deste procedimento se protelasse.
 
11.Através de contactos informais, os meus colaboradores obtiveram informações, em abril de 2012, no sentido de um dos herdeiros ser fiduciário em virtude de uma disposição testamentária de fideicomisso, o que constituiria obstáculo à celebração da escritura pública.
 
 
 
 
12.No limite, os fideicomissários seriam notificados para outorgarem com o fiduciário.
 
 
13.Em todo o caso, o impedimento levantado encontra-se hoje ultrapassado, porquanto o fiduciário renunciou à herança em causa, dando-se a devolução da herança a favor dos herdeiros fideicomissários, com efeito desde o óbito do testador (artigo 2293.º, n.º 3, do Código Civil)[2].
 
 
II.
Análise
 
 
1. A expropriação em causa assume a particularidade de o imóvel do queixoso estar integrado em zona do Casal Ventoso que fora declarada área crítica de recuperação e reconversão urbanística (através do Decreto-Regulamentar n.º 21/95, de 25 de julho), de modo a permitir uma intervenção expedita no local.
 
2. A delimitação de uma área naqueles termos implica, como efeito direto e imediato, a declaração de utilidade pública da expropriação urgente, com autorização de investidura na posse administrativa dos imóveis necessários para a execução de trabalhos a realizar para a recuperação ou reconversão da área (artigo 42.º, alínea a), do Decreto-lei n.º 794/76, de 5 de novembro – Lei dos Solos).
 
3. Ainda que a declaração de utilidade pública não tenha transferido, desde logo, o direito de propriedade para a expropriante, os bens ficaram, a partir daquele momento, vinculados à prossecução do interesse público
 
 
 
invocado no ato declarativo, pelo que os direitos dos seus titulares ficaram gravemente limitados ou onerados[3].
 
4. Além disso, no procedimento em causa, de caráter urgente, foi conferida a posse administrativa imediata do bem, o qual foi demolido. Consequentemente, os proprietários deixaram de perceber as rendas dos doze inquilinos que habitavam no local, não obstante, continuarem a ser notificados para liquidar o imposto municipal sobre imóveis, até 2009.
 
5. As negociações quanto ao valor da indemnização vieram a concluir-se, 12 anos depois de tomada a posse administrativa do bem, em 1998.
 
6. Os expropriados aceitaram a última proposta da Câmara Municipal de Lisboa, em dezembro de 2010, na expetativa, até à data frustrada, de que estivesse para breve o pagamento da indemnização que lhes é devida pelo desvalor sofrido.
 
7. Do direito de propriedade privada, consagrado há muito na Constituição, decorre que a expropriação por utilidade pública só pode ser efetuada com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização (artigo 62.º, n.º 2).
 
8. A justa indemnização comporta uma ideia tendencial de contemporaneidade, pois embora não seja exigível o pagamento prévio, também não existe discricionariedade quanto ao adiamento do pagamento da indemnização[4].
 
 
 
 
9. Nos termos da alínea a), do n.º 1, do artigo 42.º da Lei dos Solos, a expropriação determinada por razões de reconversão urbanística segue o disposto no Código das Expropriações. À data da prolação da declaração de utilidade pública era vigente o Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-lei n.º 438/91, de 9 de novembro, o qual é aplicável aos aspetos materiais da relação jurídico-expropriativa em causa[5].
 
10.À semelhança do que sucede no Código das Expropriações em vigor, aprovado pelo Decreto-lei n.º 168/99 de 18 de setembro, a expropriação por utilidade pública de quaisquer bens ou direitos conferia ao expropriado o direito a receber o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização (artigos 1.º e 22.º, n.º 1 do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-lei n.º 438/91, de 9 de novembro).
 
11.Afigura-se intolerável que, decorridos 14 anos desde que o município tomou a posse administrativa do imóvel, ainda não tenham sido indemnizados os proprietários nem, em alternativa, promovida a arbitragem. A situação é particularmente penosa para dois dos proprietários que, tudo indica, se encontram em situação de insuficiência económica e com problemas de saúde.
 
12.Atualmente, o ónus da regularização da situação cabe à Câmara Municipal de Lisboa para a qual foram transferidas as obrigações do extinto Gabinete de Reconversão do Casal Ventoso[6].
 
 
 
 
 
13.A satisfação das necessidades coletivas não pode postergar as regras mais elementares da boa-fé e do cumprimento pontual das obrigações. Assim, não posso deixar de reprovar que se procedam a outros investimentos quanto ainda não estão honrados os compromissos anteriores.
 
 
III
Conclusões
 
Decorridos mais de 14 anos desde que foi tomada posse administrativa do prédio em questão, sem que os proprietários tenham recebido a indemnização a que têm direito, entendo, nos termos do disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, e em face das motivações precedentemente expostas, recomendar a V. Exa. que providencie pela adoção das medidas necessárias para formalizar a transmissão da propriedade do imóvel e o pagamento da indemnização acordada com os expropriados.
 
Dignar-se-á V. Exa. comunicar-me, para efeitos do disposto no artigo 38.º, n.º 2, do Estatuto do Provedor de Justiça, a sequência que a presente Recomendação vier a merecer.
 
Com os melhores cumprimentos,
 
 
O PROVEDOR DE JUSTIÇA,
 
 
(Alfredo José de Sousa)


[1] Atualmente descrito na matriz predial urbana sob o n.º 2399 da Freguesia de Santo Condestável (antigo artigo n.º 922) e na 7.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º 1141, da freguesia de Santa Isabel.
[2] Vd. Apresentação n.º 2534, de 21.09.2012, da Conservatória do Registo Predial de Trancoso.
[3]Neste sentido, vd. Osvaldo Gomes, Expropriações por Utilidade Pública, Lisboa, 1997, p. 329 e ss.
[4] Vd. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª Ed. Revista, Coimbra, 2007, pg. 809.
[5]Neste sentido já se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, entre outros, no acórdão de 8.02.2011, proferido no processo n.º 153/04.9 TBTMC.P1.S1. No mesmo sentido, pronunciou-se o Tribunal da Relação de Lisboa, em processo relativo a procedimento de expropriação de imóvel situado na área crítica de recuperação e reconversão urbanística em causa (acórdão de 19.10.2006, proferido no processo n.º 6569/2006-2).
[6] Extinto o Gabinete, todos os seus direitos, obrigações e património transferiram-se para o município de Lisboa (artigo 10.º, n.º 3, do Decreto-lei n.º 262/95, de 4 de outubro).