Presidente da Câmara Municipal de Loures
Rec. n.º 11/A/00
Proc.:R-2681/99
Data:2000-02-15
Área: A 1
Assunto: RESPONSABILIDADE CIVIL. RESERVA AGRÍCOLA NACIONAL. DEMOLIÇÃO ILEGAL. INDEMNIZAÇÃO.
Sequência: Não Acatada
I- Exposição dos motivos
1.º- Descrição dos factos
1.Em diversas queixas a este Órgão do Estado foi contestada a operação de demolição, pela Câmara Municipal de Loures, de instalações pertencentes à Igreja …, sitas na rua …, Santo Antão do Tojal, município de Loures, e solicitada a minha intervenção.
2.Alegaram os reclamantes que a actuação desse município foi desconforme às normas urbanísticas vigentes e que a demolição das mencionadas instalações representou um acto de perseguição àquela Igreja, bem como uma ofensa à liberdade de religião e de culto dos seus fiéis.
3.Em resposta ao meu ofício n.º …, solicitando esclarecimentos a V.Ex.ª acerca da situação denunciada, foi remetida cópia do processo administrativo, no âmbito do qual se determinou a demolição contestada, e dos antecedentes que levaram à prática daquele acto e da posterior intervenção. Foi igualmente facultada cópia da petição através da qual a Igreja … veio interpor recurso contencioso de anulação do acto que determinou a demolição contestada.
4.Apreciados os elementos trazidos à instrução do presente processo, três questões essenciais se colocam relativamente à apreciação da conduta da Câmara Municipal de Loures.
5.Em primeiro lugar, fundando-se o acto administrativo que determinou a demolição na falta de licença municipal, importa esclarecer se, atendendo às características das instalações demolidas, estariam as mesmas sujeitas a licenciamento administrativo prévio, nos termos do Regime Jurídico do Licenciamento Municipal de Obras Particulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro (adiante o “RJLMOP”).
6.Esclarecida a questão antecedente, e caso as instalações em causa se considerem obras de construção civil, sujeitas ao RJLMOP, deverá apurar-se se a sua demolição poderia ser evitada, em nome do princípio da proporcionalidade, concretizado no artigo 167.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38 382, de 7 de Agosto de 1951.
7.Por último, importa apreciar da legalidade tanto do acto através do qual foi determinada a demolição, como do procedimento de execução coerciva pelos serviços da Câmara Municipal de Loures.
2.º- Do âmbito de aplicação do Regime Jurídico do Licenciamento Municipal de Obras Particulares
8.Em termos urbanísticos, cabe aos municípios a prossecução dos interesses públicos relativos à estética, segurança, salubridade e ordenamento do território, garantindo que a eles seja conforme a realização de obras ou de trabalhos de construção civil.
9.De acordo com o estabelecido no artigo 1.º, n.º 1, alínea a), do RJLMOP, a actividade humana de realização de obras ou trabalhos que representem um aproveitamento urbanístico dos solos encontra-se sujeita a licenciamento prévio pelos municípios. No mesmo sentido se dispõe no artigo 64.º, n.º 5, alínea a), do Regime Jurídico do Funcionamento e Competência dos Órgãos Autárquicos, aprovado pela Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro, que mantém a exigência de licenciamento municipal prévio, já decorrente da anterior Lei das Autarquias Locais (Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março).
10.Às câmaras municipais encontra-se atribuído o poder de conceder licenças para a realização de obras de construção civil de novos edifícios e a reconstrução, ampliação, alteração, reparação ou demolição de edifícios já existentes, e ainda para os trabalhos que impliquem alteração da topografia local, desde que destinados a fins urbanísticos, ou seja, fins que excedam um aproveitamento ou exploração conforme à sua própria natureza (agrícola, florestal, pecuária ou cinegética).
11.A exigência de licenciamento municipal prévio está, assim, dependente da natureza da obra a realizar e da respectiva classificação como obra de construção civil ou trabalho susceptível de alterar a topografia do lugar de implantação.
12.A doutrina e a jurisprudência têm definido como características fundamentais das obras de construção civil a inamovibilidade e a permanência. Apenas os trabalhos de construção civil que se mostrassem efectivamente ligados ao solo, ou a edifício pré-existente, e afectos a um fim não transitório, suscitariam questões de salubridade, segurança, estética paisagística e ordenamento urbanístico, constituindo motivo justificativo de controlo autárquico e sujeição a procedimento administrativo prévio.
13.A este respeito, António Pereira da Costa define “obra de construção civil” como “o conjunto erigido pelo homem, com quaisquer materiais, reunidos e ligados artificialmente ao solo ou a imóvel com carácter de permanência, com individualidade própria e distinta dos seus elementos” (Regime Jurídico de Licenciamento de Obras Particulares anotado, Coimbra Editora, 1993, pp. 24 e seguintes).
14.Também a jurisprudência tem entendido não se encontrarem sujeitas a licenciamento municipal as obras de carácter transitório, desmontáveis ou amovíveis, mostrando-se, a contrario, a inamovibilidade e a permanência pressupostos da exigibilidade do licenciamento.
15.As instalações objecto da operação de demolição levada a cabo pela Câmara Municipal de Loures consistiam numa estrutura metálica, sobre a qual assentava um pavimento de madeira. Este pavimento representava o chão de um pavilhão insuflável, utilizado como local de culto da Igreja … .
16.Dos documentos recolhidos pela instrução, nomeadamente da petição de recurso contencioso de anulação do acto que determinou a demolição reclamada, parece decorrer que a recorrente considera não poderem as instalações demolidas integrar o conceito de obra de construção civil, motivo pelo qual estariam dispensadas do procedimento de licenciamento municipal.
17.Alega-se que a instalação revestia natureza amovível, sem integração relevante no solo, destinando-se a utilização transitória até à construção de uma igreja definitiva.
18.Atentas, porém, as características das instalações demolidas que decorrem dos documentos e elementos fotográficos juntos a este processo, parece-me incorrecta a conclusão de que as mesmas não seriam obras de construção civil.
19.Na verdade, as estruturas metálicas, objecto da operação de demolição, apresentavam uma ligação efectiva ao solo, ainda que, na petição de recurso, a recorrente considere essa integração como pouco relevante. Assim o revelam as fotografias da operação e dos seus resultados, comprovando significativa intervenção no local da demolição, bem como alteração das características físicas do solo.
20.Fazendo apelo ao conceito supra transcrito de obra de construção civil, resulta que as estruturas metálicas demolidas, acrescidas dos restantes componentes do equipamento utilizado como local de culto, constituíam um todo caracterizado por individualidade própria, merecendo, aliás, o conjunto a designação de “Bolha”. Caso fosse dotada de carácter amovível, a instalação seria susceptível de deslocação, sem perda da sua individualidade construtiva. Observadas as fotografias, mostra-se inviável que as estruturas em causa pudessem ser reorganizadas em diferente local, de forma a constituir, novamente, o anterior conjunto.
21.Mais, julgo não ser procedente o argumento de acordo com o qual as instalações seriam dotadas de carácter não permanente, uma vez que a “Bolha” existia há cerca de oito anos, continuando, segundo a Igreja …, a ser utilizada até que fosse “possível erigir uma igreja definitiva” (cfr. petição de recurso). A permanência da construção terá de ser apreciada em função do fim a que se encontra afecta e segundo critérios de razoabilidade. Assim, fazendo apelo aos referidos critérios de razoabilidade, não poderá deixar de se concluir que a utilização pelo período de tempo decorrido, bem como a ausência de qualquer previsão acerca da construção de novo local de culto, revelam a natureza não transitória daquelas instalações.
22.Por último, ainda que se questionem as conclusões sobre a subsunção das estruturas demolidas ao conceito de obra de construção civil, não restará qualquer dúvida acerca do facto de aquelas constituírem alterações à topografia do local. E, de acordo com o regime legal anteriormente referido, encontram-se também sujeitas a licenciamento municipal prévio as obras que importem uma alteração da topografia local e se destinem a fins de natureza não exclusivamente agrícola. Destinando-se as instalações demolidas, acrescidas de outros elementos, a servir de local de culto religioso, excedem qualquer fim urbanístico decorrente da natureza do solo, pelo que não estariam dispensadas de prévio licenciamento municipal.
3.º- Dos pressupostos materiais da demolição
23.Tendo concluído pela sujeição das instalações a prévio licenciamento municipal, importa agora apurar se a sua demolição poderia ter sido evitada.
24.Em face de obras de construção civil efectuadas à revelia do necessário procedimento administrativo, e considerando os interesses públicos cuja realização cumpre assegurar no domínio urbanístico, aos órgãos municipais encontram-se conferidos poderes que visam garantir a reposição da legalidade urbanística.
25.Deste modo, em conformidade com o estipulado nos artigos 57.º e 58.º do RJLMOP, são cometidos ao presidente da câmara poderes para ordenar o embargo, decretar a demolição de obras ilegais ou determinar intimação com vista à reposição de terrenos na situação anterior à realização dos trabalhos irregulares.
26.De acordo com a redacção do citado artigo 58.º, parece que o poder para decretar a demolição é de exercício discricionário. Todavia, da articulação desta norma com a contida no corpo do artigo 167.º do RGEU, resulta que a demolição de uma obra ilegal poderá ser evitada desde que se considere que a mesma seja susceptível de vir a satisfazer os “requisitos legais e regulamentares de urbanização, de estética, de segurança e de salubridade”. Mostrando-se a obra irregular insusceptível de legalização, em face dos requisitos enunciados, o poder de ordenar a demolição é vinculado. Neste sentido tem entendido, maioritariamente, a jurisprudência (Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, 1.ª Secção, de 11-6-1987, BMJ, n.º 368, pág. 387; Ac. STA, 1.ª Secção, de 6-11-1990, AD, n.ºs 13-14, pág. 35; Ac. STA, de 18-2-1982, na Rev. Dir. Adm., ano 3.º, n.º 11, pág. 79).
27.Os ofícios trocados entre a Direcção Regional de Lisboa do Instituto Português do Património Arquitectónico e esse município, cujas cópias integram a instrução do processo, demonstram que as instalações demolidas foram implantadas em zona de protecção do Palácio da Mitra, imóvel classificado como monumento nacional (cfr. Decreto n.º 30 762, de 26-09-1940 e Decreto n.º 32 973, de 18-08-1943). De acordo com o disposto no Regime de Protecção do Património Cultural, aprovado pela Lei n.º 13/85, de 6 de Julho, as zonas de protecção de imóveis classificados constituem servidões administrativas, encontrando-se o licenciamento municipal de obras de construção civil naquelas áreas sujeitas a prévia autorização do Ministro da Cultura (artigo 23.º). Na falta daquela autorização, as instalações construídas pela Igreja … não poderiam ser objecto de licenciamento prévio ou de procedimento de legalização pela Câmara Municipal de Loures.
28.Mais se verifica que as instalações em causa foram construídas em solos de uso exclusivamente agrícola, nos termos e para os efeitos do disposto na Portaria n.º 1040/92, de 6 de Novembro, que aprova a carta da Reserva Agrícola Nacional para o município de Loures. Ora, naqueles terrenos nunca seriam permitidas as instalações demolidas, uma vez que, conforme o regime da RAN, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho, apenas se admitem, genericamente, construções destinadas ao apoio da actividade agrícola e à habitação de agricultores.
29.Na petição de recurso contencioso, alega a Igreja … ter obtido autorização da Comissão Regional da Reserva Agrícola do Ribatejo e Oeste para a instalação da “Bolha” em solos de uso agrícola. Todavia, tal autorização é consequência da classificação da “Bolha” como equipamento amovível, dispensado de licenciamento municipal, ao invés de obra de construção civil. Alega-se que a autorização da CRRARO foi concedida ao abrigo do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho, no qual se disciplina a autorização para utilizações não agrícolas de solos integrados na RAN que “… não dependam de licença, concessão, aprovação ou autorização de entidades públicas.”. Constituindo as instalações demolidas obras de construção civil, sempre estariam dependentes de licença da Câmara Municipal de Loures, e, consequentemente, fora do âmbito de aplicação do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 196/89.
30.Apreciados os condicionalismos urbanísticos aplicáveis ao local, não poderei deixar de concluir que as instalações da Igreja Cristã … eram insusceptíveis de legalização, motivo pelo qual, atenta a natureza vinculada do poder de ordenar a demolição, não poderia aquela operação ser evitada.
4.º- Da ordem de demolição
31.Determinada a inevitabilidade da demolição, interessa agora apurar da legalidade da ordem de demolição e da sua conformidade com o procedimento de execução coerciva, disciplinado no Decreto-Lei n.º 92/95, de 9 de Maio, onde se procuram acautelar, essencialmente, os direitos dos administrados e prevenir contra sacrifícios excessivamente impostos com a adopção de medidas de polícia urbanística.
32.Conforme se estabelece no artigo 58.º, n.º 3, do RJLMOP, deverá ser facultada a audiência prévia dos interessados, sendo-lhes concedido um prazo de oito dias para pronúncia sobre a intenção de ser efectuada a demolição. Apresentada a contestação, ou terminado o prazo para a mesma, será ordenada a demolição, no caso de se confirmarem os respectivos pressupostos de facto e de direito.
33.Através do ofício …, foi a Igreja … notificada para se pronunciar, em conformidade com o previsto no artigo 58.º, n.º 3, do RJLMOP, tendo apresentado contestação à Câmara Municipal de Loures em 10-12-1998. Dos documentos obtidos pela instrução retira-se que, com esta notificação, não foi enviado projecto de decisão ou outra fundamentação para além da constante naquele ofício. Acresce que a notificação fez referência a eventual ordem de reposição, ao invés de se referir a demolição.
34.Analisado o teor daquela notificação, considero que a ausência de outros fundamentos para além do que nela vem referido (” … obras executadas, no local supra indicado, sem licença municipal, …”) não constitui vício adequado a questionar a validade da posterior ordem de demolição, como invoca a Igreja … no âmbito do recurso contencioso. Em observância ao princípio da participação dos particulares nas decisões que lhes respeitam, foi assegurada a audição da Igreja …, que se pronunciou sobre o objecto da notificação, demonstrando assim ter apreendido o seu conteúdo. E, por maioria de razão, sublinhe-se que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem admitido que nem sempre a omissão de audiência prévia atinge a validade de posterior decisão, em termos que impliquem a sua anulabilidade (por todos, o Acórdão do Pleno da Secção do STA de 17-12-1997, Proc. 36001).
35.Quanto à designação da operação pretendida como de reposição do solo na situação anterior, verifico não ter esse município utilizado adequadamente a terminologia legal:
“A demolição da obra e a reposição do terreno podem ser ordenadas conjunta ou separadamente, consoante a natureza das obras ou trabalhos realizados, não sendo esta última, necessariamente, um mais em relação à primeira.
A reposição do terreno é, por exemplo, uma medida adequada aos casos em que apenas tenham sido realizadas obras de terraplanagem ou de escavação, não podendo, naturalmente, ser ordenada nos casos em que se trate de obras de alteração de uma edificação já existente.
Tratando-se de uma obra de raiz em solos que não eram anteriormente objecto de qualquer aproveitamento urbanístico, a reintegração da realidade física ilegalmente alterada pressuporá, normalmente, quer a demolição da obra realizada, quer a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data do início daquela..” (in Legislação Fundamental do Direito do Urbanismo Anotada e Comentada, Volume II, pág. 949, Lex Edições Jurídicas, Lisboa 1994, António Duarte de Almeida e outros).
36.Constituindo as instalações demolidas obras de construção civil, sujeitas a prévio licenciamento municipal (e sendo esse, aliás, o fundamento para a actuação da Câmara Municipal de Loures), a reposição do terreno no estado anterior à realização da obra foi, erradamente, considerada a operação adequada à reposição da legalidade urbanística e não normal consequência da demolição da obra irregular. Parece-me este aspecto constituir mera irregularidade, sem consequências na dimensão da validade do acto, pois a disciplina estabelecida no artigo 58.º do RJLMOP aplica-se tanto à reposição do terreno na situação anterior aos trabalhos irregulares, como à demolição da obra ilegal.
37.Tendo esse município estimado improcedentes os argumentos invocados pela Igreja …, foi determinada a demolição das instalações em causa, por decisão do Exmo. Vereador com o Pelouro da Administração Urbanística, através da qual se concordou com a informação do seguinte teor:
Notificado a pronunciar-se no prazo de 8 dias, nos termos do n.º 3 do artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, veio o infractor pronunciar-se, conforme (fls. 10), não tendo apresentado qualquer elemento novo que, no plano jurídico, altere a perspectiva de reposição da legalidade por via da reposição do terreno no estado anterior à execução da obra.
Face ao exposto solicita-se despacho que determine a reposição à situação inicial, nos termos do n.º 1 do artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro.
38.No artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo consagra-se legalmente a garantia constitucional de fundamentação dos actos administrativos, formulada no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa. De acordo com o disposto no n.º 1, alínea c), daquela norma, os actos que decidam em contrário de pretensão ou oposição apresentada pelo interessado devem ser devidamente fundamentados. A invocação dos fundamentos, de facto e de direito, para a prática de certo acto administrativo, deverá, ainda que sucintamente, mostrar-se apta a revelar as razões determinantes da decisão e o seu sentido. Poderá consistir na declaração de concordância com parecer, informação ou outro elemento que permita reconhecer as razões da prática do acto e que, assim, fará parte integrante daquele (artigo 125.º do CPA).
39.O despacho que determinou a operação contestada, decidindo de forma contrária à posição assumida pela Igreja … em sede de audiência prévia, carecia de fundamentação factual e normativa expondo os motivos da sua prática. A informação acima transcrita, à qual aderiu o acto administrativo, limita-se a nomear os artigos do RJLMOP nos quais se prevê a demolição de obras irregulares, não procedendo a qualquer tipo de descrição do ocorrido, nem nomeando as normas às quais se pretendem subsumir os factos que justificam a demolição.
40.O acto administrativo em questão encontra-se, assim, afectado de vício de forma por inexistência de fundamentação, o que implica a sua anulabilidade.
41.E de novo a operação para reintegração da legalidade urbanística vem classificada como de reposição do solo na situação inicial, circunstância que não assume especial relevância, como atrás se referiu.
42.É ainda estabelecido no artigo 58.º, n.º 1, do RJLMOP, que a ordem de demolição da obra (ou de reposição do terreno nas condições anteriores) fixará o prazo dentro do qual deverá a mencionada intervenção ocorrer. No mesmo sentido se dispõe no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 92/95, de 9 de Maio, mais se impondo que a ordem de demolição proceda à fixação dos trabalhos a efectuar.
43.Em confronto com o teor do acto reproduzido no ponto 37, verifico que a ordem de demolição não respeitou o regime determinado nas normas acima indicadas, mostrando-se omissa quanto à identificação das obras a demolir e ao prazo para a respectiva concretização. Nem se poderá argumentar que as notificações do acto à Igreja …, em 25-01-1999 e em 17-03-1999, referindo-se no seu texto às estruturas metálicas como objecto da operação e estipulando um prazo de trinta dias para realização dos trabalhos de demolição, se mostram adequadas a suprir esta invalidade, em face da sua natureza meramente declarativa. Novamente se verifica a invalidade do acto por desconformidade do seu conteúdo com as regras jurídicas aplicáveis.
5.º- Da execução coerciva da ordem de demolição
44.Incumprida a ordem de demolição, e uma vez que a Igreja … não requereu judicialmente a suspensão provisória da eficácia daquele acto (artigos 75.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho – Lei de Processo dos Tribunais Administrativos), a Câmara Municipal de Loures determinou a posse administrativa do terreno, por meio de acto com data de 18-06-1999.
45.A execução coerciva da demolição vem regulada no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 92/95, de 9 de Maio, de acordo com o qual, o dono da obra e os titulares de direitos reais sobre o terreno serão notificados do acto que tiver determinado a posse administrativa, mediante carta registada com aviso de recepção. A posse administrativa terá lugar através da elaboração do respectivo auto, no qual, para além de menção à data do acto que determinou a posse administrativa, se identificarão os titulares de direitos reais sobre o imóvel e se procederá à descrição do estado do terreno antes da posse, indicando outras construções eventualmente existentes e equipamentos que não tenham sido selados (artigo 7.º, n.º 3).
46.Compulsados os elementos instrutórios, conclui-se que o acto determinante da posse administrativa não terá sido notificado por carta registada com aviso de recepção, só tendo a Igreja … conhecimento do mesmo quando da elaboração do auto de posse administrativa em 28-07-1999, data do começo da intervenção coerciva. Daqui resulta a preterição da formalidade prevista no artigo 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 92/95, de 9 de Maio, o que, não afectando a validade do acto de posse administrativa, tem como resultado a sua ineficácia relativamente à Igreja ….
47.Em resumo, para além do acto que determinou a demolição se encontrar afectado dos vícios mencionados no parágrafo anterior, também a eficácia do acto de posse administrativa se revela prejudicada por inobservância das formalidades previstas para o momento posterior à sua prática.
6.º- Da liberdade de religião e de culto
48.Por último, uma referência ao facto de a quase totalidade das queixas que me foram dirigidas afirmar que a operação de demolição representou um acto de perseguição religiosa por parte da Câmara Municipal de Loures, lesivo dos direitos fundamentais de liberdade de religião e de culto, consagrados no artigo 41.º da Constituição da República Portuguesa.
49.A este respeito, entendo que o acto que determinou a demolição (e, do mesmo modo, o procedimento para a execução coerciva) não constitui uma oposição ao exercício da liberdade de culto dos membros da Igreja …, mas apenas a proibição de actividades religiosas em instalações irregulares, desconformes à legalidade urbanística e insusceptíveis de regularização.
50.Como decorre de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo “… o direito fundamental de liberdade religiosa não exime do cumprimento de outros deveres legais, designadamente resultantes de normas de direito urbanístico (…) desde que tais deveres não constituam restrições àquele direito que ultrapassem de forma inadmissível e inadequada os princípios da necessidade e proporcionalidade.” (Acórdão da 1.ª Secção do STA, de 28-05-1998).
II- Conclusões
Consumada a demolição das instalações da Igreja …, embora de forma ilegal, e mostrando-se inviável a reconstituição da situação material anterior à operação contestada, porque ilegal seria também, não vejo interesse útil em recomendar a revogação do acto que determinou a demolição ou a repetição do procedimento de execução coerciva.
Do mesmo modo, não me cabe recomendar a reparação de danos cujo ressarcimento possa resultar de sentença proferida no âmbito do recurso de anulação interposto pela Igreja Cristã Maná.
Assim, RECOMENDO:
1.º Que a Câmara Municipal de Loures reconheça publicamente a irregularidade na fundamentação e execução da demolição efectuada, uma vez que, apesar de munida de razões substantivas para proceder à demolição, agiu de modo pouco diligente no cumprimento das formalidades determinadas pela lei relativamente a esse tipo de actos ablativos.
2.º Que o município de Loures se disponha a indemnizar os eventuais prejuízos que a Igreja … prove terem causa directa e adequada naquelas irregularidades, ou seja, apenas os danos que não se verificariam no caso de terem sido escrupulosamente cumpridas as formalidades próprias do acto que determinou a demolição e da operação material reclamada.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
JOSÉ MENÉRES PIMENTEL