Gestor do Prodep
Rec. n.º 45A/2000
Proc. :R-2982/98
Data: 23-05-2000
Área: A 3
Assunto: EDUCAÇÃO – ENSINO PARTICULAR E COOPERATIVO – ENSINO ARTÍSTICO – SUBSÍDIO.
Sequência: Não acatada
1.O Conservatório Regional de Setúbal solicitou a intervenção do Provedor de Justiça junto do Prodep, tendo em vista a rectificação de um procedimento considerado em desconformidade com a lei e lesivo dos seus interesses, no âmbito do concurso em epígrafe.
Apreciada a questão, entendi ser procedente a reclamação apresentada, pelo que entendo formular a presente recomendação, tendo em vista a adopção de um procedimento que salvaguarde devidamente a posição do estabelecimento reclamante, bem como das normas aqui aplicáveis.
2.O concurso em epígrafe, inserido na Medida 1 do Prodep II, “Financiamento de Infra-estruturas e Equipamentos dos Ensinos Básico e Secundário”, destinava-se ao financiamento de infra-estruturas e equipamento dos ensinos básico e secundário em estabelecimentos de ensino básico particular e cooperativo.
A Acção 1.1, a que se reportava o concurso, tinha como objectivos ampliar, remodelar e equipar escolas do ensino básico e secundário, de forma a responder à procura da escolaridade obrigatória viabilizando a generalização do acesso à educação; equipar laboratórios e/ou oficinas, do novo ensino secundário tecnológico, nas escolas secundárias existentes; e equipar centros de recursos de escolas, laboratórios e cantinas escolares nos estabelecimentos de ensino básico e secundário – cfr. artigo 2.º do Regulamento do concurso em apreço.
Este Regulamento definia as condições de acesso e de elegibilidade dos estabelecimentos do seguinte modo: o artigo 4.º enunciava alguns requisitos que as instituições deviam preencher, relativas ao seu normal reconhecimento e funcionamento; o artigo 5.º exigia que os estabelecimentos a beneficiar da acção contribuíssem para colmatar carências em áreas não cobertas pelo ensino público e que apresentassem elevado valor acrescentando em termos pedagógicos, com realce para os aspectos inovadores e de diferenciação relativamente à oferta existente.
3.Foi neste quadro que o Conservatório Regional de Setúbal apresentou a sua candidatura ao apoio a atribuir, a qual foi excluída por este estabelecimento não ministrar ensino regular, sendo esta decisão que suscita a presente recomendação.
O Gabinete de Gestão do Prodep informou já a este propósito que a candidatura do
reclamante não poderia ser admitida por a acção 1.1 só contemplar entidades que ministrem o ensino regular; por outro lado por, nos termos do Documento Técnico de Acompanhamento do Prodep, apenas poderem beneficiar dos apoios em causa estabelecimentos inseridos e justificados na Carta Escolar das respectivas áreas ou, na sua falta, nas intervenções programadas no parque escolar das direcções regionais.
4. Entendo que a posição adoptada por esse Gabinete não se pode considerar como válida, à luz das normas aplicáveis em concreto bem como dos princípios que subjazem aos concursos públicos.
Assim, é característico do regime concursal a fixação prévia das principais condições procedimentais a observar pela Administração na escolha dos candidatos. Aberto o procedimento adjudicatório, a Administração fica “autovinculada” às condições por si fixadas, que deverão permanecer imutáveis até ao final do concurso, não sendo possível a sua alteração posterior salvo em “casos excepcionais, por razões de interesse público”.(1)Assim sendo, será exclusivamente com base nestas condições de elegibilidade que se aferirá em que medida cada candidatura poderá ou não ser admitida.
A tanto obriga não apenas o princípio da legalidade, no específico contorno que adquire no âmbito dos concursos públicos(2), mas também a boa-fé, cuja observância reveste aqui particular pertinência, atenta a sede pré-contratual em que o procedimento concursal se insere.
5. Tendo presente estas considerações, e retomando a apreciação do caso concreto, deve reconhecer-se que o afastamento da candidatura em apreço configura um acto inválido, por não se basear em nenhuma condição constante dos instrumentos que tornaram público o concurso, designadamente o Regulamento e o anúncio de concurso.
De facto, e ao contrário do que foi referido por esse Gabinete, a Acção 1.1 da Medida 1, atendendo aos objectivos que lhe foram fixados, constantes do anúncio do concurso, contempla não apenas estabelecimentos de ensino regular, mas também de ensino artístico, porventura de modo acrescido em relação aos primeiros, considerando as carências que neste domínio ainda se registam no ensino público, bem como o carácter inovador que o ensino artístico reveste.
De resto, o suposto carácter restritivo da Medida 1.1 não ficou plasmado em nenhuma das cláusulas do regulamento, designadamente naquelas que descrevem esta medida e os seus objectivos.
Por outro lado, também não foi previamente publicitada a limitação das entidades beneficiárias às entidades que constassem da Carta Escolar, pelo que não pode esse requisito ser oposto aos candidatos presentes ao concurso, nos termos já atrás enunciados.
6. Verifica-se, portanto, uma conduta ilícita da Administração, susceptível de provocar danos para o particular, neste caso, o Conservatório Regional de Setúbal, reportado ao não recebimento cio subsídio a que poderia eventualmente ter direito se, a ter sido admitida a sua candidatura, fosse a mesma considerada elegível.
Nesse caso, o procedimento em apreço terá gerado na Administração responsabilidade pelos danos causados, cujo ressarcimento caberá agora realizar, nos termos gerais dos artigos 483.º e 562.º do Código Civil e da aplicação conjugada dos artigos 2.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967.
Importa, nesse sentido, apurar qual o dano efectivamente sofrido, algo que apenas poderá ser feito por via de uma nova seriação de todos os candidatos a este concurso, desta feita admitindo-se a candidatura do Conservatório reclamante, de modo a aferir se, em condições normais, a sua candidatura teria sido contemplada e em que termos.
A concluir-se pela elegibilidade da candidatura, será devido ao Conservatório o valor do subsídio que receberia, não já à luz do concurso, cujo resultado final está já naturalmente cristalizado, mas do regime geral da responsabilidade extracontratual do Estado.
7. Atento o exposto, e ao abrigo dos poderes que me são legalmente pelo artigo 20.°, n.° 1 do Estatuto do Provedor de Justiça, contido na Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, tenho por bem formular a Vossa Excelência a seguinte RECOMENDAÇÃO:
a) que, para efeito do apuramento dos danos causados ao Conservatório Regional de Setúbal no âmbito do concurso em epígrafe, se apure se, caso não tivesse sido rejeitada a candidatura do Conservatório, este seria contemplado com a atribuição de algum financiamento;
b) em caso afirmativo, seja agora atribuído ao Conservatório o montante correspondente ao subsídio em causa, nos termos da responsabilidade por factos ilícitos.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
JOSÉ MENÉRES PIMENTEL
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(1) Nesse sentido, cfr. Oliveira, Esteves “Concursos e Outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa”, Almedina, 1998, pag. 228 e ss.
(2) cfr. Cabral Margarida, “O Concurso Público nos Contratos Administrativos”. Almedina, 1997, pag. 254.