RECOMENDAÇÃO N.º 16/A/2006
(art.º 20.º, n.º 1, a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril)
Entidade visada: Presidente da Câmara Municipal de Nelas
Proc.º: R-4343/06
Data: 15-11-2006
Área: A6
Assunto: Subsídio de reintegração. Lei n.º 29/87, de 30 de Junho
Na posse dos esclarecimentos prestados, em termos que desde já se agradecem, a coberto da comunicação com a data e a referência em epígrafe, cumpre, a propósito dos mesmos, tecer as seguintes considerações.
Afirma V.ª Ex.ª que o Senhor N… “está aposentado desde 30/04/1996”, razão pela qual considera “não haver lugar ao pagamento de qualquer subsídio de reintegração que se destina a reintegrar o ex-autarca na vida profissional activa o que não foi ou é o caso”.
No tocante a esta matéria, estabelecia a alínea n) do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 29/87, de 30 de Junho (aplicável ao caso em apreço), constituir direito na titularidade dos eleitos locais a percepção de subsídio de reintegração, a atribuir nos termos definidos no artigo 19.º daquele diploma legal.
Ora, de acordo com o disposto neste último preceito, “aos eleitos locais em regime de permanência e exclusividade é atribuído, no termo do mandato, um subsídio de reintegração”, o qual, de acordo com o seu n.º 2, é “equivalente ao valor de um mês por cada semestre de exercício efectivo de funções, até ao limite de onze meses”.
Atribuição essa que, ainda à luz do preceituado no n.º 1 in fine daquela disposição legal, apenas ocorrerá quando os eleitos locais “não beneficiem do regime constante no artigo 18.º “.
De facto, previa esta última disposição a possibilidade de os eleitos locais, em regime de permanência, terem direito à contagem, a dobrar, do tempo de serviço prestado, tendo em vista a sua aposentação, uma vez observadas as condições naquele impostas para o efeito.
Relativamente à problemática suscitada em torno da atribuição do subsídio em apreço aos aposentados, reformados ou reservistas, veio o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República a pronunciar-se, em sede do Parecer com o n.º 27/90, de 28 de Junho de 1990, homologado por Sua Excelência o Secretário de Estado da Administração do Território (DR, II série, n.º 59, de 12 de Março de 1991, pgs. 2879 e segs.).
De acordo com o entendimento naquele assumido, podendo os eleitos naquelas circunstâncias desempenhar, de forma não condicionada, funções autárquicas, em regime de permanência e exclusividade, poderão, de igual forma, e desde que reunidas as condições legalmente estabelecidas para o efeito, requerer a atribuição do subsídio de reintegração.
Na verdade, conclui o documento citado, que “o exercício de tais funções constitui uma das formas de participação directa e activa na vida política”, estando em causa “verdadeiros direitos políticos”, concluindo-se, assim, que aqueles podem “desempenhar as funções de eleitos locais, em qualquer dos regimes” legalmente previstos.
Por esta razão, tendo um aposentado, reformado ou reservista, exercido o mandato, para o qual foi eleito, em regime de permanência e exclusividade, terá direito a receber, no termo do mesmo, o subsídio de reintegração devido em função do número de anos àquele correspondente.
De resto, também sobre a problemática em apreço, veio a pronunciar-se a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, ao longo de diversos pareceres, dos quais haverá a destacar o Parecer n.º 234, datado de 21 de Outubro de 2004 – Direcção Regional da Administração Local.
De acordo com a doutrina naquele vertida, assume-se que “a única possibilidade prática” de os eleitos locais já aposentados, reformados ou reservistas, “não auferirem de subsídio de reintegração ocorre se pretenderem optar por nova pensão de aposentação correspondente ao cargo de eleito local”, na estrita observância do disposto no n.º 1, in fine, do artigo 19.º do Estatuto dos Eleitos Locais.
Aliás, tal conclusão decorre, naturalmente, do simples recurso ao elemento literal, a ter presente na tarefa da hermenêutica jurídica, uma vez que, de forma inequívoca, postulava o já citado artigo 5.º, n.º 1, alínea n) do texto legal em estudo, constituir direito na titularidade de um eleito local, a percepção, no termo do mandato exercido nas condições estabelecidas no n.º 1 do seu artigo 19.º, do subsídio de reintegração legalmente previsto.
Resulta assim, logicamente, do acima exposto, e uma vez excluída a aplicação, no caso concreto, do regime positivado no artigo 18.º do Estatuto dos Eleitos Locais, o direito de o Senhor N…, cumprido o mandato para o qual foi eleito, vir a requerer a atribuição do subsídio de reintegração.
Nesta matéria, e mais uma vez invocando a doutrina acolhida no citado Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, importa recordar as citações que naquele são feitas, relacionadas com os trabalhos conducentes à aprovação do texto final da Lei n.º 29/87, de 30 de Junho, e no âmbito dos quais veio a ficar estabelecido o objectivo da criação, com aquele diploma, de “um corpo de normas jurídicas que definam o regime de exercício, os direitos e os deveres dos eleitos locais, que os dignifique e prestigie”.
Na verdade, e ainda de acordo com o disposto no projecto de lei em discussão, pretendeu-se, com o regime jurídico em apreço, a introdução de “garantias remuneratórias e sociais que” permitam aos eleitos locais “abalançar-se a servir as suas comunidades”.
Decorre, assim, também da análise do elemento histórico, contextualizador da tarefa interpretativa em curso, o reforço da separação que necessariamente deve existir entre o retorno à vida activa e a percepção de subsídio de reintegração.
Obviamente que não se pode negar a importância prática que tal subsídio pode vir a ter na economia familiar daqueles que, no termo do respectivo mandato autárquico, pretendam retomar a sua anterior actividade profissional.
Todavia, e ao contrário do defendido por V.ª Ex.ª, não se pode vir a condicionar a atribuição do subsídio em discussão, à observância daquele facto, uma vez que, verificando-se as condições objectivas legalmente fixadas, constitui o mesmo direito na titularidade daquele que o requerer.
Direito esse, cujo reconhecimento resulta, única e exclusivamente, da estrita aplicação da lei, independentemente de quaisquer considerações relacionadas com o fim a que se destina, em concreto, o montante recebido pelo requerente, ou a sua qualidade de aposentado, reformado ou reservista.
Aliás, se tivesse sido essa a intenção do legislador, podemos questionar-nos acerca das razões que obstaram a que, no quadro de excepções legalmente criado no n.º 1 do artigo 19.º do Estatuto dos Eleitos Locais, não viesse a ficar expressamente positivado o afastamento dos aposentados, reformados ou reservistas, nos termos agora perfilhados por V.ª Ex.ª.
De facto, assim não aconteceu, porque não se pretendeu restringir o leque de beneficiários do subsídio de reintegração em função das razões invocadas por V.ª Ex.ª, mas apenas tomando em consideração o regime e o período de tempo em que aqueles exerceram as respectivas funções autárquicas.
Tal conclusão resulta, naturalmente, da análise das condições a observar, cumulativamente, para a percepção daquela subvenção: regime de permanência, exclusividade e a não aplicação do regime de contagem do tempo de serviço (tendo em vista a aposentação, nos termos previstos no artigo 18.º do diploma legal em apreço), todas elas relacionadas com os termos em que veio a ser exercido o mandato autárquico.
Na verdade, a ser de modo diverso, estar-se-ia a inverter, de forma perniciosa, a lógica subjacente à criação do mecanismo jurídico em discussão, com base no qual se pretendeu, também através de compensação financeira, demonstrar o reconhecimento da comunidade para com aqueles que, em determinado momento das suas vidas, manifestaram a sua disponibilidade para a servir.
Tal objectivo terá, de resto, também estado inicialmente presente na elaboração do regime estabelecido a propósito dos titulares de cargos políticos, tal como surgiam definidos na Lei n.º 4/85, de 9 de Abril, uma vez que, nos termos exarados no Parecer em apreço, a Lei n.º 29/87, de 30 de Junho visou “estabelecer, para os eleitos locais, um estatuto à imagem do que fora aprovado para os titulares dos cargos políticos”.
De facto, aí se consagrava, nos moldes positivados no artigo 31.º, o direito de os seus destinatários virem a receber subsídio de reintegração, se e quando verificadas as condições objectivamente impostas no n.º 1 daquele preceito (8 anos no exercício de funções).
A este respeito, também o acima citado Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República evoca os seus Pareceres n.ºs 61/86 e 69/86, citando as conclusões então alcançadas nesta matéria, conclusões essas que, no essencial, radicam no objectivo de, com a sua atribuição, “assegurar o desempenho responsável, digno e independente das funções”, garantindo as “condições de dignidade mínimas aos ex-titulares daqueles cargos após cessarem funções”.
Decorre, por fim, da análise da documentação remetida, sobre esta matéria, por V.ª Ex.ª, a invocação de parecer, que veio a apurar-se, em contacto realizado com o Senhor Vereador Dr. Manuel Marques, cuja colaboração se agradece, ter sido emitido em reunião de Coordenação Jurídica da Direcção-Geral das Autarquias Locais.
Analisado o texto do referido Parecer, constata-se estar naquele em causa, com o devido respeito, realidade materialmente distinta da protagonizada pelo Senhor N….
Na verdade, reporta-se o texto em causa, em concreto, à possibilidade de percepção, pela viúva de um eleito local (que nem sequer se refere como estando anteriormente ou não aposentado, reformado ou reservista), do subsídio de reintegração em análise.
Ora, neste caso, estar-se-á, presumo eu, perante um autarca que tinha falecido antes de adquirir o direito ao subsídio de reintegração, ou seja, com o termo do mandato. Na verdade, se o óbito tivesse ocorrido depois do termo do mandato, estando já subjectivado o direito na esfera jurídica do interessado, transmitir-se-ia o mesmo direito de crédito (ou o montante do subsídio, se já recebido) aos seus herdeiros, nos termos gerais, sendo impossível, por não previsto na lei, compreender-se uma espécie de reversão a favor da autarquia do montante não utilizado (ou utilizável) na reintegração.
Se, como julgo ter ocorrido nesse caso concreto, o autarca faleceu antes de completado o mandato e adquirido o direito em causa, nesse caso é fácil concordar-se com o parecer da DGAL em questão, na medida em que a expectativa existente não se transmite a terceiros, em termos que possibilitassem à viúva ou a outro herdeiro, no momento em que hipoteticamente e em caso de sobrevida o subsídio em causa fosse devido, vir reclamá-lo, a título próprio (o que seria mais bizarro) ou hereditário (porque não se pode herdar o que não tinha sido adquirido em vida pelo de cujus).
Relembro a V.ª Ex.ª que os pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, quando homologados, vinculam a Administração, no quadro dos poderes de direcção que possua o membro do Governo homologante. Nessa medida, sempre seria de se considerar como pouco provável a adopção pela DGAL, em 2004, de orientação contrária àquela a que estava vinculada, por via da homologação do parecer de 1990.
De resto, só desta forma se poderá interpretar, coerentemente, a posição que já anteriormente havia sido assumida pela Coordenação Jurídica daquela Direcção-Geral, em reunião datada de 27 de Fevereiro de 2002 (disponível em http://www.dgaa.pt/default.asp?s=12292), nos termos da qual, perfilhando-se o entendimento explanado no já citado Parecer n.º 27/90, de 28 de Junho de 1990, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, se assume que “o subsídio de reintegração aplica-se aos eleitos locais que não possam ou não queiram beneficiar do regime constante do artº 18 da Lei n.º 29/87, de 30 de Junho”.
As considerações que justificaram a anterior tomada de posição dessa Câmara Municipal parecem-me demasiado assentes no nome atribuído ao subsídio e menos no regime legal até há um ano vigente nesta matéria, cuja crítica, qualquer que fosse, mostra-se já superada pela revogação ocorrida em 2005, não sendo possível modificar hoje os direitos que se adquiriram ao abrigo dessas normas revogadas.
Todavia, sempre é de ponderar que, não se mostrando o subsídio em causa dependente de qualquer demonstração de carência de meios, a situação prévia de aposentado ou reformado nunca justificaria a conclusão tirada por V.ª Ex.ª quanto à ausência de reintegração na vida profissional, nenhum requisito exigindo que o ex-autarca tivesse, para beneficiar do subsídio, de regressar à profissão anteriormente desempenhada. É de notar que um aposentado ou reformado, em geral, não estão proibidos de exercer uma qualquer actividade profissional, designadamente por conta própria.
No limite, a posição de V.ª Ex.ª apenas faria sentido em caso de óbito do ex-autarca (mas em momento anterior ao da consolidação do direito ao subsídio na sua esfera jurídica, com o termo de funções), ou, num outro quadro jurídico hipotético, caso o ex-autarca estivesse considerado incapaz de toda e qualquer actividade profissional.
Deste modo, atendendo a tudo o exposto, nos termos do art.º 20.º, n.º 1, a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, recomendo à Câmara Municipal de Nelas, na pessoa de V.ª Ex.ª, que, revendo a decisão anteriormente assumida, reconheça ao ex-autarca N… o direito ao recebimento do subsídio de reintegração, que por força das regras legais invocadas, lhe deve ser pago, mostrando-se não ter sido exercida a alternativa constante do art.º 18.º do Estatuto dos Eleitos Locais. |
O Provedor de Justiça
H. Nascimento Rodrigues