Exm.º Senhor

Presidente da Junta de Freguesia

de Carnaxide

Rua Major Afonso Pala, 47

Algés

1495 – LISBOA

 

R-2358/90

Data: 25 Março – 92-004702

 

 

RECOMENDAÇÃO N.º 12/A/92

(Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, art.º 20.º n.º 1, al. A))

 

Pelo SINDICATO NACIONAL DOS TRABALHADORES DA ADMINISTRAÇÃO LOCAL foi apresentada neste Órgão de Estado uma reclamação contra a Junta de Freguesia de Carnaxide onde são salientadas duas ordens de questões:

l.º Não renovação dos contratos de professores que prestavam serviço no Centro de Animação Cultural a funcionar no Palácio dos Anjos, cedido pela Câmara Municipal de Oeiras;

2.º Transferência da Directora do Estabelecimento do Centro de Animação Cultural de Algés para o Centro de Actividades e Tempos Livres de Carnaxide.

Relativamente à 1.ª questão, a autarquia em causa defende-se e alega que os referidos trabalhadores estavam vinculados por um contrato de trabalho a termo certo, que, obviamente, caducou imperativamente no termo do prazo, por força do disposto no art.º 44.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 247/87, de 17 de Junho.

Alega, ainda, a autarquia reclamada que a maioria dos professores que viram os seus contratos caducar continuam ligados à autarquia após a celebração de novos contratos.

Sendo ora não verdade tal alegação, o certo é que, nesta parte, a autarquia apenas procedeu de acordo com a lei, e, por isso, não há que formular qualquer juízo de censura.

 

Já o mesmo não diremos quanto à deliberação da autarquia que decidiu da transferência da Directora de Estabelecimento.

 

Como decorre dos ensinamentos doutrinais, o teor do acto administrativo há-de ser interpretado de acordo com os documentos ou títulos que incorporam o mesmo.

 

Ora, para interpretar o acto administrativo em causa, apenas dispomos do teor da acta da sessão de 28.08.90 e de uma Ordem de Serviço n.º 19/90, também de 28 de Agosto do mesmo ano.

 

É, assim, inquestionável que por deliberação da Junta de Freguesia de Carnaxide de 28.08.90 foi decidido transferir a Directora de Estabelecimento, tendo-se invocado como fundamento a “conveniência de serviço”.

 

Como resulta da tomada de posição da autarquia reclamada no recurso contencioso em curso, o acto ou deliberação em causa é considerado irrecorrível por ser um acto interno.

 

Sem que esta Provedoria queira invadir ou sindicar a esfera judicial, não pode ficar indiferente a alegações sem nexo e que visam afectar os interesses legítimos dos seus funcionários.

 

É que é por demais óbvio que o acto interno apenas tem por finalidade disciplinar interorganicamente determinado serviço ou departamento.

 

Quando os efeitos de um acto se produzem na esfera jurídica de pessoa diferente daquela cujo órgão se pronunciou ao praticar o acto estamos, necessariamente, perante acto externo (vide Marcelo Caetano, 10.ª Edição, Tomo I, pág. 442).

 

O funcionário é sempre um terceiro em relação com a Pessoa Colectiva de Direito Público.

 

No presente caso estamos perante uma deliberação que define de forma obrigatória a situação jurídica do funcionário e, por isso, estamos seguramente, perante um acto definitivo e executório.

 

Mas mesmo que se questione a natureza jurídica do acto (deliberação) em causa, não devia esquecer-se a autarquia que hoje, após a redacção dada ao art.º 268.º, n.º 4 da Constituição da República, pela última Revisão Constitucional, é garantido aos interessados recurso contencioso contra quaisquer actos administrativos.

 

Improcede, assim, inteiramente, a questão da irrecorribilidade da deliberação suscitada pela Junta de Freguesia de Carnaxide.

 

E se na questão de forma ou questão prévia a Autarquia não tem razão, também lhe falece razão quanto à motivação alegada como fundamento da transferência.

 

É que não basta alargar a conveniência de serviço, sendo, ainda indispensável indicar as circunstâncias de facto que possam integrar tal conceito de direito.

 

Ora, no teor da deliberação nenhuns factos foram indicados como podendo concretamente demonstrar a alegada conveniência de serviço.

 

E sem essa indicação concreta estamos perante um acto não fundamentado.

 

É que a transferência sem motivação afecta necessariamente o direito à estabilidade do local de trabalho, bem como o direito ao bom nome e prestígio, atendendo à sua carga sancionatória, se a eles se opuser a vontade do funcionário.

 

De resto, mesmo os actos discricionários devem ser cabalmente fundamentados, com menção dos factos que lhes servem de suporte, em ordem a aferir-se da sua adequação aos fins visados pelo poder legal exercido e, consequentemente, a averiguar-se da existência ou não de desvio de poder.

 

Assim, é inequívoco que a deliberação de 28.08.90 está inquinada do vício de violação da lei (vício de forma), por ofender ostensivamente o disposto no art.º 1.º, n.º 1, alínea a), h, e n.º 2 e 3, todas do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho.

 

Nestes termos, tenho por bem formular Recomendação no sentido de essa autarquia revogar, por ilegal, a deliberação de 28 de Agosto de 1990 que decidiu da transferência da Sr.ª…

 

Agradeço a V. Ex.ª que esta Provedoria seja informada da deliberação que foi tomada na sequência da presente recomendação.

 

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Manuel Menéres Pimentel