Secretário de Estado da Segurança Social
Rec. n.º 25/A/00
Proc.: R-911/97
Data:2000-03-27
Área: A 3
Assunto: SEGURANÇA SOCIAL. SUBSÍDIO DE DESEMPREGO. SUSPENSÃO DO PAGAMENTO.
Sequência: Não Acatada
1. O Senhor … dirigiu-me uma reclamação na qual questionava os actos administrativos que haviam decidido a suspensão do pagamento do subsídio de desemprego que lhe vinha a ser atribuído e a reposição das prestações referentes ao período compreendido entre 3 de Fevereiro de 1994 e 30 de Setembro do mesmo ano, no montante de 1 082 400$00.
2. Na sua exposição, o reclamante alega, essencialmente, que:
2.1. a notificação que recebera, em Outubro de 1994, relativa à reposição das prestações, não incluía qualquer fundamentação;
2.2. pelo que, solicitara em Novembro do mesmo ano, a emissão de certidões dos despachos que haviam determinado a suspensão do pagamento do subsídio de desemprego e a reposição das prestações, a fim de conhecer a respectiva fundamentação;
2.3. no entanto, decorridos mais de dois anos, não obtivera qualquer resposta;
2.4. na falta dessa informação, presumiu que as decisões relativas à suspensão do pagamento do subsídio de desemprego que lhe vinha a ser atribuído e a reposição das prestações teriam tido origem no facto de um fiscal da segurança social o ter encontrado dentro de uma loja de animais;
2.5. porém, essa loja, sita na Rua …, em Oeiras, pertencia à sociedade “E…” da qual eram únicos sócios …, sua filha e gerente do estabelecimento, e …;
2.6. a sua presença na loja, no momento da visita do fiscal da segurança social, resultava do simples facto de residir nas proximidades do estabelecimento, o que o levava a frequentar o mesmo até como forma de romper o enorme tédio e a ansiedade provocada pela condição de desempregado, mas que nela não exercia qualquer actividade profissional;
2.7. na verdade, nunca fora trabalhador da loja, nem sócio, nem nunca dela tinha recebido qualquer remuneração;
2.8. os únicos trabalhadores da loja haviam sido os Senhores … e …, além da própria gerente …;
2.9 entretanto, o Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo dirigiu-lhe o ofício de 8 de Janeiro de 1997, no qual, com base na sua presença na loja e na existência de um contrato-promessa de aquisição de quota da sociedade proprietária do estabelecimento, considerava demonstrado o exercício ilegal de uma actividade profissional;
2.10. porém, não era verdade que exercesse qualquer actividade no âmbito daquele estabelecimento;
2.11. aquele contrato-promessa integrava, aliás, o projecto de criação do próprio emprego que fora oportunamente apresentado no Centro de Emprego de Cascais.
3. Analisados os elementos integrantes do processo, verificou-se que o reclamante apenas fora, efectivamente, notificado quanto aos fundamentos da suspensão do pagamento do subsídio de desemprego e da reposição determinada, através do ofício n.º … de 1997 cuja cópia se junta.
4. Isto é, decorridos praticamente dois anos e meio após a solicitação da reposição das verbas em causa.
5. De acordo com o teor daquele ofício, a fundamentação dos actos administrativos acima referidos, nessa altura comunicada ao beneficiário, assentou nas seguintes ordens de razões:
5.1 – De facto –
– Ter o beneficiário sido “…localizado ao balcão da loja cuja empresa “E…”, era propriedade de sua filha em conjunto com outro sócio…” o que … “pressupunha uma actividade, que é normalmente remunerada”.
E que “…como representante legal da empresa “E…”, e tendo sido nomeado procurador em assembleia geral da referida Sociedade, com acta da reunião constante no processo, e pretendendo adquirir a parte maioritária da Sociedade, conforme contrato promessa de cedência de quotas, vincula uma relação de trabalho com a mesma, incompatível com a situação de beneficiário de subsídio de desemprego.”
5.2 – De direito –
No disposto no art.º 27.º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 79-A/89, de 13 de Março, então em vigor, de acordo com o qual o exercício de actividade profissional por conta própria ou por conta de outrem determinava a suspensão do pagamento do subsídio de desemprego.
6. Verifica-se, pois, que a aplicação da norma jurídica atrás referida, de acordo com a fundamentação comunicada ao beneficiário, foi decidida com base na verificação, por parte dos serviços de fiscalização da segurança social, de três circunstâncias de facto:
– o reclamante ter sido “localizado” ao balcão do estabelecimento;
– o reclamante ser procurador da empresa;
– e, finalmente, o reclamante ter celebrado um contrato-promessa de compra de uma quota da sociedade.
7. A questão que se suscita é, pois, a de apreciar em que medida esses factos eram susceptíveis de demonstrar a verificação do facto que integra a previsão da disposição legal atrás referida, isto é, o exercício por parte do beneficiário de uma actividade profissional por conta própria ou por conta de outrem.
8. O primeiro facto que, segundo os serviços de fiscalização da segurança social, indiciou o exercício de uma actividade profissional foi a “localização” do beneficiário ao balcão da loja.
A descrição desse facto, como se pode verificar, para além de imprecisa e não circunstanciada, não integra qualquer referência a um acto ou atitude do beneficiário que, de alguma forma, constituísse demonstração do exercício de uma actividade.
Com efeito, a expressão utilizada sugere fortemente que apenas se verificou a presença do beneficiário na loja, se bem que situada ao balcão da mesma.
9. Mas, se é certo que essa presença podia ser interpretada como indício do exercício de uma actividade, também é certo que, atentas as circunstâncias, essa presunção era susceptível de não corresponder à realidade.
10. Na verdade, sendo o estabelecimento propriedade de sua filha e situando-se junto à sua residência, como o beneficiário referiu, não podia excluir-se a possibilidade de a sua presença na loja corresponder, efectivamente, a uma situação diversa.
Nomeadamente, não pode excluir-se, à partida que essa presença tivesse a sua explicação no facto de a loja constituir para o beneficiário um pólo de interesse, já que, estando desempregado, é natural que pudesse sentir-se penalizado pela inactividade, o que, como se sabe, acontece frequentemente com as pessoas naquela situação, sobretudo quando a mesma ocorre na sequência de muitos anos de trabalho.
11. Importa, a este propósito, relembrar que o beneficiário alegou que trabalhavam no estabelecimento … e …, além da própria gerente …, sendo que, que se saiba, o Centro Regional não terá desenvolvido qualquer averiguação quanto a este aspecto, pelo que não é legítimo que se afirme que era aquele que assegurava o funcionamento do mesmo.
12. Nesse contexto, a meu ver, o indício referido não era susceptível de, só por si, ser interpretado como sinal ou prova inequívoca do exercício de uma actividade e, muito menos, do exercício de uma actividade profissional por conta própria ou por conta de outrem.
13. Com efeito, o significado atribuído pelo Centro Regional a esse elemento indiciário só poderia ser validamente sustentado se reforçado através do recurso a outros elementos indiciários complementares que confirmassem e comprovassem, de algum modo, a presunção estabelecida de que se estava perante o exercício de uma actividade profissional.
14. De acordo com o informado pelo Centro Regional, os elementos indiciários complementarmente considerados foram o facto de o beneficiário ser procurador da empresa e o facto de ele ter celebrado um contrato promessa através do qual se propunha adquirir uma quota da mesma.
15. Todavia, a procuração (art.º 262.º do Código Civil) e o mandato (art.º 1157 do mesmo código) são figuras completamente distintas da do contrato de trabalho ou do contrato de prestação de serviços e não significam, também, por si ou consideradas em conjunto com a “localização” do beneficiário na loja, o exercício de uma actividade.
16. Sendo que, a intenção de compra de quotas da empresa, também ela, não implicava que no imediato se verificasse o exercício de qualquer actividade profissional no âmbito da mesma e, muito menos, a demonstra ou comprova.
17. Atentas estas considerações, não pôde deixar de considerar-se que a fundamentação aduzida ao beneficiário era manifestamente insuficiente já que ficaram por demonstrar as razões que explicassem clara e congruentemente as decisões em causa.
18. Razão porque estes serviços, através do ofício n.º …, solicitaram ao Centro Regional esclarecimentos quanto à fundamentação dos actos administrativos questionados, bem como, informação quanto à disponibilidade para promover a respectiva revogação.
19. O Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo veio a responder a essa solicitação através do ofício n.º …, cuja cópia se junta. Nessa resposta, releva, antes de mais, o facto de a fundamentação aduzida divergir significativamente daquela que fora anteriormente comunicada ao beneficiário.
20. Com efeito, enquanto anteriormente se referiu, tão só, que o beneficiário fora “localizado” ao balcão da loja, agora, refere-se que o reclamante fora encontrado “a trabalhar” no estabelecimento, nos dias 3 de Fevereiro e 18 de Maio de 1994.
21. Isto é, aquele que, anteriormente, era um facto descrito de forma imprecisa e não circunstanciada, passou a ser um facto com um sentido e significado perfeitamente definidos e que, para além disso, fora observado por duas vezes.
22. Acontece, porém, que, como referi, a questão que se suscitava prendia-se exactamente com a suficiência dos elementos indiciários verificados pelos serviços de fiscalização em ordem a fundamentar a conclusão de que se estava na presença do exercício de uma actividade profissional.
23. Ora, nesta resposta, verifica-se que não só se deixou de atribuir relevância a dois dos factos indiciários verificados por aqueles serviços – a qualidade do beneficiário como procurador da empresa e como promitente-comprador de uma quota da sociedade – que anteriormente sustentaram aquela conclusão, como, também, que a nova descrição dos factos não foi acompanhada de quaisquer outros elementos indiciários que permitissem explicar porque é que se concluía, agora, que o beneficiário estava a “trabalhar”.
24. Isto é, esta resposta do Centro Regional limita-se a substituir a designação “localizado” por “a trabalhar”.
Mas, ciente da dificuldade em explicar essa modificação da versão anteriormente comunicada ao beneficiário e da manifesta insuficiência dos factos invocados para sustentar a conclusão a que chegara, o Centro Regional vem, então, argumentar que os processos de contra-ordenação instaurados ao reclamante por força das infracções que lhe haviam sido imputadas tinham sido arquivados por força de amnistia “…pelo que nessa conformidade, não ficou provada inexistência do ilícito.”
25. Ora, sabendo-se que, salvo regra de inversão do ónus da prova, incumbe à parte que alegue um facto, a prova dele (Ac. do S.T.A. de 17 de Janeiro de 1991 – Rec. n.º 26 809) e que a presunção, como meio de prova, não elimina o ónus da prova nem modifica o resultado da sua repartição entre as partes (1), fica por compreender o alcance do afirmado pelo Centro Regional.
26. Mas, tal afirmação é ainda mais inexplicável quando se sabe que atenta a natureza do processo contra-ordenacional sempre seria aplicável o princípio “in dubio pro reo”, pelo que, se dos processos em concreto se pretendesse retirar alguma conclusão era, exactamente, a de que não ficara provado que o beneficiário tivesse incorrido na prática das contra-ordenações que lhe haviam sido imputadas.
27. Isto é, incompreensivelmente, o Centro Regional vem invocar um facto que, de acordo com aquele princípio, implicava que se chegasse à conclusão exactamente contrária daquela que pretendia fazer prevalecer.
28. Na verdade, o Centro Regional, ao invocar tal argumento, confunde procedimentos completamente distintos e pretende, ao mesmo tempo, encontrar a fundamentação de uns nas conclusões que, eventualmente, poderiam ter vindo a ser retiradas nos outros, o que, para além do mais, denota um evidente desconhecimento das normas e princípios que regem uns e outros procedimentos.
29. Atentas todas as considerações atrás aduzidas, não pude, por força do disposto no art.º 125.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, deixar de considerar que o acto administrativo relativo à suspensão do pagamento do subsídio de desemprego ao reclamante, bem como o acto administrativo referente à reposição dos valores recebidos a esse título no período compreendido entre 3 de Fevereiro de 1994 e 30 de Setembro do mesmo ano, careciam de fundamentação e, portanto, eram inválidos, porque afectados por vício de forma.
30. Pelo que, no dia 7 de Abril de 1998, dirigi ao Senhor Presidente do Conselho Directivo do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa Vale do Tejo a Recomendação n.º 25/A/98, cuja cópia se junta.
31. Aquele Centro veio responder através do ofício de 10 de Julho de 1998, cuja cópia se junta, no qual se comunicava o não acatamento da recomendação que formulei.
32. Desta vez, porém, a decisão de não alterar os actos administrativos relativos à suspensão do pagamento do subsídio de desemprego e à restituição de verbas indevidamente recebidas a esse título foi fundamentada, essencialmente, em razões de ordem processual que, alegadamente, se constituíam como factores impeditivos da revogação daqueles actos administrativos, merecendo a matéria de facto que sustentou aqueles apenas uma sucinta referência.
33. Esta alteração estratégica é, já de si, difícil de compreender. No entanto, é sobretudo difícil de compreender porquanto sendo a definição da matéria de facto uma questão essencial para se aferir em que medida se está perante o exercício de poderes vinculados, apesar da evidente indefinição daquela matéria, o Centro Regional vem sustentar, como veremos, a irrevogabilidade dos actos administrativos em causa, exactamente, com fundamento no facto de terem sido praticados no exercício de poderes vinculados.
34. Ainda a propósito da matéria de facto, importa, no entanto, salientar dois aspectos que integram a fundamentação agora aduzida pelo Centro Regional.
O primeiro, é o de que a fundamentação apresentada continua a divergir materialmente da fundamentação relativa a essa matéria comunicada ao beneficiário através do ofício n.º …, continuando, também, sem que se referir os elementos ou razões que expliquem essa divergência.
Mas, o segundo, cuja relevância me permito, desde já assinalar, é a admissão e o reconhecimento explícito de que”…o acto praticado possa ter sido baseado em elementos de prova entendidos como insuficientes…”.
35. Na verdade, esta última afirmação equivale à admissão por parte do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa Vale do Tejo, como havia sido anteriormente sustentado por esta Provedoria de Justiça, que o quadro fáctico que sustentou os actos de suspensão do pagamento do subsídio de desemprego e reposição de prestações se encontrava insuficientemente definido e caracterizado, por força da insuficiência dos meios de prova disponíveis.
36. Ora, no meu entender, face a essa constatação era de esperar, atentos os princípios da legalidade, da prossecução do interesse público no respeito pelos direitos e interesses dos cidadãos, da proporcionalidade e da justiça, previstos, respectivamente, nos art.ºs 3.º, 4.º, 5.º e 6.º, do Código do Procedimento Administrativo, que dela fossem, de imediato, retiradas as devidas consequências.
No entanto, o Centro Regional limitou-se a procurar novos argumentos que permitissem sustentar a sua posição, vindo, agora a aduzir como argumento a impossibilidade de promover a revogação dos actos administrativos em causa, por ser extemporânea com fundamento em invalidade e por a revogação de mérito se deparar com o obstáculo previsto no art.º 140.º, n.º 1, al. a), do Código do Procedimento Administrativo. A saber, o da irrevogabilidade dos actos vinculados.
37. Chegados a este ponto, não posso, desde já, manifestar a Vossa Excelência o meu lamento por constatar que o Centro Regional, numa área particularmente sensível como é a da protecção social, apesar de admitir, como admitiu, que se encontrava perante uma situação insuficientemente definida, tenha, na dúvida, optado por uma decisão que penalizava fortemente o beneficiário.
38. Continuando a apreciação das razões aduzidas pelo Centro Regional importa, no entanto, relembrar que o que havia sido recomendado fora a revogação dos actos administrativos com base no mérito e não com fundamento na sua invalidade.
Com efeito, já se sabia que, entretanto, havia decorrido o prazo de recurso contencioso pelo que os mesmos se haviam tornado inatacáveis com fundamento na sua invalidade.
39. Importa, pois, situar devidamente a questão suscitada e reafirmar que o que está em causa é a revogação dos actos com base no mérito.
No entanto, porque, atentas as circunstâncias, considero chocante que o Centro Regional venha invocar a impossibilidade decorrente do decurso do prazo do recurso contencioso, permita-me Vossa Excelência que teça uns breves comentários quanto aos factos de que resultou essa mesma impossibilidade.
40. Conforme se pode verificar, a invocação dessa impossibilidade por parte do Centro Regional é associada, senão imputada exclusivamente, a uma conduta do beneficiário que teria, supostamente, sido menos diligente.
No entanto, como decorre de alguns factos já referidos e doutros que passarei de seguida a referenciar, essa impossibilidade veio a verificar-se, essencialmente, por força do procedimento do Centro Regional.
41. Com efeito, o Centro Regional sustentou que, em Maio de 1995, quando o beneficiário solicitou a anulação dos actos questionados, já se tinha esgotado o prazo para efeito de recurso hierárquico e que o beneficiário poderia, ainda, ter impugnado judicialmente os actos administrativos em causa porque mesmo que “entendesse” que a notificação dos mesmos não continha todos os elementos, nomeadamente, a fundamentação integral da decisão, sempre poderia ter recorrido à possibilidade prevista no art.º 82.º, n.º 1, da LPTA.
42. Tais afirmações são proferidas esquecendo-se aquele Centro Regional que, nem sequer garantiu, como lhe competia por força do disposto no art.º 100.º do Código do Procedimento Administrativo, a audiência prévia do beneficiário antes de ser tomada a decisão final.
Isto, apesar de o direito à audiência prévia ser hoje considerado como a manifestação mais importante do direito de defesa.
43. Mas, esquece-se, também, aquele Centro Regional que, quando notificou o beneficiário dos actos administrativos estava obrigado a comunicar-lhe a respectiva fundamentação por força do disposto no art.º 68.º, n.º 1, al. a), do Código do Procedimento Administrativo e que apesar de estar em causa uma garantia consagrada no art.º 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, não o fez.
Sendo que, é escusado pretender sugerir que poderão existir diferentes “entendimentos” quanto á verificação efectiva daquela diligência, porquanto basta relembrar que aquele mesmo Centro Regional admitiu e, mais do que isso, lamentou, que a comunicação da fundamentação apenas tenha sido proporcionada ao beneficiário em 1997 (2).
44. Esquece-se, ainda, aquele Centro Regional que, face àquela omissão, o beneficiário requereu a emissão das certidões dos despachos que haviam determinado a suspensão do pagamento das prestações e a devolução das importâncias entretanto recebidas, a fim de conhecer a respectiva fundamentação, e que, apesar de lhe competir, por força do disposto no art.º 63.º daquele mesmo Código, emitir, no prazo de dez dias, as certidões solicitadas pelo beneficiário em Novembro de 1994, relativas à fundamentação dos actos administrativos em causa, apenas veio a comunicar-lhe essa fundamentação em Janeiro de 1997, isto é, mais de dois anos depois.
45. É, pois, neste contexto, em que num momento o Centro Regional admite ter apenas comunicado a fundamentação dos actos administrativos em Janeiro de 1997, noutro momento, sustenta que em Maio de 1995 já se havia esgotado o prazo de recurso hierárquico e, noutro momento, ainda, afirma que a convalidação daqueles actos apenas se tinha verificado em Janeiro de 1998 que se vem, agora, invocar a impossibilidade de revogar os actos administrativos com fundamento na sua invalidade.
46. No entanto, o recurso aos meios graciosos por parte do beneficiário para, no respectivo âmbito, exercer o seu direito de defesa era uma pretensão legítima, sendo que, ao contrário do que se pretende sugerir, competia, em primeiro lugar, ao Centro Regional garantir a eficácia daqueles meios (3).
47. A verdade, porém, é que nada impedia que as razões aduzidas pelo beneficiário em Maio de 1995 fossem ponderadas e que, se essa avaliação tivesse sido feita, o Centro Regional, procedesse, por sua iniciativa, à revogação dos actos administrativos em causa, com fundamento na respectiva invalidade (4).
48. A este propósito, importa, ainda, salientar que a tendência dos cidadãos, em geral, para recorrer aos meios graciosos não é de estranhar, nem, tão pouco, no caso concreto, a insistência nesses mesmos meios é de censurar.
Não é de estranhar, porque o recurso aos meios contenciosos de impugnação dos actos administrativos comportam ónus (nomeadamente, os de natureza financeira e os decorrentes de uma maior demora na resolução dos problemas suscitados) que os cidadãos tendem a evitar.
E, não é de censurar porque, no caso concreto, se verificavam razões claramente susceptíveis de ser reconhecidas no âmbito do processo gracioso (como, aliás, se verificou e foi reconhecido por aquele Centro Regional) e porque, assim sendo, é compreensível que o beneficiário esperasse que, com base nelas, o Centro Regional viesse a promover a revisão do processo.
49. Voltando, agora, à questão essencial que se prende com a possibilidade da revogação dos actos administrativos com base no mérito, o Centro Regional veio, como referi, invocar que a revogação dos actos administrativos com base no mérito não poderia ter lugar porquanto se estaria perante actos praticados no exercício de poderes vinculados.
50. Este argumento peca, contudo, por uma deficiente compreensão do conceito de acto vinculado, já que ao mesmo tempo que se invoca a natureza vinculada da actuação se admite que o quadro fáctico do qual essa actuação resultou está insuficientemente definido e caracterizado.
51. Como explica Mário Esteves de Oliveira (e outros, in Código do Procedimento Administrativo, 2.ª edição, a pags. 677) “Os actos válidos não podem, porém, ser revogados – nesse sentido e com esse alcance, claro – quando sejam fruto ou correspondam (ainda) a uma vinculação legal. Se a lei os impõe e eles foram praticados de acordo com ela, a sua revogação corresponderia a uma ilegalidade…” (o destaque é nosso).
52. Significa isto que a natureza vinculada do acto apenas pode obstar à sua revogação quando estão verificadas as circunstâncias em que o órgão deve exercer o poder que lhe está confiado.
Ora, como foi já demonstrado, a verificação das circunstâncias que obrigavam a que o Centro Regional exercesse o poder que lhe competia nesta matéria, está longe de ter sido demonstrada.
53. Pelo que, assim sendo, apesar de ser certo que não é, hoje, possível a revogação dos actos em causa, com fundamento na respectiva invalidade, também é certo que não subsiste qualquer obstáculo à sua revogação com base no mérito.
54. Atentas as razões atrás aduzidas e dado que não existia qualquer razão de mérito que desaconselhasse a revogação dos actos administrativos reiterei ao Senhor Presidente do Conselho Directivo do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo a recomendação anteriormente formulada, através do ofício n.º…, cuja cópia se junta.
55. Aquele Centro Regional veio responder, através do ofício n.º …, cuja cópia se junta, comunicando o não acatamento da Recomendação n.º 25/A/98, que reiterei em Outubro de 1998.
56. Se se atentar nos fundamentos aduzidos nesta resposta, verifica-se que, desta vez, ao contrário do acontecera anteriormente na resposta à recomendação, em que o não acatamento era fundamentado, essencialmente, em razões de ordem processual, os fundamentos do não acatamento voltam a prender-se, basicamente, com a matéria de facto.
57. Consideradas as situações anteriormente admitidas e as posições assumidas pelo Centro Regional, esta nova inversão no sentido da argumentação constitui, antes de mais, uma demonstração da conduta contraditória daquele organismo no presente processo.
58. Com efeito, as ordens de razões ora aduzidas constituem meras repetições dos argumentos anteriormente apresentados, pelo que, permito-me, quanto ao essencial, remeter Vossa Excelência para o anteriormente exposto a propósito dos mesmos.
59. Na verdade, o Centro Regional limita-se a proceder a uma “reciclagem” da matéria de facto, promovida através da revisão do significado a atribuir aos termos utilizados na caracterização da situação que fora objecto de verificação.
60. Faz-se, apenas, notar que, aparentemente, de acordo com aquele Centro Regional, tudo se resume à explicitação dos termos utilizados na descrição dos factos.
Esquece-se, porém, que, ainda que assim fosse, a questão dos termos utilizados não é despicienda, porquanto, na língua portuguesa, “localizado” não é sinónimo de “a trabalhar”, não sendo, portanto, aceitável qualquer explicitação que passe, apenas, pela atribuição de um mesmo significado aos dois termos.
61. Chegado a este ponto, não posso deixar de salientar a Vossa Excelência que a permanente variação da fundamentação dos actos administrativos questionados pelo beneficiário, que tem caracterizado a postura do Centro Regional na apreciação da situação em apreço, para além de afectar gravemente a credibilidade que deve caracterizar os procedimentos da Administração Pública, tem dado origem a um grave prejuízo do direito de defesa do beneficiário. Com efeito, este tem vindo hoje a ser confrontado com uma “acusação” e amanhã com outra, tendo, como ficou demonstrado, daí resultado o esvaziamento daquele direito.
62. Os princípios da boa fé, da justiça, da proporcionalidade e da prossecução do interesse público no respeito pelos direitos e interesses legítimos dos cidadãos impõem, pois, que se proceda à revogação dos actos administrativos em causa com base no mérito.
63. Atentas as razões aduzidas, RECOMENDO
a Vossa Excelência no sentido de desenvolver as diligências necessárias para que sejam revogados os actos que determinaram a suspensão o pagamento do subsídio de desemprego ao reclamante e a reposição das verbas recebidas no período compreendido entre o dia 3 de Fevereiro e 30 de Setembro de 1994, com base no mérito e nos termos do art.º 141.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
JOSÉ MENÉRES PIMENTEL
(1) A prova por presunção, exceptuando o caso das presunções “juris et jure”, admite contraprova, e por maioria de razão, prova do contrário (Ac. da Relação de Coimbra, de 27 de Junho de 1989 – Col. Jurispr., 1989, Tomo III, pag. 89).
(2) Como refere Mário Esteves de Oliveira (na obra atrás citada, a pags. 356) “O certo é que, sem lhe dar conhecimento da sua fundamentação, não se pode considerar satisfeita a exigência de comunicar ao interessado “o texto integral do acto administrativo”, exigência sobre a qual este preceito (conjugado com o do art.º 123.º do Código) é claríssimo, confirmando, assim, a proibição da notificação por extracto, contida no n.º 2 do art.º 30.º da Lei de Processo (salvo as excepções admitidas no n.º 2 do art.º 68.º do mesmo Código).”
(3) Saliente-se a este propósito Robin de Andrade que, em “Revogação dos actos administrativos” (pags. 251 e segs.), sustenta, como, aliás, uma grande parte da doutrina, que é de admitir a existência de uma obrigação legal, por parte da Administração, no sentido de revogar os actos ilegais.
(4) Relembre-se, também, que entendendo-se como foi entendido por aquele Centro Regional, que a “convalidação” dos actos administrativos apenas se verificou em Janeiro de 1998, a revogação dos actos administrativos, com base na sua invalidade, também poderia ter tido lugar na sequência da solicitação feita por esta Provedoria de Justiça, em 22 de Abril de 1997, face à reconhecida insuficiência da fundamentação de facto daqueles actos administrativos.