RECOMENDAÇÃO N.º 4/B/2007
[art. 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril]
Entidade visada: Ministro de Estado e das Finanças
Proc.º: R-4111/06
Área: A3
Data: 27-07-2007
Assunto: | 1. Regime jurídico que prevê a atribuição do subsídio vitalício (Decreto-Lei n.º 134/79, de 18/05); |
2. Relevância do tempo de serviço prestado na ex-Administração Pública Ultramarina no âmbito da pensão unificada (alteração do Decreto-Lei n.º 361/98, de 18/09). |
– Enunciado –
1. Nos últimos meses têm-me sido apresentadas várias reclamações que se prendem com o facto de a Caixa Geral de Aposentações estar a recusar a atribuição do subsídio vitalício, previsto no Decreto-Lei n.º 134/79, de 18 de Maio, alegando a impossibilidade legal de inscrição de novos subscritores.
Como se sabe, este benefício foi criado inicialmente pelo Decreto-Lei n.º 45/76, de 20 de Janeiro, com o intuito de acautelar o problema “da desprotecção dos trabalhadores mais idosos ao serviço do Estado e demais entidades públicas, aos quais, devido aos condicionalismos da legislação em vigor, não foi garantido o direito de se inscreverem em qualquer instituição de previdência ou, por qualquer outro motivo, não foi concedida qualquer pensão de reforma ou aposentação” (1).
Mais tarde, este diploma veio a ser revogado e reformulado pelo Decreto-Lei n.º 134/79, de 18 de Maio, em termos mais adequados às situações que se pretendiam tutelar, tendo o legislador clarificado a sua intenção de proteger as pessoas por ele abrangidas, não em termos transitórios e de dar resposta a eventuais carências económicas, mas sim em termos de reconhecimento efectivo dos períodos de tempo em que as mesmas prestaram serviço ao Estado.
Trata-se, assim, de uma prestação atribuível a todos aqueles que, tendo atingido 70 anos de idade, tenham prestado pelo menos cinco anos de serviço seguidos ou interpolados para a Administração Central, Local e Regional ou para outras pessoas colectivas de direito público, independentemente de terem sido ou não subscritores da Caixa Geral de Aposentações, desde que não tenham contribuído, naquela qualidade, para outra instituição de previdência.
Sucede que a atribuição daquele subsídio pressupõe, como não pode deixar de ser, a inscrição prévia dos respectivos beneficiários na Caixa Geral de Aposentações como subscritores da mesma.
Verificou-se, porém, que, na sequência da entrada em vigor da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, a Caixa Geral de Aposentações tem comunicado a todos os requerentes deste subsídio que foram canceladas todas as novas inscrições, uma vez que foi revogado “o artigo 1º do Estatuto da Aposentação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, e todas as normas especiais que confiram direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações” e, nessa medida, tem estado a recusar a concessão do subsídio vitalício, dada a impossibilidade legal de admissão de novos subscritores.
– Apreciação –
2. Analisadas as reclamações que me foram dirigidas, os serviços que dirijo solicitaram à Caixa Geral de Aposentações (doravante CGA), em 14 de Setembro de 2006, que confirmasse a sua posição sobre este assunto, bem como as razões de facto e de direito que a sustentam, adiantando, desde logo, a este propósito, o seguinte:
2.1. A confirmar-se o entendimento que tem sido transmitido verbalmente e por escrito aos reclamantes, estar-se-ia a proceder a uma revogação implícita do Decreto- -Lei n.º 134/79, de 18 de Maio, pela Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, o que não parece ter sido, manifestamente, o objectivo deste último diploma.
2.2. Ao estabelecer mecanismos de convergência do regime de protecção social da função pública com o regime geral de segurança social no que respeita às condições de aposentação e cálculo das pensões, este diploma tem como âmbito pessoal de aplicação todos aqueles que já são subscritores da CGA e o “pessoal que inicie funções a partir de 1 de Janeiro de 2006 ao qual, nos termos da legislação vigente, fosse aplicável o regime de protecção social da função pública em matéria de aposentação (…)”(cfr. n.º 2, do art. 2º da Lei n.º 60/2005).
2.3. No diploma em análise, a opção tomada foi no sentido de aproximar e fazer convergir o regime público de protecção social para o regime geral de segurança social. Só por este motivo é que se tornou essencial evitar novas inscrições para o futuro e definir para o pessoal que inicie funções a partir de 1 de Janeiro de 2006 a obrigatoriedade de inscrição no regime geral de segurança social.
2.4. O Decreto-Lei n.º 134/79, de 18 de Maio, veio consagrar o direito a um subsídio vitalício para os funcionários e agentes do Estado não subscritores da CGA, que preencham os demais requisitos nele estabelecidos. Ou seja, trata-se de grupo fechado de beneficiários que comprovadamente prestaram, pelo menos, cinco anos de serviço ao Estado, mas a quem nunca foi reconhecido o direito de inscrição na CGA, por não preencherem os requisitos exigidos para tanto pela legislação em vigor à data em que foram prestadas essas funções.
2.5. É certo que a atribuição daquele subsídio pressupõe a inscrição prévia dos respectivos beneficiários na CGA. Mas esta inscrição reveste tão só a natureza de um acto meramente burocrático de registo com vista à concretização de um direito legalmente consagrado.
2.6. A Lei n.º 60/2005 não abrange no seu âmbito pessoal de aplicação os futuros beneficiários do subsídio vitalício, nos termos do estabelecido no Decreto-Lei n.º 134/79, 18 de Maio, nem operou a revogação, ainda que tácita, deste diploma legal.
3. Na sequência daquela solicitação, o Director Central da CGA respondeu aos meus serviços, através do ofício n.º 0119, de 19.01.07, de que junto cópia, informando, no essencial, o seguinte:
3.1. Com a revogação do artigo 1º do Estatuto da Aposentação e de “todas as normas especiais que confiram direito de inscrição na Caixa Geral de Aposentações”, operada pelo artigo 9º da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, esta entidade ficou impedida de proceder à inscrição de novos subscritores, independentemente da fonte legal dessa inscrição.
3.2. Resulta com suficiente clareza da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, bem como do contexto que rodeou a sua discussão pública e posterior aprovação, que o que se visou foi impedir a Caixa de assumir novas responsabilidades com pessoal não inscrito em 31.12.2005, acreditando-se que o legislador teve bem presente o propósito de revogar o regime do subsídio vitalício, previsto no Decreto-Lei n.º 134/79, de 18 de Maio, que pressupunha a prévia inscrição do seu beneficiário como subscritor da CGA.
3.3. Que o subsídio vitalício partilha em tudo da natureza e do regime da pensão de aposentação, pelo que não se descortina qualquer fundamento para atribuir a antigos assalariados da Administração Pública que nunca tiveram direito de inscrição na Caixa um direito que intransigentemente se recusa aos funcionários da Administração Pública, para os quais o regime havia sido, afinal, concebido.
3.4. Que o regime do subsídio vitalício tinha carácter temporário e visava dar resposta a carências provocadas pela inexistência, à época da sua criação, de um sistema integrado de segurança social, sendo que actualmente o sistema de segurança social contém prestações destinadas a garantir um mínimo de subsistência aos indivíduos sem rendimentos, aplicáveis à generalidade dos cidadãos.
4. Por discordar desta posição assumida pela CGA, bem assim como da fundamentação em que a mesma assenta, não posso deixar de insistir para que a situação que nos ocupa seja tratada dentro da legalidade e da justiça.
Assim, e para além de reiterar o teor integral da argumentação já supra expendida para demonstrar que o Decreto-Lei n.º 134/79, de 18 de Maio, não foi tacitamente revogado, permito-me ainda acrescentar o seguinte:
4.1. A interpretação defendida pela Caixa, assente num critério meramente literal, parece-me redutora e abusiva, uma vez que leva a que todos os potenciais beneficiários do subsídio vitalício fiquem totalmente impossibilitados, quando atingirem 70 anos de idade, de aceder a uma prestação social, com a natureza de pensão de aposentação, que havia sido legalmente reconhecida como contrapartida do tempo de serviço que os mesmos prestaram ao Estado.
Importa ter presente que em causa estão, sobretudo, todos aqueles que prestaram serviço ao Estado na vigência do regime anterior ao Estatuto da Aposentação – constante do Decreto-Lei n.º 36 610, de 24 de Novembro de 1947 – e que não foram remunerados por verbas expressamente destinadas a pessoal, nem vieram a adquirir posteriormente a qualidade de subscritores. Com efeito, dispunha o artigo 1º daquele diploma que deveriam ser inscritos na CGA “todos os funcionários e servidores civis do Estado e os dos corpos administrativos, qualquer que seja a forma do seu provimento ou a natureza da prestação dos seus serviços, desde que recebam vencimento ou salário pago por força de verbas inscritas expressamente para pessoal no Orçamento Geral do Estado ou no dos corpos administrativos ou serviços e organismos autónomos“.
Assim, não se exigia somente a prestação de serviço ao Estado, mesmo com carácter de subordinação, mas também que os servidores em causa recebessem “vencimento ou salário pago por força de verbas inscritas expressamente para pessoal” no respectivo orçamento. Aliás, a CGA tem sido peremptória em não aceitar a inscrição de servidores relativamente aos quais não estivesse preenchido este requisito.
Sublinhe-se, com interesse para a questão que nos ocupa, que estes servidores do Estado a que me refiro eram já discriminados no activo, numa época em que os direitos sociais não estavam suficientemente acautelados. Aliás, atente-se na ténue distinção de que se serve a legislação então vigente – a proveniência das verbas através das quais era paga a respectiva remuneração – para atribuir ou não um direito, o de inscrição na CGA, quando o certo é que, muitas vezes, era idêntico o vínculo laboral que estava em causa.
Ora, a Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, ao determinar, no seu artigo 2º, que a CGA deixa, a partir de 1 de Janeiro de 2006, de proceder à inscrição de subscritores, estabeleceu também, paralelamente, que o pessoal que inicie funções a partir dessa data e a que fosse aplicável o regime de protecção social da função pública, em matéria de aposentação, seja obrigatoriamente inscrito no regime geral da segurança social.
Ou seja, a lei é clara no sentido de que pretendeu estabelecer uma convergência imediata dos sistemas de segurança social quanto a todos os novos trabalhadores da Administração Pública, garantindo-lhes, contudo, uma protecção social adequada e justa.
Quer isto significar que o objectivo da lei não foi, de forma alguma, o de limitar o acesso a prestações sociais, nem tão pouco o de extinguí-las.
Neste contexto, apenas se poderia admitir que o legislador tivesse o propósito de revogar tacitamente o regime do subsídio vitalício, como defende a Caixa, se o mesmo tivesse introduzido, paralelamente, mecanismos que permitissem ver considerado e contado o tempo de serviço prestado ao Estado que aquele regime veio efectivamente reconhecer, no âmbito do regime geral de segurança social, o que não sucedeu.
A ser de outra forma, o artigo 9º da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, interpretado no sentido preconizado pela CGA, estaria ferido de inconstitucionalidade, por violação do n.º 4, do artigo 63º da Constituição, que determina que “todo o tempo de trabalho contribuirá, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado”.
Com efeito, o legislador constitucional quis acautelar que todo o tempo de trabalho fosse contado para efeitos de protecção na invalidez ou velhice, não impondo quaisquer obrigações ao legislador ordinário, quanto à forma como os tempos de trabalho enquadráveis nos vários regimes de protecção social existentes deveriam ter expressão ao nível do acesso às pensões. Ou seja, pretendeu-se com este normativo salvaguardar o princípio do aproveitamento total do tempo de trabalho, onde quer que o mesmo tenha sido prestado.
Ora, a ser aceite o entendimento perfilhado pela CGA, estaríamos perante uma situação, de todo inadmissível, em que o tempo de serviço prestado ao Estado pelos potenciais beneficiários do subsídio vitalício não iria ser considerado para quaisquer efeitos, nomeadamente no que diz respeito ao nível da protecção na velhice.
4.2. Por outro lado, não colhe, a meu ver, a argumentação expendida pela Caixa para defender que o subsídio vitalício era uma prestação com carácter temporário.
É certo que se pode admitir tratar-se de uma prestação com carácter temporário, mas não no sentido que a Caixa lhe pretende atribuir. Com efeito, a sua temporalidade acha-se circunscrita ao período de tempo em que ainda subsistam potenciais beneficiários que tenham prestado, no passado, cinco anos de serviço ao Estado, nas condições referidas no D.L. n.º 134/79, de 18 de Maio, e que ainda venham a atingir 70 anos de idade. Só neste sentido, por estarmos perante um grupo fechado de potenciais beneficiários – uma vez que todos eles já preencheram o prazo de garantia de cinco anos, faltando apenas que preencham o requisito de 70 anos -, se pode falar em carácter temporário da prestação em causa.
4.3. Por sua vez, no que concerne à afirmação da CGA de que “actualmente o sistema de segurança social contém prestações destinadas a garantir um mínimo de subsistência aos indivíduos sem rendimentos, aplicáveis à generalidade dos cidadãos (…) e dotadas de um regime mais apropriado aos fins que visam atingir” , penso que a mesma só poderá estar a referir-se à “pensão social” ou ao “rendimento social de inserção”, sendo certo que esta última prestação não se destina a indivíduos que já tenham atingido a idade legal de acesso a pensão social de velhice.
Ora, esquece a CGA que as prestações sociais em causa (pensão social e rendimento social de inserção) se integram no Subsistema de Solidariedade de Segurança Social, ao contrário do que se passa com o subsídio vitalício, prestação esta de natureza claramente contributiva, uma vez que a contagem do tempo de serviço prestado ao Estado pressupõe o pagamento das quotas correspondentes.
Nos termos do artº 36º da Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro), o referido «(…) Subsistema de Solidariedade destina-se a assegurar, com base na solidariedade de toda a comunidade, direitos essenciais por forma a prevenir e a erradicar situações de pobreza e de exclusão, bem como, a garantir prestações em situações de comprovada necessidade pessoal ou familiar, não incluídas no sistema previdencial» (2).
O Subsistema de Solidariedade abrange, assim, situações de falta ou insuficiência de recursos económicos dos indivíduos e dos respectivos agregados familiares para a satisfação de necessidades básicas, bem como situações de invalidez, entre outras eventualidades. De entre as prestações incluídas no sistema encontramos a prestação de rendimento social de inserção e a pensão social de velhice ou de invalidez.
A concessão das prestações integradas neste subsistema não depende de inscrição na segurança social, nem implica a existência de contribuições para a Segurança Social, sendo apenas determinada em função dos recursos dos beneficiários e do respectivo agregado familiar.
Quer tal significar que o reconhecimento do direito a estas prestações está dependente da verificação de determinada condição de recursos, ou seja, a sua atribuição só é possível caso o agregado familiar não disponha de rendimentos superiores a um determinado montante legalmente definido.
Registe-se, aliás, que os condicionalismos de natureza financeira a que estas prestações se encontram sujeitas têm justificação no facto de se tratar de prestações inseridas no referido Subsistema de Solidariedade da Segurança Social, o qual, conforme referi, é integralmente suportado pelo Estado, não pressupondo qualquer tipo de esforço contributivo por parte dos beneficiários.
Concordará por certo V.Exa que não é este o pressuposto da atribuição do subsídio vitalício, o qual, ao invés, está dependente da prestação de serviço ao Estado durante, pelo menos, 5 anos, com o correspondente pagamento de quotas, não exigindo ao beneficiário o preenchimento de qualquer condição de recursos. Ou seja, trata-se da atribuição de um subsídio por direito próprio do respectivo titular.
Neste contexto, é totalmente desprovida de fundamento a afirmação da CGA no sentido de remeter os potenciais beneficiários do subsídio vitalício para as prestações sociais que integram o regime não contributivo da segurança social.
5. A este propósito, permito-me evidenciar a situação particular de um grupo de potenciais beneficiários do subsídio vitalício – aqueles que prestaram funções na ex-administração pública ultramarina durante, pelo menos, cinco anos e que nunca adquiriram a qualidade de subscritores da CGA (3) –, a quem, durante muito tempo, a Caixa informou que poderiam vir a beneficiar daquele tempo de serviço, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 134/79, de 18 de Maio, quando completassem 70 anos de idade ou, em alternativa, no âmbito da pensão unificada prevista no Decreto-Lei n.º 361/98, de 18 de Setembro, caso tivessem sido ou viessem a ser beneficiários do regime geral de segurança social, criando nos mesmos uma forte expectativa jurídica do reconhecimento efectivo do tempo de serviço prestado ao Estado Português.
Também a estes ex-funcionários ultramarinos está agora a ser vedado o acesso ao subsídio vitalício com base na mesma argumentação, a da revogação do respectivo regime pelo artigo 9º da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro.
A acrescer a esta situação, chamo a atenção de V. Exa para o facto de, em Abril de 2003, a CGA ter alterado o seu entendimento no que concerne à possibilidade de os ex-funcionários ultramarinos, que conseguiram refazer as suas vidas profissionais e construir uma carreira contributiva no âmbito do regime geral de segurança social, poderem aceder a uma pensão unificada, com reconhecimento dos períodos de tempo em que prestaram serviço ao Estado Português nas ex-províncias ultramarinas.
Com efeito, até àquela data, a CGA defendia uma orientação que permitia aos ex-funcionários ultramarinos, que viessem a ser beneficiários do regime geral de segurança social, o acesso ao regime da pensão unificada, ainda que não fossem subscritores da CGA. Contudo, esta orientação veio a ser revogada pelo facto de a CGA ter passado a entender que a mesma não tinha qualquer suporte na letra da lei.
De facto, à luz do artigo 25º, alínea a), do Estatuto da Aposentação, que estabelece a regra da contagem do tempo para efeitos de aposentação, por acréscimo ao tempo de subscritor, não se afigura censurável esta mudança de entendimento por parte da CGA.
De igual modo e no que concerne ao regime da pensão unificada propriamente dito, consagrado no Decreto-Lei n.º 361/98, de 18 de Setembro, nada há a apontar a este novo entendimento da CGA do ponto de vista da estrita legalidade. Com efeito, este diploma veio estabelecer regras específicas de articulação entre o regime geral de segurança social e o regime de protecção social da função pública com vista a conjugar as carreiras contributivas dos pensionistas e permitir-lhes a totalização dos seus períodos contributivos de pagamento de contribuições e quotizações efectuados para os dois regimes, com repartição de encargos entre eles.
Ora, não tendo os ex-funcionários ultramarinos, que prosseguiram as suas vidas no âmbito do regime privado, adquirido a qualidade de subscritores da CGA, não estão enquadrados no regime de protecção social da função pública e, nessa medida, o tempo de serviço prestado no Ultramar não lhes pode ser considerado no âmbito do regime da pensão unificada.
O certo é que a posição que durante muitos anos foi adoptada pela CGA, apesar de poder não encontrar total cobertura na lei, era razoável e justa.
Restava, assim, a estas pessoas a possibilidade de beneficiarem do tempo de serviço prestado na ex-administração ultramarina no âmbito da eventual atribuição às mesmas de um subsídio vitalício, possibilidade esta que vêm agora também gorada.
Verifica-se deste modo que, para os não subscritores da CGA, as únicas vias possíveis para poderem beneficiar do tempo de serviço que prestaram ao Estado Português – ou no âmbito da pensão unificada ou através da atribuição do subsídio vitalício – estão agora postas em crise.
6. Sobre esta matéria, permito-me, ainda, chamar à colação a situação paralela que ocorre no âmbito do regime geral de segurança social no que concerne à relevância conferida ao tempo de serviço prestado nos ex-territórios ultramarinos por cidadãos que efectuaram descontos para caixas de previdência de inscrição obrigatória.
Como é do conhecimento de V.Exa, o Decreto-Lei n.º 335/90, de 29 de Outubro, veio permitir o reconhecimento, no âmbito do sistema de segurança social português, dos descontos feitos para as caixas de previdência de inscrição obrigatória (4) dos ex-territórios ultramarinos. Ou seja, o regime instituído por aquele diploma permitiu que aqueles períodos – apenas os que conduziram ao pagamento de descontos para as referidas caixas – fossem reconhecidos e contados no âmbito do regime geral de segurança social português.
Sucede que, com a publicação do Decreto-Lei n.º 465/99, de 5 de Novembro, deixou de existir o prazo inicialmente fixado pelo artigo 4º do Decreto-Lei n.º 335/90, de 29 de Outubro, mais tarde alargado pelo Decreto-Lei n.º 278/98, de 11 de Setembro, pelo que passou a ser possível requerer, a todo o tempo, o reconhecimento dos períodos contributivos em causa, desde que os interessados façam prova desse tempo de serviço e do pagamento dos descontos respectivos.
Assim sendo, e, sobretudo, tendo em atenção o princípio da igualdade e o princípio da convergência dos regimes de protecção social da função pública com os regimes do sistema de segurança social, ínsito no artigo 104º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro (Lei de Bases da Segurança Social) (5) o reconhecimento dos períodos contributivos dos ex-funcionários ultramarinos que prestaram serviço ao Estado Português e que efectuaram descontos para compensação de aposentação, para efeitos de protecção na velhice, parece-me um imperativo de equidade e de conformidade constitucional.
7. Neste contexto, parece efectivamente justificar-se uma intervenção do Governo no sentido de acautelar este tipo de situações, procedendo para o efeito quer à fixação de uma correcta interpretação da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, quer a uma adequada revisão do Decreto-Lei n.º 361/98, de 18 de Setembro.
Em face de todo o exposto, devo exercer o poder que me é conferido pela disposição compreendida no art. 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril e, como tal, RECOMENDAR a V. Exa. que:
a) emita uma orientação interpretativa a ser seguida pela CGA, enquanto serviço da administração indirecta do Estado sob a superintendência do Governo, no sentido de que o artigo 9º da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, não operou a revogação tácita do regime do subsídio vitalício, constante do Decreto-Lei n.º 134/79, de 18 de Maio.
b) promova a adopção de uma medida legislativa adequada e justa, eventualmente por via da alteração do regime da pensão unificada, constante do Decreto-Lei n.º 361/98, de 18 de Setembro, que venha suprir a lacuna legal relativa ao reconhecimento efectivo, pela CGA, do tempo de serviço prestado pelos ex-funcionários do Estado Português nos antigos territórios ultramarinos que, apesar de nunca terem adquirido a qualidade de subscritores da CGA, refizeram a sua vida profissional em Portugal no âmbito do regime geral de segurança social.
Queira Vossa Excelência, em cumprimento do dever consagrado no artº 38º, n.º 2, da Lei n.º 9/91, de 9/04 (Estatuto do Provedor de Justiça), dignar-se informar sobre a sequência que o assunto venha a merecer.
O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues
(1) Note-se que no regime anterior ao Estatuto da Aposentação – Decreto-Lei n.º 36 610, de 24 de Novembro de 1947 – só se previa o direito de inscrição e, consequentemente, o direito à pensão de aposentação a quem, para além de prestar serviço ao Estado, fosse remunerado por verbas inscritas expressamente para pessoal no orçamento do respectivo serviço.
(2) Ao contrário do Subsistema de Solidariedade, o Sistema Previdencial pressupõe a existência de contribuições para a Segurança Social.
(3) Não se ignora que os ex-funcionários ultramarinos que não ingressaram, posteriormente, no Quadro Geral de Adidos e não se tornaram subscritores do regime de protecção social público, em Portugal, puderam já beneficiar, no âmbito do Decreto-Lei n.º 362/78, de 28 de Novembro, do direito a receberem uma pensão de aposentação autónoma a pagar pela CGA. Não obstante, o Decreto-Lei n.º 210/90, de 27/06, veio estabelecer um prazo de caducidade para o exercício daquele direito, pelo que a possibilidade de requerer a pensão de aposentação ao abrigo do referido diploma manteve-se apenas até 01/11/90.
Actualmente, não se prevê que venha a ser adoptada qualquer medida legislativa que restabeleça a possibilidade de requerer estas pensões a todo o tempo.
(4) Instituições essas identificadas na Portaria n.º 52/91, de 18. de Janeiro.
(5) Efectivamente, sob a epígrafe “Regimes da função pública”, dispõe o referido artigo 104º: “Deve ser prosseguida a convergência dos regimes da função pública com os regimes do sistema de segurança social”.