RECOMENDAÇÃO N.º 8/A/2001
(Artigo 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril)
Entidade visada: Director-Geral dos Impostos
Nossa Ref.ª – Proc.º: P-10/98
Data: 2001/07/06
Assunto: Uniformização dos procedimentos administrativos dos serviços periféricos locais da Direcção-Geral dos Impostos, na apreciação dos pedidos de isenção de contribuição autárquica, solicitados ao abrigo do disposto no artigo 52º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
-I-
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
1. Na sequência de inúmeras queixas apresentadas por muitos cidadãos na Provedoria de Justiça nos últimos anos, relativas a vários problemas originados pela demora na apreciação dos pedidos de isenção de contribuição autárquica na aquisição de habitação própria permanente, nos termos do disposto no art.º 52º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), o meu antecessor determinou a instauração do processo referenciado em epígrafe.
2. O objectivo da abertura e subsequente instrução do processo foi o de proceder a uma correcta identificação das origens e das causas dos problemas apresentados nesta matéria ao Provedor de Justiça pelos cidadãos, de modo a vir posteriormente a propor a Vª Exª a adopção das medidas que possam ser consideradas necessárias e adequadas a obviar a repetição sistemática dos factos apurados.
3. As questões colocadas pelos cidadãos repetem-se, nesta matéria, num ciclo que se pode descrever da seguinte forma: a lentidão na apreciação dos pedidos de isenção do imposto origina a realização das respectivas liquidações que, por sua vez, ou dão lugar a pagamentos que mais tarde se vêm a revelar indevidamente feitos – gerando tal facto a necessidade de apresentação de reclamações graciosas ou de anulações oficiosas, e uma delonga excessiva na concretização dos reembolsos -, ou dá lugar, em caso de falta de pagamentos, à instauração de processos de execução fiscal, com todas as questões que lhe são inerentes.
4. Ou seja, a demora na apreciação dos pedidos de isenção de contribuição autárquica acaba forçosamente por ter reflexos ao nível da liquidação do imposto, da respectiva cobrança, do processo de execução fiscal e do processo de reclamação graciosa, gerando, na maioria das situações, a anulação das liquidações e o processamento tardio de reembolsos.
5. Das queixas recebidas pode assim concluir-se que o atraso na apreciação dos pedidos de isenção de contribuição autárquica formulados ao abrigo do artigo 52º do EBF, para além dos incómodos, despesas e demoras que acarretam para os contribuintes, implica ainda, para a Administração Tributária, evidentes ineficiências decorrentes da realização de procedimentos e processos de todo desnecessários e evitáveis, como sejam a apresentação de reclamações graciosas, a realização de anulações oficiosas das liquidações do imposto a que veio a ser reconhecida mais tarde a isenção e, ainda, a instauração de processos de execução fiscal para efeitos da cobrança coerciva de dívidas que acabam, depois, por ser consideradas indevidas.
6. Tendo em vista recolher elementos que permitissem reflectir a situação destes processos a nível nacional – e não sendo naturalmente viável a recolha de dados junto de todos os 372 Serviços Periféricos de Finanças -, seleccionaram-se, por amostragem, 43 Repartições de Finanças e Bairros Fiscais, aos quais foi solicitado o preenchimento de uma ficha modelo por cada processo de isenção de contribuição autárquica pendente. As informações prestadas à Provedoria de Justiça datam do período compreendido entre 29-05-2000 e 05-01-2001.
7. A apresentação de uma ficha modelo a ser preenchida por cada processo de pedido de isenção de contribuição autárquica pendente impunha-se, por um lado, para facilitar quer o trabalho dos serviços consultados quer, posteriormente, o tratamento da informação prestada e, por outro, para garantir a recolha dos dados necessários ao estudo que nos propusemos. Assim, era solicitado aos Serviços que informassem:
a) o ano de início da sujeição do imóvel a contribuição autárquica; b) a data da apresentação do pedido de isenção; c) a data da informação dos serviços, se existisse; d) o despacho, de deferimento ou indeferimento, proferido no processo; e) se havia liquidações de contribuição autárquica relativas aos anos abrangidos pelo período do pedido de isenção e quais os anos; f) qual o montante do imposto liquidado, discriminado por anos; g) se o contribuinte chegou a pagar o imposto; h) se, no caso de vir a ser concedida a isenção, o imposto eventualmente pago era anulado oficiosamente, ou era exigida ao contribuinte a apresentação de reclamação oficiosa; i) se o imposto liquidado não fosse pago, na pendência da apreciação do pedido de isenção, se tinha sido ou seria instaurado processo de execução fiscal; e j) no caso de ter havido processo de execução fiscal extinto pelo pagamento, caso posteriormente fosse reconhecido o direito à isenção de contribuição autárquica, se as custas, juros e taxas entretanto pagas eram devolvidas ao cidadão. |
– II –
Tratamento e Análise dos Dados Constantes da Ficha Modelo
8. Da análise e tratamento da informação recebida foram extraídos os seguintes elementos estatísticos:
8.1. Mapa Resumo do Número de Processos Pendentes
Serviço Periférico | Nº de Processos Pendentes | Serviço Periférico | Nº de Processos Pendentes |
Angra do Heroismo | 121 |
|
|
Aveiro-2 | NI | 1ª Cascais | NI |
Ovar – 1 | NI | 1ª RF Loures | NI |
Anadia | NI | 3ª RF Amadora | 193 |
Beja | 101 | Ponta Delgada | 150 |
Braga – 2 | 297 | Portalegre | 40 |
Guimarães | 727 | Elvas | 31 |
Bragança | 1082 | 2º BF Porto | 127 |
Castelo Branco | 39 | 5º BF Porto | 50 |
Covilhã | 92 | 7º BF Porto | 477 |
Coimbra – 1 | 704 | 2ª RF Matosinhos | 3112 |
Figueira da Foz | 303 | 3ª RF Vila Nova de Gaia | 1540 |
Évora | 345 | Santarém | NI |
Faro | 104 | Tomar | 87 |
Loulé – 2 | 1200 | 2ª RF Setúbal | 1463 |
Portimão | 137 | 2ª RF Almada | 300 |
Guarda | 517 | Barreiro | 706 |
Leiria | 95 | Viana do Castelo | 866 |
Caldas da Rainha | 24 | Ponte de Lima | 768 |
3º BF Lisboa | 33 | Vila Real | 149 |
11º BF Lisboa | 544 | 2ª RF Viseu | 270 |
12º BF Lisboa | 377 | Mangualde | 84 |
Sub-total | 6842 | Sub-total | 10413 |
TOTAL |
| 17255 |
|
NI – Não informa |
Considerando que o número total de Repartições de Finanças do País é de 372, parece admissível por a hipótese de que o número de processos de isenção de contribuição autárquica pendentes no segundo semestre de 2000 poderia aproximar-se dos 150 000.
8.2. Motivos mais frequentemente invocados pelos Serviços para a pendência dos processos
O mesmo estudo revelou que a pendência de um tão elevado número de processos de pedido de isenção de contribuição autárquica se prende, maioritariamente, com a facto de a grande maioria dos prédios aguardar a respectiva inscrição matricial. Verifica-se que em muitas zonas do País, os serviços da Administração Tributária não dispõem da necessária capacidade de resposta face ao desenvolvimento urbanístico ocorrido nos últimos anos, sendo o funcionamento das comissões de avaliação da propriedade e dos serviços de inspecção tributária manifestamente deficitário e insuficiente.
Motivos da pendência dos processos(*) | N.º de ocorrências (43RF) |
Prédio omisso à matriz | 30 |
Falta de verbas para funcionamento das comissões de avaliação | 8 |
Falta de nomeação de membro de comissão de avaliação | 1 |
Falta de verificação dos condicionalismos da isenção | 8 |
Contrariedades do sistema informático | 1 |
Falta de recursos humanos | 4 |
Falta de colaboração dos sujeitos passivos | 5 |
(*) Alguns motivos são indicados simultaneamente por uma mesma Repartição de Finanças. |
8.3. Liquidação do Imposto na pendência do pedido de isenção
Pretendeu-se analisar, neste âmbito, se os serviços da Administração Tributária procediam ou não à liquidação do imposto na pendência do processo de pedido de isenção de contribuição autárquica.
8.3.1. Desde logo há que salvaguardar as situações em o prédio não se encontra ainda inscrito na respectiva matriz, pois nestes casos não é efectuada qualquer liquidação, uma vez que não estando fixado o respectivo valor patrimonial, não é possível proceder à operação de apuramento do imposto. 8.3.2. Contudo, no que se refere a imóveis já inscritos na respectiva matriz predial, que já eram tributados em sede de contribuição autárquica, e que foram objecto de segunda transmissão que confira aos novos proprietários o direito à isenção daquele imposto, a liquidação continua a ser processada, umas vezes em nome dos primitivos proprietários, outras em nome dos novos donos cujos pedidos de isenção do imposto aguardam despacho. 8.3.3. Sempre que tenha sido efectuada liquidação de imposto que posteriormente se verifica estar abrangida pelo período de isenção de contribuição autárquica, todos os serviços da administração tributária, sem excepção, promovem oficiosamente a respectiva anulação. |
8.4. Instauração de processo de execução fiscal na pendência do pedido de isenção
O objectivo do estudo, neste âmbito, era o de averiguar qual o procedimento dos Serviços no que se refere à falta de pagamento de contribuição autárquica liquidada e relativa a prédios em relação aos quais se encontra pendente processo de pedido de isenção daquela contribuição. Interessava, assim, apurar se a falta de pagamento do imposto, nestas circunstâncias concretas dava lugar, ou não, à instauração de processo de execução fiscal para efeitos de cobrança coerciva da dívida.
Ora, neste domínio, apesar de apenas 25 dos 43 Serviços Periféricos Locais de Finanças terem respondido a esta questão, os procedimentos por eles adoptados são de todo em todo diversos, como se pode verificar pelo mapa infraáá:
Instauração de processo de execução fiscal | Sim | Não | Sim mas suspenso |
14 | 8 | 3 |
8.5. Devolução dos acréscimos cobrados em processo de execução fiscal
Pretendia-se determinar, neste item, se nas situações em que os processos de execução fiscal eram extintos pelo pagamento da dívida exequenda, as taxas, os juros e as custas cobrados eram ou não devolvidos pelos Serviços aos contribuintes, logo que, posteriormente, viesse a ser reconhecido o direito à isenção da contribuição autárquica.
Também neste âmbito, se apurou que os procedimentos dos diferentes serviços são dispares. Efectivamente:
Procedimento adoptados | N.º RF |
Procedem à devolução das custas, juros e taxas cobradas em processo executivo | 18 |
Só procedem àquela devolução se o sujeito passivo o requerer | 2 |
A questão não se coloca uma vez que não é instaurado processo de execução fiscal | 3 |
Não devolvem aquelas quantias | 2 |
De acordo com as instruções da DGCI, enquanto não transitar em julgado decisão no processo de isenção, mesmo em sede de execução fiscal, não são cobrados custas, juros e taxas | 2 |
– III –
Análise Dos Elementos Apresentados
9. Uma análise da totalidade dos elementos constantes dos n.ºs 8.1 a 8.5 permite, em síntese e pese embora o frequentemente incorrecto e incompleto preenchimento das fichas modelo por muitos dos Serviços Periféricos Locais, a formulação das seguintes conclusões, que parecem muito claras e que não deixam qualquer margem para dúvidas quanto à situação tributária, no período de 29-05-2000 a 05-01-2001, dos pedidos de isenção de contribuição autárquica solicitados nos termos do disposto no art.º 52.º do EBF :
a) cerca de 10 696 pedidos de isenção de contribuição autárquica pendentes, isto é 62% dos processos nesta situação, correspondem a prédios omissos na matriz, ou seja, aguardam a intervenção das comissão de avaliação; b) na grande maioria dos pedidos de isenção de contribuição autárquica pendentes o direito ao benefício fiscal acaba por ser reconhecido ao contribuinte, por verificação dos pressupostos legais previstos; c) a maioria dos Serviços Periféricos Locais não efectua liquidações do imposto na pendência do processo de pedido de isenção de contribuição autárquica, havendo contudo alguns Serviços que continuam a liquidá-la pelo valor tributável constante da anterior inscrição matricial; d) não são efectuadas liquidações do imposto respeitantes a prédios omissos na matriz; e) todos os serviços procedem às anulações oficiosas das liquidações do imposto que se venham a mostrar devidas, na sequência do reconhecimento do direito ao benefício fiscal, sem necessidade de apresentação, pelo contribuinte, de qualquer reclamação graciosa; f) alguns serviços não abrem processo executivo para a cobrança coerciva da dívida, enquanto outros procedem à sua instauração; g) de entre estes, alguns suspendem o processo de execução fiscal até decisão final do processo de pedido de isenção do imposto, enquanto que outros o não fazem, continuando com a instrução do processo de cobrança coerciva; h) quanto à devolução dos acréscimos legais (custas, juros e taxas) cobrados em sede de processo de execução fiscal para a cobrança do imposto cuja isenção vem posteriormente a ser reconhecida, há serviços que os devolvem oficiosamente aos cidadãos, enquanto que outros apenas o fazem a pedido do contribuinte e outros, ainda, afirmam que não devolvem quaisquer importâncias. |
– IV –
Conclusões
10. Sendo certo que, quanto a determinados procedimentos se verifica uma uniformização na actuação dos Serviços Periféricos Locais da DGCI – nenhum liquida contribuição autárquica relativa a prédios omissos, e todos procedem às anulações oficiosas das liquidações do imposto que se vêem a revelar indevidas na sequência do deferimento dos pedidos de isenção – , tal uniformização de procedimentos não se verifica em muito mais situações.
11. Na verdade, são evidentes e devem ser sublinhadas as divergências de actuação dos Serviços Periféricos Locais da DGCI, designadamente no que se refere à instauração ou não de processo de execução fiscal para cobrança coerciva da dívida, e à devolução ou não dos acréscimos legais cobrados caso o processo de execução fiscal venha a ser extinto pelo pagamento e, posteriormente, venha a ser reconhecido o direito à isenção.
12. A existência desta diversidade de procedimentos impõe claramente, a meu ver, a necessidade da adopção de medidas que, visando obter uma uniformidade nos procedimentos adoptados por todos os Serviços Periféricos Locais da DGCI no que respeita à matéria em apreço, permitirão igualmente uma muito maior eficiência daqueles Serviços, de que resulte, naturalmente, um maior respeito pelos direitos e garantias dos contribuintes.
Na certeza de que V. Exa., Senhor Director-Geral dos Impostos, não deixará de ponderar devidamente o que ficou exposto, Recomendo, ao abrigo do disposto nas alíneas a) do n.º 1, do artigo 20º da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, que:
a) proceda a emissão de instruções administrativas que possibilitem a obtenção de uma uniformização de procedimentos dos Serviços Periféricos Locais da DGCI na pendência de processo de pedido de isenção de contribuição autárquica formulado nos termos do art.º 52.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, relativamente aos seguintes aspectos: 1. instauração de processo de execução fiscal, uma vez verificada a falta de pagamento da contribuição liquidada; 2. devolução dos acréscimos legalmente cobrados no processo de execução fiscal (juros, custas, taxas) caso o mesmo seja extinto pelo pagamento e, posteriormente, venha a ser reconhecido o direito à isenção do imposto coercivamente cobrado; b) adopte as medidas necessárias tendo em vista acabar ou reduzir para mínimos aceitáveis os enormes atrasos verificados nas inscrições matriciais dos prédios omissos, facto este que prejudica quer os contribuintes, quer o Estado; c) adopte as medidas necessárias permitindo a suspensão da cobrança de imposto eventualmente liquidado até à conclusão da apreciação e decisão do processo de pedido de isenção de contribuição autárquica. |
Nos termos do disposto no artigo 38º, n.º 2, da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, deverá V. Exa. comunicar-me o acatamento desta Recomendação ou, porventura, o fundamento do seu não acatamento, no prazo máximo de sessenta dias.
Com os melhores cumprimentos,
O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues