Presidente da Cãmara Municipal de Vendas Novas

Processo:R-1187/94
Rec. nº 33A/95
Data:1995-04-06
Área: A1

Assunto:URBANISMO E OBRAS – ESTABELECIMENTOS SIMILARES HOTELEIROS – LICENCIAMENTO – CROISSANTERIA – VIABILIDADE DE ABERTURA – PROXIMIDADE DE ESCOLA – INFORMAÇÃO PRÉVIA – VIOLAÇÃO DA LEI – PRINCÍPIO DA BOA FÉ.

Sequência:Acatada

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

A) Dos factos

1. Tomei conhecimento, através de reclamação apresentada na Provedoria de Justiça e após esclarecimentos prestados por V.Exa,
de critérios de decisão adoptados pela Cãmara Municipal de Vendas Novas no que concerne a pedidos de abertura de estabelecimentos similares dos hoteleiros (art. 5º, nº 1, d], do Decreto-Lei nº 328/86, de 30 de Setembro).

1.1. Em 26.10.1992, a Senhora …. requereu à Cãmara Municipal de Vendas Novas autorização de abertura de um estabelecimento de “croissantería-pizaria e posteriormente gelataria” a explorar em instalações sitas na Av. 25 de Abril, nº 46, em Vendas Novas.
1.2. A Cãmara Municipal de Vendas Novas indeferiu o pedido por deliberação de 02.12.1992, com fundamento na localização do
estabelecimento, demasiado perto das escolas C+S e Secundária de Vendas Novas que lhe seriam fronteiras.
1.3. Em reunião de 30.06.1993, na apresentada pela munícipe, propugnando a revogação da decisão mencionada em 1.2 por alegada falta de fundamentação, a Câmara Municipal confirmou, por unanimidade, a deliberação de 2.12.1992, “pelos motivos expostos e tendo em conta a legislação aaplicável”.
1.4. Em 12.11.1993, a requerente dirigiu a V.Exa pedido de informação sobre “a viabilidade de abertura de um salão de chá”
com idêntica localização.
1.5. A Câmara Municipal entendeu, em reunião ordinária de 02.12.1993, indeferir o pedido formulado.
1.6. Aduz a Cãmara Municipal no oficio que remeteu à requerente, para efeitos de notificação da decisão que “tal indeferimento
baseia-se não só no facto do estabelecimento pretendido não possuir espaços de estacionamento directamente afectos como
essencialmente à sua localização pois tem sido preocupação deste Município não permitir a abertura de estabelecimentos similares de Hoteleiro nas proximidades das Escolas”.

B) Das deliberações camarárias

2. As deliberações camarárias de 02.12.1992 e de 30.06.1993 não enunciam quaisquer razões de direito.

2.1. A fundamentação cinge-se aos motivos de facto das decisões e a razão determinante do indeferimento parece ser a localização
requerida pela interessada.
2.2. O dever de fundamentação das deliberações citadas, enquanto actos administrativos que afectam interesses legalmente protegidos e enquanto actos administrativos decidindo de encontro a pretensão formulada por interessado, resulta do disposto no art. 83º do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março e, bem assim, do art. 124º, do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro. Já relativamente à deliberação de 30.06.1993, o mesmo dever de fundamentação decorre da alínea b) do mencionado preceito do CPA.
2.3. Assim, a respectiva fundamentação “deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito
da decisão” (art. 1259 do CPA).
2.4. Recordo a este propósito que o Supremo Tribunal Administrativo, por Acórdão de 04.03.1987 (proc. R.24169, BMJ, 365, 426), entendeu que:
“os actos administrativos devem apresentar-se formalmente como disposições conclusivas lógicas de premissas correctamente desenvolvidas e permitir, através da exposigão sucinta dos factos e das regras jurídicas em que se fundam, que os seus destinatários concretos, pressupostos cidadãos diligentes e cumpridores da lei, façam a reconstituição do itinerário cogonscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente”.
2.5. No que toca à menção das regras jurídicas aplicáveis, não se podem aceitar como suficientes alusões de tal modo genéricas que não habilitem o interessado comum a aperceber-se da motivação.
2.5.1. A referência à legislação aplicável, sem mais, constante da deliberação de 30.06.1993, a qual confirma a deliberação de
02.12.1992, não é explícita que baste, porquanto não estabelece um nexo inequívoco entre o acto e um quadro de pressupostos
normativos determinado. Não habilita o destinatário do acto a tomar conhecimento do percurso intelectual e volitivo que subjaz à
decisão.
2.6. Acresce que é desconhecida norma jurídica eficaz que estabeleça como motivo vinculado de indeferimento dos pedidos de
abertura de estabelecimentos similares a sua proximidade em relação a estabelecimentos de ensino ou disponha sobre a distãncia
a manter entre uns e outros.
2.6.1. Com efeito, constituem motivos de indeferimento por parte das Cãmaras Municipais dos pedidos de instalação os que são
enunciados no art. 26º do Decreto-Lei nº 328/86, de 30 de Setembro (“ex vi” do art. 33º), designadamente, a desconformidade do
requerido com instrumentos de planeamento, a insuficiência das infraestruturas básicas, a alteração de construções ou elementos
naturais classificados, a falta de licença de loteamento ou a infracção ao loteamento aprovado.
2.6.2. Por outro lado, é certo que a norma contida no art. 2º do Decreto-Lei nº 37 575, de 8 de Outubro de 1949, proíbe que os
estabelecimentos que o legislador haja qualificado como insalubres, incómodos, tóxicos ou perigosos se localizem a menos
de 200 metros dos perímetros de terrenos destinados ou afectos a edificações escolares.

Todavia, os estabelecimentos similares de hoteleiros, não obstante a circunstãncia de se encontrarem sujeitos à aplicação de
diversas disposições contidas nas Instruções aprovadas pela Portaria nº 6065, de 30 de Março de 1929, nomeadamente no que se
refere à emissão de alvará de licença sanitária, não recebem a qualificação legal de estabelecimentos insalubres, incómodos,
perigosos ou tóxicos por não se integrarem no elenco da tabela anexa a que se reporta o art. 1º da citada portaria.

Eis porque entendo não ser aplicável à factualidade descrita o disposto no art. 2º do Decreto-Lei nº 37575, de 8 de Outubro de
1949.

2.6.3. Finalmente, considero também não poder ser invocado em favor do indeferimento o que vem estatuído no artº 1º do Decreto-Lei nº 37837 de 24 de Maio de 1950 , onde se interdita “a instalação de tabernas e de quaisquer outros estabelecimentos destinados à venda a copo de vinhos e aguardentes (…) em torno de edifícios onde estejam instaladas escolas, oficiais ou particulares, de qualquer grau de ensino”.´

Na verdade o parágrafo único do citado artigo arreda da esfera de protecção da norma citada “casas de pasto, pastelarias, leitarias, cervejarias ou quaisquer outros estabelecimentos comerciais que explorem acessoriamente a venda ao público de bebidas alcoólicas engarrafadas”.

2.7. A inexistência de espaços de estacionamento afectos ao estabelecimento tão pouco legitima o indeferimento de pedidos de
abertura deste tipo de estabelecimentos, ao invés do que parece querer pressupor a deliberação de 02.12.1993, pois as mesmas não
são aptas a integrar o conceito de infraestruturas básicas dos estabelecimentos a que se reporta o art. 26º, alínea b), do Decreto-Lei nº 328/86, de 30 de Setembro. Ainda que se admitisse poderem constituir infraestruturas, sempre se há de reconhecer a
falta da sua essencialidade para um estabelecimento como aquele que a requerente pretende explorar, em termos que motivem de forma determinante o indeferimento.
2.7.1. De acordo com o Decreto Regulamentar nº 8/89, de 21 de Março, o pedido de aprovação de localização do projecto de
estabelecimento similar apenas tem de ser instruído com indicação da área de estacionamento quando a instalar em edifício ou
edifícios a construir e, ainda assim, é dispensada a fase de localização para estabelecimentos classificados como estabelecimentos de bebidas de 3ª (art. 62º, nº 6 do citado diploma).
2.8. Falta motivo de interesse público que legitime o indeferimento dos pedidos formulados pela requerente.

3. O direito de qualquer interessado requerer por escrito informação sobre a possibilidade de construir ou instalar estabelecimento similar e sobre os condicionamentos inerentes merece tratamento específico no articulado do Decreto-Lei nº 328/86, de 30 de Setembro e nas disposições regulamentares que o desenvolvem (v.g. arts. 22º e 33º do Decreto-Lei nº 328/86 e arts. 3º, 4º, 6º e 7º do Decreto Regulamentar nº 8/89), constituindo um afloramento do princípio da colaboração da Administração com os particulares (art. 7º do CPA).
3.1. O princípio da boa-fé constitui limite da actividade discricionária da Administração, devendo pautar as relações que mantém com os administrados.
3.2. O dever de prestar ao particular uma informação de carácter objectivo, resultante da subsungão dos factos expostos às normas
que sobre eles dispõem, traduz, em parte, uma exigência da boa-fé.
Atenta contra a boa-fé prestar ao particular informações que o induzam em erro sobre as possibilidades de abertura de um
estabelecimento similar ou acerca do quadro normativo que envolve a situação motivadora do pedido.
3.3. Por seu turno, é a Administração responsável pela prestação de informação deficiente ou errada, caso da mesma resultem
prejuízos para o particular (art. 7º, nº 2 do CPA e art. 271º da Constituição).
3.4. E certo é também, que a informação prestada à interessada não obedeceu ao disposto no art. 7º do Decreto Regulamentar nº 8/89, de 21 de Março pois não menciona as normas às quais se encontra sujeita a construção ou instalação do empreendimento; facto que merece particular reparo.

CONCLUSÕES

A) A deliberação da Câmara municipal de Vendas Novas, de 02.12.1992, não enuncia as razões de direito subjacentes, sendo
dado adquirido que a violação do dever de fundamentação constitui preterição de formalidade essencial.

B) A decisão citada indeferiu pedido de abertura de estabelecimento similar sem fundamento legal.

C) Os vícios resultantes – vício de forma e vício de violação de lei – encontram-se, porém, sanados pelo decurso de mais de um ano
(art. 28º, nº 1, al. c], do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho), o que obsta à revogação por ilegalidade (art. 141º do CPA).

D) Termos em que, por invocação do princípio da legalidade enquanto fundamento, limite e critério da actividade administrativa,

RECOMENDO:

1º- que a Câmara Municipal de Vendas Novas não pratique qualquer novo acto administrativo de indeferimento de pedido de abertura de estabelecimento similar de hoteleiro com fundamento na proximidade de estabelecimento de ensino;
2º- que a Câmara Municipal de Vendas Novas esclareça oficiosamente a interessada sobre a inexactidão da informação prestada em resposta ao pedido relativo à viabilidade da abertura de um salão de chá em edifício sito na Av. 25 de Abril, 46, em Vendas Novas, e ao qual se reportou a deliberação de 12.11.1993, apreciando novamente o pedido e notificando da resposta que o mesmo venha a merecer.

0 PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel