RECOMENDAÇÃO Nº 12/A/2007
[artigo 20º, nº1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril (1)]
Entidade visada: Governador do Banco de Portugal
Proc.º: P-7/06
Data: 14/11/2007
Área: A2
Assunto: Inspecções aos Serviços de Finanças. Execuções fiscais. Penhoras de saldos de contas bancárias.
I
– ENUNCIADO –
1. Na sequência da análise de diversas queixas dirigidas ao Provedor de Justiça acerca da execução das penhoras de saldos de contas bancárias e de valores mobiliários, promovidas pela Direcção-Geral dos Impostos (DGCI), em processos de execução fiscal, foi oportunamente solicitada a colaboração do Banco de Portugal, através do ofício n.º 18842 da Provedoria de Justiça, de 31 de Outubro de 2005.
2. As questões ali colocadas, vieram a ser objecto da análise contida na Nota do Banco de Portugal, transmitida à Provedoria de Justiça através do ofício n.º 0338/GOV/2005, de 12 de Dezembro.
3. Contudo, as queixas recebidas sobre a matéria em apreço têm vindo a registar um aumento significativo e sempre crescente, havendo que averiguar se a responsabilidade pela deficiente execução das penhoras dos saldos de contas bancárias e de valores mobiliários é das Instituições Bancárias que para o efeito são notificadas pela DGCI, ou se da própria entidade que determina a penhora.
4. A fim de averiguar a regularidade das penhoras e de outros actos praticados pelos Serviços de Finanças nos processos de execução fiscal, determinei a realização de uma inspecção a diversos daqueles serviços da DGCI, ao abrigo da atribuição que me é conferida pelo artigo 21.º, n.º 1, alínea a) do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril e alterações subsequentes.
5. Concluído o Relatório, (2) que já foi remetido ao Senhor Director-Geral dos Impostos, em que se contêm as recomendações que entendi formular, tendo como objectivo a melhoria dos serviços que dirige e a melhor tutela dos direitos dos executados e, afigurando-se praticamente irrepreensível o teor da notificação de penhora dos saldos das contas bancárias (3), volto agora, com o último dos objectivos enunciados, a solicitar a colaboração de Vossa Excelência.
II
– APRECIAÇÃO –
6. Não obstante a correcção da notificação de penhora emitida pela DGCI às Instituições Bancárias, através do SIPA (Sistema Informático de Penhoras Automáticas), onde são mencionadas as principais normas do Código de Processo Civil referentes à matéria, verifica-se que:
a) A DGCI não dispõe da identificação da(s) conta(s) da titularidade dos executados, nem dos respectivos saldos à data daquela comunicação;
b) A DGCI não dispõe de informação sobre a proveniência do saldo a penhorar, nomeadamente se se trata do depósito de rendimentos de pensões ou de trabalho por conta de outrem, de que depende a subsistência do titular da conta;
c) A notificação determina o congelamento da movimentação dos saldos e valores mobiliários penhorados, cuja soma perfaça o montante objecto de penhora;
d) A mesma injunção se encontra contida no n.º 3 do artigo 821.º, do Código de Processo Civil, aplicável à penhora dos saldos das contas bancárias ex vi do disposto no artigo 861.º-A, do mesmo Código, onde se determina que o saldo existente só é movimentável pelo agente da execução, até ao limite ali estabelecido;
e) A notificação de penhora alerta para os limites da penhorabilidade a que se refere o artigo 824.ºdo Código de Processo Civil (embora o não faça relativamente ao que dispõe o seu artigo 824.º-A, omissão que nesta data tive oportunidade de sugerir ao Senhor Director-Geral dos Impostos seja suprida).
7. Ao invés, a prática das Instituições Bancárias, tantas vezes confirmada pela instrução das queixas recebidas na Provedoria de Justiça, traduz-se em proceder ao congelamento da totalidade do saldo da conta penhorada, independentemente do seu valor, sem curar de saber se aquele congelamento viola os limites impostos pelos artigos 821.º, n.º 3, 824.º, 824.º- A e 861.º-A, n.º 5, do Código de Processo Civil.
8. Efectivamente, sendo as penhoras notificadas às Instituições Bancárias por via electrónica, como é determinado pelo artigo 861.º – A do Código de Processo Civil e em face do teor da notificação emitida pela DCGI para o efeito, mal se compreende o congelamento integral dos saldos das contas bancárias de valor superior ao da dívida a satisfazer, como tem sido verificado em algumas das queixas dirigidas ao Provedor de Justiça (4), quando o n.º 5 do artigo mencionado refere textualmente que o saldo ou a quota-parte do executado nesse saldo : “fica cativo desde a data da notificação e, sem prejuízo do disposto no nº 8, só é movimentável pelo agente de execução, até ao limite estabelecido no nº 3 do artigo 821.º”, sendo que, por sua vez, esta última norma determina que a penhora se deverá limitar aos bens (ou valores) necessários ao pagamento da dívida, cujo valor integral, no caso das dívidas em execução fiscal, já consta da notificação da penhora.
9. Porém, não é apenas o valor da dívida notificada para efeitos de penhora que deverá nortear a conduta das Instituições de Crédito, sabendo-se que existem outros limites à impenhorabilidade dos saldos das contas bancárias.
10. De entre os referidos limites, poderão enumerar-se os que constam dos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 824.º, do Código de Processo Civil e, destas injunções, conjugadamente com a do artigo 824.º – A, do mesmo Código.
11. O actual estádio de desenvolvimento da vida económica e financeira não prescinde da interacção entre os agentes económicos – Famílias, Empresas e Estado, sendo que os Bancos desempenham o papel de intermediários nos fluxos financeiros recíprocos entre aqueles agentes. A própria segurança na movimentação dos fluxos financeiros determina que a maior parte dos pagamentos de salários, vencimentos e prestações sociais seja feita por transferência bancária, sendo os rendimentos de tais proveniências depositados nas contas bancárias para o efeito constituídas pelos seus titulares.
12. Destarte, nem todos os saldos de contas bancárias constituem riqueza, isto é, rendimento disponível acumulado; muitos deles representam fluxos financeiros actuais, provenientes de rendimentos que ali são periodicamente depositados, com a natureza de salários, vencimentos, pensões e outras regalias sociais, de que muitas vezes depende, em exclusivo, a subsistência do titular da conta penhorada.
13. Os rendimentos com proveniência em vencimentos, salários, pensões e outras regalias sociais gozam de protecção jurídica, encontrando-se os limites da sua impenhorabilidade consagrados nos n.ºs 1 e 2 do artigo 824.º, do Código de Processo Civil – são impenhoráveis 2/3 daqueles rendimentos, com o duplo limite do valor equivalente a um salário mínimo nacional, quando o executado não tenha outro rendimento e o crédito exequendo não seja de alimentos.
14. Não se afigura razoável que os rendimentos de vencimentos, salários, pensões e outras regalias sociais percam a garantia da sua impenhorabilidade, até aos limites referidos pela norma, pelo simples facto de, em vez de serem pagos em numerário, por cheque bancário ou equivalente, sejam objecto de depósito bancário.
15. Tanto assim que foi vontade do legislador que tal garantia se mantivesse, ao estatuir, no artigo 824.º – A, do Código de Processo Civil, que é impenhorável a quantia em dinheiro ou o depósito bancário resultantes da satisfação de crédito impenhorável, nos mesmos termos em que o era o crédito originariamente existente. Afigura-se que tal norma remeta para a impenhorabilidade dos rendimentos com origem em vencimentos, salários pensões e outras regalias sociais, a que se referem os n.ºs 1 e 2, do artigo 824.º do Código citado.
16. Porém, não é esse o entendimento das Instituições Bancárias que, em regra, apenas dão aplicação ao disposto no n.º 3 do artigo 824.º, do Código de Processo Civil, onde se estabelece que “Na penhora de dinheiro ou de saldo bancário de conta à ordem, é impenhorável o valor global correspondente a um salário mínimo nacional”, como se todo e qualquer saldo de conta bancária constituísse riqueza acumulada, quando, na verdade, muitos deles são constituídos por rendimentos actuais com a proveniência acima mencionada.
17. Em muitas das queixas dirigidas ao Provedor de Justiça (5), foi possível reconstituir a prática habitual das Instituições de crédito, em diversas circunstâncias – tanto naquelas em que o saldo da conta à data da penhora é superior ao valor da dívida notificada (aspecto já identificado em 8), como nas situações em que o saldo provém do depósito de rendimentos parcialmente impenhoráveis, por determinação legal, e à data da penhora se revela insuficiente para a satisfação integral do valor penhorado – neste último caso, porventura o mais grave, os Bancos congelam a totalidade do saldo da conta e comunicam a sua impenhorabilidade à entidade exequente. Posteriormente, quando as novas entradas perfaçam o valor da penhora, acrescido do valor do salário mínimo nacional, aguardam que a DGCI solicite a transferência do valor penhorado, permitindo então, a livre movimentação do saldo da conta, pelo seu titular, até ao limite do salário mínimo nacional.
18. Ora, as questões que se põem perante tal actuação, são as de saber-se (1) qual o destino do valor do saldo cativo e (2) como irá o executado sobreviver, se a conta penhorada for aquela onde é depositado o seu salário ou a sua pensão, em especial quando o valor da penhora é elevado e deva prolongar-se por vários tractos sucessivos, equivalentes aos depósitos periódicos dos referidos rendimentos.
19. Crê-se que as Instituições de Crédito possam estar em condições de identificar a proveniência dos créditos depositados nas contas penhoradas. No caso de vencimentos pagos aos funcionários públicos e de pensões pagas pelos regimes de Segurança Social (Centro Nacional de Pensões, Caixa Geral de Aposentações e outros), a entidade depositária poderá identificar a origem do depósito. Tratando-se de entidades privadas, muitas vezes o pagamento de salários é feito por transferência conta-a-conta, dentro do mesmo Banco, julgando-se não haver dificuldades de maior na identificação da sua natureza.
20. Determina o artigo 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, e alterações subsequentes, que, nas suas relações com os clientes, devem os administradores e empregados das instituições de crédito proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.
21. Tanto o artigo 17.º da Lei Orgânica do Banco de Portugal (Lei n.º 5/98, de 31/01 e alterações subsequentes), como o artigo 116.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, antes citado, consagram o poder de supervisão do Banco de Portugal sobre as instituições de crédito, em cujo cumprimento podem ser emitidas recomendações para que sejam sanadas as irregularidades detectadas no âmbito da actividade que prosseguem.
22. Ademais, não se afigura adequado que, em cada caso concreto que chega ao conhecimento do Provedor de Justiça, seja este a alertar os Conselhos de Administração das instituições visadas para as graves irregularidades comprovadamente cometidas na execução de cada penhora, não só porque a actuação deste órgão do Estado não passa por se substituir às entidades públicas no exercício dos seus poderes de supervisão, como ainda porque, sendo privadas aquelas instituições, elas estão, em regra, fora do campo de intervenção do Provedor de Justiça.
Pelo exposto, entendi dever exercer o poder que me é conferido pela disposição compreendida no artigo 20º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril (Estatuto do Provedor de Justiça) e RECOMENDAR a Vossa Excelência:
Que, ao abrigo dos poderes de supervisão que lhe são conferidos pelos artigos 17.º, da Lei n.º 5/98, de 31 de Janeiro e 116.º, do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, se digne mandar emitir as recomendações necessárias à cessação das práticas acima descritas, traduzidas na deficiente execução de ordens de penhora emitidas pelos serviços da DGCI, a enviar a todas as Instituições Bancárias, com a cominação das sanções aplicáveis ao seu incumprimento. |
Queira Vossa Excelência, em cumprimento do dever consagrado no artigo 38.º, n.º 2 do Estatuto aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, dignar-se informar sobre a sequência que o assunto venha a merecer.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA,
H. Nascimento Rodrigues
Notas de rodapé:
(1) Com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 30/96, de 14 de Agosto e, ainda, pela Lei n.º 52-A/2005, de 10 de Outubro.
voltar atrás
(2) Texto integral disponível em www.provedor-jus.pt
voltar atrás
(3) – O teor da notificação emitida pela DGCI é o que se transcreve:
“OBJECTO E FUNÇÃO DA NOTIFICAÇÃO
Fica por este meio notificada essa instituição, nos termos do artigo 861.º-A do Código de Processo Civil (CPC) e do n.º 3 do artigo 223.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), de que, por meu despacho de hoje são penhorados:
– Os saldos dos depósitos bancários existentes nessa instituição, em nome do titular abaixo identificado;
– Os valores mobiliários registados ou depositados nessa instituição, em nome do mesmo titular.
A penhora destina-se a garantir o pagamento da dívida exequenda e acrescido, cuja cobrança em execução fiscal corre termos neste Serviço de Finanças, com o número acima referido, no montante de € , limitando-se a penhora a este valor. (sublinhado nosso).
Em face da penhora, fica congelada desde esta data a movimentação dos saldos e valores penhorados, cuja soma de valor perfaça o montante acima referido, (sublinhado nosso) sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 861.º – A e dos n.ºs 3 e 5 do artigo 824.º do CPC.
No prazo de 15 dias a contar da presente notificação, deverá essa instituição comunicar a este Serviço de Finanças o montante dos saldos bancários e dos valores mobiliários à cotação do dia da penhora, registados ou depositados, agora penhorados ou a sua inexistência.
Após essa comunicação deverá essa instituição comunicar a penhora ao titular.
Na penhora deverão ser observados por essa entidade os seguintes procedimentos constantes dos n.º(s) 2 e 4 do artigo 861.º-A do CPC:
– Sendo o executado titular de várias contas bancárias são penhoradas prioritariamente aquelas em que é o único titular;
– No caso de contas em que seja contitular, preferem as que tiverem menos titulares, incidindo a penhora sobre a quota parte do executado nos saldos (sublinhado nosso), presumindo-se que as quotas são iguais;
– As contas de depósito a prazo preferem às contas de depósito à ordem.”
(4) – Alguns dos exemplos do que acaba de dizer-se foi as queixas que deram origem aos seguintes processos:
– R- 546/07 (A2), em que o Serviço de Finanças de Lisboa 2 terá emitido uma ordem de penhora no valor de € 2.418,39 e as contas penhoradas junto do Montepio Geral, SA, com o saldo global de € 18.258,69, foram integralmente congeladas, deixando o seu titular na impossibilidade de proceder a levantamentos sobre as mesmas;
– R- 6078/06 – ordem de penhora emitida pelo serviço de Finanças de Lisboa 1, pelo valor de € 3.791,41. O saldo da conta penhorada junto do Banco Santander Totta, SA apresentava um saldo de € 99.705,84 à data da penhora, tendo ficado integralmente imobilizado.
voltar atrás
(5) – A título exemplificativo, mencionam-se as situações objecto de queixa nos seguintes processos:
– Proc. R- 364/07 (A2) – O Serviço de Finanças promoveu a penhora do saldo de uma conta bancária junto da Caixa Geral de Depósitos, SA, para pagamento de uma dívida no valor de € 20.005,12. à data da penhora a conta penhorada, onde é depositada a pensão paga ao executado pela Caixa Geral de Aposentações, apresentava saldo negativo. As novas entradas, provenientes do depósito da pensão ficaram imobilizadas até ao montante de € 12.653,65. Na sequência da intervenção do Provedor de Justiça, a CGD viria a permitir a movimentação da conta pelo seu titular, pelo valor equivalente a 2/3 da pensão do executado, por cada um dos meses em que o saldo se manteve imobilizado, transferindo o valor penhorável para a entidade exequente;
– Proc. R- 416/07 (A2) – Penhora promovida pelo Serviço de Finanças de Lisboa 2, de valor não identificado. A conta do executado, na Caixa Geral de Depósitos recebia exclusivamente o depósito do seu vencimento como funcionário público, tendo sido integralmente congelado. Na sequência da intervenção do Provedor de Justiça, a CGD viria a permitir a movimentação da conta pelo seu titular, pelo valor equivalente ao salário mínimo nacional;
– Proc. R- 2408/06 (A2) – Penhora promovida pelo Serviço de Finanças de Loures 1, junto da Caixa Geral de Depósitos, SA. A conta penhorada, onde é depositado o vencimento da executada, foi integralmente congelada. A intervenção do Provedor de Justiça junto do Senhor Chefe do Serviço de Finanças permitiu que este substituísse a penhora da conta pela penhora do vencimento da executada, comunicando o cancelamento da penhora anterior à Instituição Bancária;
– Proc. R- 2450/06 (A2) – Penhora promovida pelo Serviço de Finanças de Almada 2 junto da Caixa Geral de Depósitos, SA e que viria a incidir sobre uma conta conjunta da executada com a sua mãe (não executada), cujos únicos depósitos provinham da pensão paga a esta última, pelo Centro Nacional de Pensões. A penhora viria a ser cancelada pela entidade exequente, a solicitação do Provedor de Justiça;
– Proc. R- 4039/06 (A2) – Penhora promovida pelo Serviço de Finanças de Gondomar 2 sobre uma conta domiciliada no Banco Bilbao Viscaya Argentaria (Portugal), onde é depositada a pensão da executada. Sendo o saldo insuficiente para a satisfação integral da dívida, ficou congelado na sua totalidade, sendo a executada informada pelo Banco de que os créditos futuros (pensão) ficariam integralmente cativos à ordem da execução. A penhora viria a ser cancelada pela entidade exequente, a solicitação do Provedor de Justiça.
voltar atrás