Exmo. Senhor
Presidente da
EP- Estradas de Portugal, SA
Praça da Portagem
2809-013 ALMADA

 

V.ª Ref.ª
 V.ª Comunicação:
  Nossa Ref.ª
Proc. R-5571/10 (A1)

Assunto: Expropriação por utilidade pública – EN 222 – Beneficiação entre São João da Pesqueira e Senhora da Estrada – Parcela n.º T3 /12 A – Sociedade Agrícola Vinhos Toscano, Lda.

 

 
RECOMENDAÇÃO N.º 3/A/2012
(artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril)

 

I
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

 

1. A Sociedade Agrícola Vinhos Toscano, Lda., queixara se da concessionária superiormente representada por V. Exa, por motivo de atraso na conclusão do procedimento de aquisição de parcela de terreno de que é proprietária a mesma sociedade, sita na freguesia de Vilarouco, concelho de S. João da Pesqueira.

2. A detenção do terreno, para efeitos de execução da obra de beneficiação da EN 222 – São João da Pesqueira e Senhora da Estrada, teve início entre 2002/2003, em data que o queixoso não sabe precisar.

3. A utilidade pública das parcelas necessárias à execução da mesma obra foi declarada em 19.09.2001 (Despacho n.º 22.984-A/2001, publicado na 2.ª série do Diário da República, de 12.11.2001).

4. Todavia, a parcela de terreno de que é proprietária a Sociedade Agrícola Vinhos Toscano, Lda. não consta do mapa de expropriações anexo à referida declaração de utilidade pública.

5. Em 03.05.2002, a proprietária foi notificada pela então Direção de Estradas de Viseu do Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária  (atual Delegação Regional de Viseu da EP-Estradas de Portugal, SA) de que iria ser requerida a declaração de utilidade pública, com carácter de urgência, das parcelas necessárias à mesma obra (em cumprimento do disposto no artigo 10.º, n.º 5 do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro).

6. Na mesma comunicação, incluía-se uma proposta de aquisição do terreno (identificado como “parcela T3/12”, com a área total de 1424,5 m2 ), por via do direito privado, no valor de €1421,00, “considerando a área e as benfeitorias identificadas no projeto de expropriações” . Tal proposta veio a ser recusada pela proprietária em 24.06.2002.

7. Por não ter sido informada da evolução posterior do procedimento, em 06.01.2004, solicitou a queixosa à Direção de Estradas de Viseu que a inteirasse do estado do processo, nomeadamente se já havia sido iniciada a fase judicial. Tal pedido foi reiterado em 14.06.2004.

8. A resposta àquelas comunicações foi dada pela Direção de Estradas de Viseu, em 13.07.2004, com informação de que, para atender ao peticionado, se aguardava esclarecimento da “prestadora de serviço externa”, contratada para promover as expropriações do troço em causa.

9. Veio a ser apresentada contraproposta pela proprietária do terreno, no valor de €12.500,00, alegando que a utilização (indevida) de terrenos com a estrada perturbara a instalação de culturas agrícolas, implicando a realização de despesas, conforme se explica em comunicação enviada à Direção de Estradas de Viseu, em 30.07.2004.

10. Foram enviadas insistências por uma tomada de posição à Direção de Estradas de Viseu, pela proprietária do terreno, em 26.04.2005 e 05.01.2010.

11.  No âmbito da instrução do processo organizado na Provedoria de Justiça, em 07.09.2010, foi transmitido aos meus colaboradores que o Gabinete de Expropriações, em colaboração com a Delegação Regional de Viseu, iria, nos dias subsequentes, dar resposta à proprietária, na tentativa de justificar todo o atraso no processo e, em simultâneo, informar que iria ser reanalisada a contraproposta apresentada, “eventualmente à luz dos montantes indemnizatórios atualmente pagos em projetos próximos e de características semelhantes”.

12. No entanto, segundo o queixoso, os contactos da EP-Estradas de Portugal, SA terão sido retomados apenas, em finais de Dezembro de 2011, para efeitos de deslocação de técnicos da EP-Estradas de Portugal, SA ao terreno. No seguimento da deslocação havida, os representantes dessa empresa ter-se-ão pronunciado pela necessidade de delimitação do terreno que efetivamente fora ocupado para execução da obra de beneficiação da estrada.

 

II
ANÁLISE

1. O direito de propriedade privada consagrado no artigo 62.º da Constituição compreende, como uma das suas componentes, o direito de não ser privado dos bens que tem por objeto, ou pelo menos, o direito de não ser arbitrariamente privado da propriedade e de ser indemnizado em caso de desapropriação .

2. Assim, para a investidura na posse da parcela em causa deveria a essa empresa estar habilitada por título adquirido por via do direito privado ou estar em curso procedimento tendente à expropriação por utilidade pública do mesmo prédio, conforme impõe o artigo 1.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro.

3. Mas, da instrução do processo resulta não ter sido formalizado qualquer negócio jurídico de direito privado, nem ter sido concluído qualquer processo de expropriação do bem por utilidade pública, nos termos previstos no Código das Expropriações, aplicável aos processos em causa (atualmente por força do artigo 10.º, n.º 2, alínea a), do Decreto-lei n.º 374/2007 de 7 de Novembro).

4. É certo que fora tentada a aquisição negocial pela então Direção de Estradas de Viseu, em 2002 (nos termos do disposto no artigo 11.º do Código das Expropriações , aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro), mas goraram-se os contactos iniciados com vista à aquisição contratada do terreno em questão.

5. A recusa ou falta de resposta do expropriado nos prazos previstos no Código de Expropriações ou de interesse na contraproposta confere, de imediato, à entidade interessada na expropriação a faculdade de apresentar o requerimento para a declaração de utilidade pública (artigo 11.º, n.º 6 do Código das Expropriações).

6. Todavia, tal requerimento não veio a ser apresentado. Ainda que se admita que o prédio em questão possa ser adjacente e materialmente conexo com os prédios contemplados na declaração de utilidade pública, a verdade é que a parcela em questão não está compreendida no “mapa de expropriações” anexo ao Despacho n.º 22984-A/2001. Não houve, pois, procedimento de expropriação por utilidade pública.

7. Além do mais, durante anos não foram promovidas as diligências necessárias para regularizar a aquisição da parcela, o que é reprovável, considerando que essa empresa não ignorava que lesava o direito de outrem, já que, de fato, passou a detê-la.

8. Inverificados os pressupostos da transferência do direito de propriedade sobre a parcela, a situação descrita aproximar-se-á do que vem sendo designado pela doutrina e jurisprudência  de “via de facto”.

9. A doutrina inclui na “via de facto” os casos em que, mesmo existindo o ato de declaração de utilidade pública, a atividade material de execução excede qualitativa ou quantitativamente o âmbito coberto pelo referido ato. Serve de exemplo o caso em que exista apoderação de um terreno distinto daquele que foi objeto da declaração de utilidade pública ou aquele em que se ocupa uma extensão de terreno superior à expropriada .

10. Urge, pois, concluir o procedimento de aquisição do terreno iniciado, de forma a indemnizar a proprietária, pela privação do seu bem e eventuais prejuízos que tenha sofrido, em resultado da ocupação com a obra pública realizada.

 

III
CONCLUSÕES

1. A EP-Estradas de Portugal, SA abriu um concurso público para beneficiação de um troço da EN 222. Precisando para esse efeito do terreno da Sociedade Agrícola Vinhos Toscano, Lda., tomou conta da propriedade e utilizou-a, sem para tal estar munida de um título legitimador, fosse ele de direito público ou de direito privado.

2. Antes agiu na satisfação do objetivo que se propôs, tomando posse da parcela do prédio em causa, para execução de uma obra pública, sem estar habilitada por título aquisitivo bastante, descurando os interesses e direitos da proprietária.

3. Iniciada a tramitação prevista no Código das Expropriações, veio a ser abandonada, por força de uma inércia que mal se compreende.

4. Decorrida quase uma década desde que a proprietária foi arbitrariamente privada da tomada posse do seu prédio, sem receber a indemnização a que tem direito, entendo, nos termos do disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, e em face das motivações precedentemente expostas, RECOMENDAR a V. Exa. as medidas necessárias para que a legalidade seja reposta, destinadas a:

a) Pagar à proprietária Sociedade Agrícola Vinhos Toscano, Lda. o preço que vier a ser acordado amigavelmente por conta da aquisição do prédio ocupado e prejuízos sofridos ou, em alternativa,
b)  Promover o uso de meio expropriatório adequado (arbitragem), como última via, devendo, em tal caso, ser a proprietária justamente indemnizada, no termos previstos no Código das Expropriações.

Dignar-se-á V. Exa. comunicar-me, para efeitos do disposto no artigo 38.º, n.º 2, do Estatuto do Provedor de Justiça, a sequência que a presente Recomendação vier a merecer.
 
Com os melhores cumprimentos,

 
O PROVEDOR DE JUSTIÇA,
 

(Alfredo José de Sousa)