RECOMENDAÇÃO N.º 4/A/2001
(Artigo 20º, nº 1, alínea a), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril)


Entidade visada: Presidente da Câmara Municipal de Gondomar
Nossa Ref.ª – Proc.º: R-1870/97
Data: 2001/04/11


Assunto: Urbanismo/Ambiente/Obras particulares


 


§1
– Enunciado –


1. Organizou a Provedoria de Justiça processo para apreciar reclamação relativa a obras de instalação de uma unidade industrial de tratamento de mármores e granitos na Rua XX, em Valbom, concelho de Gondomar, promovidas pelo Sr. AA, sem a devida licença municipal.


2. Em particular, invocou o reclamante que já teria o industrial sido intimado pela Câmara Municipal de Gondomar para proceder à demolição das obras ilegais no termo de 30 dias, conforme notificação da Polícia de Segurança Pública do Porto de 24/10/1995, facto que se teria mostrado inconsequente e, como tal, revelador de injustificada tolerância para com o referido munícipe.


3. À laboração da unidade são imputadas incomodidades várias, sobressaindo o ruído perturbador da tranquilidade dos vizinhos, em especial, por motivo das operações realizadas na via pública. O reclamante juntou elementos fotográficos dando conta da extrema insipiência das instalações e do sistema de ventilação de poeiras. Tudo isto, na posição do reclamante, é causa de prejuízos colectivos significativos, não apenas de ordem ambiental, como também para a saúde pública.


4. Vem a instrução do processo diligenciando, sucessivamente, junto da Câmara Municipal de Gondomar desde o ano de 1997, com vista a conhecer os procedimentos desencadeados para assegurar a reposição da legalidade urbanística. Procedeu-se ainda à audição da autoridade com superintendência técnica: a actual Direcção Regional – Norte do Ministério da Economia.


5. Verifica-se dos elementos obtidos ao longo da instrução que:












a) Procedeu a Câmara Municipal ao embargo das obras em 25/5/1993.


b) Em 10/10/1995 foi a desobediência à ordem de embargo participada às instâncias competentes para efeitos de instauração de procedimento criminal.


c) Determinada a demolição das obras não licenciadas, seria notificado presencialmente o Senhor AA, responsável pela exploração da unidade, em 2/11/1995.


d) Na falta de cumprimento do determinado, a Câmara Municipal deliberou ocupar o prédio em questão em 4/3/1996, para efeitos de execução coerciva.


e) O responsável pela unidade, porém, oporia a sua qualidade de arrendatário do prédio, solicitando a suspensão da ordem de demolição.


f) Subsequentemente o industrial requereu a aprovação de um projecto de arquitectura para legalização da construção destinada ao fabrico de mármores, instruindo o pedido com documento comprovativo da legitimidade do requerente.


g) Em 30/7/1996, a aprovação deste projecto de legalização seria indeferida por não se conformar com as pertinentes disposições do Plano Director Municipal de Gondomar.


h) Em 31/7/1996 o infractor foi notificado de ordem de demolição das obras ilegais.


i) Tem a Câmara Municipal de Gondomar promovido, desde então, sucessivas audiências e reuniões com o infractor e o reclamante “com vista a encontrar solução que permita evitar o encerramento da indústria existente actualmente e sua transferência para outro local a fim de não eliminar os postos de trabalho existentes” (cfr. comunicação de 24/11/1997).


j) Em particular, veio a ser esclarecido que o reclamado particular teria manifestado a intenção de adquirir terreno na zona industrial. A Câmara Municipal tê-lo-á instado a desenvolver diligências com vista à concretização de tal expectativa.


k) Por comunicação de 25/2/1999, informou a Câmara Municipal:


estão assim a ser criadas as condições com vista à transferência da instalação ilegal, sendo admissível que, no prazo de 120 dias, o reclamado possa comprovar a realização de diligências efectivas com vista à aquisição do lote industrial e à elaboração do projecto de indústria ou, tal não acontecendo, ser accionada a deliberação, já tomada, de demolição coerciva das obras ilegais” (v. ofício nº 1237).


l) Em 3/9/1999 foi lavrado novo auto de notícia relativo a construções ilegais efectuadas no local.


m) A situação não conheceu, desde então, qualquer evolução em sentido favorável à reposição da legalidade.



§2
– Apreciação –


6. Desde o ano de 1995 vêm sendo apresentadas reclamações por parte dos moradores que se opõem ao exercício da laboração em zona habitacional, sofrendo o impacto negativo do uso industrial: propagação de ruído e libertação de poeiras, em prejuízo da salubridade, da saúde e da tranquilidade pública.


7. Ao conceder sucessivos prazos ao infractor, sem providenciar com prontidão pela reposição da legalidade, a Câmara Municipal de Gondomar contribui directamente para manter uma situação de prejuízo ambiental, traduzida na consolidação do uso industrial com afectação grave da qualidade de vida de terceiros.


8. Ao ordenar a demolição das obras ilegais, a Câmara Municipal formulou um inequívoco juízo de insusceptibilidade de conformação da construção com os requisitos legais e regulamentares de urbanização, estética, segurança e salubridade (art. 167º, do Regulamento Geral das Edificações Urbanas). Assim, na falta de cumprimento voluntário da ordem, não se vê que reste ao órgão presidido por V. Exa. alternativa que não seja a de se substituir ao infractor na demolição das obras clandestinamente executadas, dando por cessada a actividade ali indevidamente praticada.


9. Poder-se-ia julgar que competiria à Direcção Regional de Economia providenciar pela adequada reposição da legalidade, visto não cumprir o industrial os requisitos de laboração próprios da actividade. Observamos, contudo, que a intervenção da Administração Central não seria adequadamente reparadora, porquanto deixaria intocado o problema urbanístico, para cuja resolução só as câmaras municipais dispõem de poderes.


10. Poder-se-ia ainda contrapor que as autoridades municipais, ao terem participado, para efeitos penais, a desobediência do industrial à ordem de embargo, teriam cumprido o que lhes seria exigível. Todavia, e independentemente da sequência que tenha conhecido tal participação, bem se vê que não basta a sanção criminal para repor as condições de salubridade e qualidade de vida que o legislador e a autarquia considera como padrões mínimos, as quais importam um correcto ordenamento das edificações urbanas e da localização das actividades.


11. Ponderar-se-á ainda que a execução da ordem de demolição pode comprometer a estabilidade no emprego dos trabalhadores da unidade industrial reclamada. No entanto, a dilação que vem sendo concedida ao infractor, em particular aguardando que adquirisse terreno em local próprio para se instalar, é por demais excessiva. Acresce que os direitos dos moradores vizinhos devem outrossim ser ponderados, tendo presente a lesão reiterada da qualidade de vida e, porventura, da saúde. Estes moradores, de resto, não retiram, nem retiraram qualquer proveito da actividade.


12. Neste sentido, a execução da ordem de demolição não apenas corresponde à reposição da legalidade e à adequada prossecução do interesse público, como também parece constituir um imperativo de justiça, o qual não deixará de ser tomado em linha de conta por V. Exa.


De acordo com as motivações expostas, devo exercer o poder que me é conferido pela disposição compreendida no art. 20º, nº1, alínea a), da Lei nº9/91, de 9 de Abril, e, como tal, Recomendar a V. Exa:









a) que confirme a ordem de demolição da construção efectuada pelo munícipe, sem autorização municipal, precisando os trabalhos a realizar e o prazo para a sua execução, ao abrigo do disposto no artigo 56º do Decreto-Lei nº445/91, de 20 de Novembro e no artigo 6º, nº1, do Decreto-Lei nº 92/95, de 9 de Maio;


b) que, em caso de incumprimento da ordem proferida, sejam os respectivos actos de execução praticados pelos serviços camarários, ou, em caso de impossibilidade, por terceiro, a expensas do notificado, nos termos previstos no art. 58º, nº4, do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, e no artigo 155º, nº 3 do Código do Procedimento Administrativo.



Queira V. Exa., em cumprimento do dever consagrado no art. 38º, nº2, do Estatuto aprovado pela Lei nº9/91, de 9 de Abril, dignar-se informar sobre a sequência que o assunto venha a merecer.


Com os melhores cumprimentos.


O Provedor de Justiça,
H. Nascimento Rodrigues