S. Ex.ª
O Secretário de Estado das Obras Públicas,
dos Transportes e das Comunuicações
Rua da Horta Seca
1200-221 Lisboa
Vossa Ref.ª Vossa Comunicação Nossa Ref.ª
Proc. R-3478/10 (A5)
ASSUNTO: Transmissão de propriedade de veículos não registada;
Destruição de veículos por operador não autorizado;
Cancelamento de matrículas.
RECOMENDAÇÃO n.º 6-B/2012
[artigo 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de abril]
I.
1. Tenho recebido um elevado número de queixas sobre as dificuldades verificadas no cancelamento de matrículas e na regularização da propriedade de veículos automóveis.
2. O problema surgiu com a aprovação da Lei n.º 22-A/2007, de 29 de julho, diploma que aprovou o Código do Imposto Único de Circulação e que veio alterar de forma substancial o regime de tributação automóvel. Com a entrada em vigor deste regime, os sujeitos passivos do imposto passaram a ser os proprietários constantes do registo de propriedade, independentemente da circulação dos veículos na via pública. Esta alteração do facto gerador de imposto levou a que milhares de cidadãos que ainda tinham viaturas registadas em seu nome se vissem confrontados com a obrigação de pagar o imposto, apesar dos veículos terem já desaparecido ou sido vendidos.
II
3. A instituição deste novo regime de tributação automóvel tornou necessário que as bases de dados de veículos e da propriedade automóvel constituíssem fonte segura para o lançamento, liquidação e cobrança do imposto. Assim, para efeitos de atualização da base de dados de veículos ( ) do Instituto da Mobilidade e Transportes Terrestres, I. P. (IMTT) ( ), foi considerado conveniente o estabelecimento de um período transitório para o cancelamento da matrícula de veículos já destruídos ou desmantelados, mas cujos proprietários não possuíssem o certificado de destruição ( ).
4. Assim, foi aprovado o Decreto-Lei n.º 78/2008, de 6 de maio, visando estabelecer um regime excecional de regularização da base de dados de veículos do IMTT, possibilitando o cancelamento de matrículas de veículos que tivessem sido destruídos ou desmantelados entre 1 de dezembro de 2000 e 6 de maio de 2008, mas, tratando-se de um regime transitório e excecional, este diploma vigorou somente até 31 de dezembro de 2008. No período em apreço, foram canceladas 945.331 matrículas.
5. Os cidadãos que agora se me dirigem não foram abrangidos pelo regime transitório e não dispõem de nenhum meio para regularizar o registo de propriedade ou para fazer prova da destruição dos veículos que foi feita sem recurso a um operador autorizado.
III
6. Por outro lado, nos casos em que a transmissão de propriedade não foi devida e oportunamente registada, os vendedores não podem agora regularizar o registo sem intervenção do comprador do veículo.
7. As mais das vezes, apenas lhes resta solicitar a apreensão dos veículos para regularização de propriedade, mas estes pedidos são em regra inconsequentes ( ).
IV
8. A ineficácia dos pedidos de apreensão de veículos para regularização de propriedade, e a ausência de outros meios efetivos a que os interessados possam recorrer, são circunstâncias confirmadas pelo IMT na sequência da auscultação assegurada em cumprimento do dever de audição prévia, consignada no artigo 34.º do Estatuto do Provedor de Justiça.
9. Perante a ausência de mecanismos que permitam soluciar o problema, a resposta aos (milhares de) pedidos de cancelamento de matrículas e de apreensão de veículos para regularização de propriedade foi vertida pelo então IMTT num projeto de decreto-lei, oportunamente apresentado ao antigo Governo, que visava estabelecer, num só diploma, o regime de atribuição, cancelamento e reposição da matrícula de veículos e respetivos procedimentos ( ). Contudo, tal projeto de diploma não teve sequência.
10. A não atualização do registo automóvel tem importantes implicações ao nível das contraordenações rodoviárias, na medida em que, para notificar os infratores por via postal, as autoridades recorrem à consulta da base de dados do IRN ( ), levando a que a responsabilidade por infrações ao Código da Estrada possa ser imputada a quem não as tenha praticado, na decorrência do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 135.º do Código da Estrada, que a seguir parcialmente transcrevo (sublinhado meu).
Artigo 135.º
Responsabilidade pelas infracções
(…)
2. A responsabilidade pelas infracções previstas no Código da Estrada e legislação complementar recai no:
a) Condutor do veículo, relativamente às infracções que respeitem ao exercício da condução;
b) Titular do documento de identificação do veículo relativamente às infracções que respeitem às condições de admissão do veículo ao trânsito nas vias públicas, bem como pelas infracções referidas na alínea anterior quando não for possível identificar o condutor;
(…)
11. Mas — como já referi — tem igualmente implicações a nível fiscal, uma vez que o Imposto Único de Circulação é devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietárias dos veículos.
V
12. Assim sendo, e no exercício dos poderes que me são conferidos pelo disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto do Provedor de Justiça, RECOMENDO a Vossa Excelência que se digne considerar o exposto e, em consequência,
A. Promover alteração legislativa no sentido de adequar o regime de cancelamento de matrículas ao atual regime de tributação automóvel;
B. Ponderar alteração legislativa no sentido de agilizar o processo de registo de transmissão de propriedade, por forma a permitir ao vendedor particular o registo da transmissão de propriedade do veículo, em condições a definir;
C. Não obstante, aprovar regime transitório que salvaguarde os interesses dos largos milhares de proprietários de veículos já destruídos sem recurso a um operador autorizado ou cuja propriedade já tenha sido transmitida sem que o adquirente tenha procedido ao consequente registo, à semelhança do que foi feito mediante a aprovação do Decreto-Lei n.º 78/2008, de 6 de maio, que possibilitou o cancelamento das matrículas dos veículos destruídos ou desmantelados entre os dias 1 de dezembro de 2000 e 6 de maio de 2008.
13. Permito-me lembrar a Vossa Excelência, por um lado, a circunstância de a formulação da presente Recomendação não dispensar, nos termos do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 38.º do Estatuto, a comunicação a este órgão do Estado, no prazo de 60 dias, da posição que vier a ser assumida em face das respectivas conclusões.
Com os melhores cumprimentos,
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
(Alfredo José de Sousa)
ANEXO: Projeto de diploma apresentado pelo IMTT.