Comissão Nacional das Provas Específicas de Acesso ao Ensino Superior
Rec. nº 119/A/1993
Processo: IP-31/93
Data: 19-8-1993
Area: A3
ASSUNTO: EDUCAÇÃO E ENSINO – ENSINO UNIVERSITÁRIO – ACESSO – PROVA ESPECÍFICA – ACESSO A DOCUMENTOS
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
1. Das alterações recentemente aprovadas em matéria de acesso ao ensino superior resultou um sistema dualista composto por um exame nacional (prova de aferição) e por provas especificas de selecção para cada uma das instituições de ensino.
De acordo com esta opção do legislador foram definidos os traços gerais do regime de acesso ao ensino superior, através da publicação do Decreto-lei nº 189/92, de 3 de Setembro. Restava, pois, regulamentar tal diploma em vários aspectos, designadamente no tocante à prova de aferição e às provas específicas.
Quanto ao primeiro aspecto, foi aprovado pelo Ministro da Educação o regulamento respeitante ao ano de 1993, pela Portaria nº 266-A/93, de 10 de Março. Quanto às provas específicas, tal competência regulamentar fora confiada, nos termos do Art.15º, do já mencionado Decreto-lei nº 189/92, ao órgão destinatário da presente Recomendação.
Tal competência é confinada, porém, à definição das regras técnicas sobre organização, realização e classificação das provas específicas.
Neste sentido, a Comissão Nacional das Provas Específicas de Acesso ao Ensino Superior, invocando a referida competência, deliberou em 25 de Fevereiro de 1993 a aprovação de um conjunto de normas para as provas a realizar no ano em curso.
2. O texto da deliberação, publicado em Diário da República (II Série, de 8 de Abril de 1993, pp 3799), contém uma norma que pelo seu conteúdo não poderia deixar de justificar a intervenção do Provedor de Justiça. Reporto-me à parte final do nº 4.3 da deliberação.
Com efeito, a propósito da reclamação da classificação, já cingida a aspectos técnicos (“erro de cálculo ou omissão de classificação parcial”), ali se afirma que “o reclamante não terá direito a consulta ou cópia da prova”, contrariamente ao que expressamente é garantido para a prova de aferição (cfr. Arts. 24º e segs. do respectivo regulamento, aprovado pela Portaria nº 266-A/93, de 10 de Março).
Não fora a manifesta ilegalidade material da norma em questão e seria até de admitir a discussão sobre se este aspecto merece ou não ser incluido nas regras técnicas para cuja definição é competente a Comissão.
3. Com efeito, vedar a consulta de uma prova quer presencialmente, quer mediante cópia, a quem a realizou, restringe de forma acentuada as garantias de objectividade e homogeneidade na avaliação e atribuição das classificações definidas no Art. 16º, nº 1, alínea b), do Decreto-lei nº 189/92, de 3 de Setembro.
4. Há-de reconhecer-se, por outro lado, como perfeitamente incongruente o facto de a lei conferir um direito de reclamação das classificações aos estudantes sem que estes possam ter acesso ao objecto da própria reclamação. A incongruência é tanto mais significativa quanto a matéria da reclamação foi reduzida aos aspectos de cotação. Em caso algum será legítimo exigir ao reclamante que se recorde fielmente da prova produzida e muito menos que possa arguir um erro de cálculo ou a omissão parcial de uma classificação sem qualquer espécie de consulta.
A norma em apreço viola assim também, nos termos expostos, o citado direito de reclamação, consagrado quanto às provas específicas no Art. 15º, nº 1, alínea f), do Decreto-lei nº 189/92, de 3 de Setembro.
5. As normas regulamentares, exceptuando o caso dos regulamentos autónomos, são simples normas de execução da lei. Não podem, como tal, dispor contra a lei, muito menos contra a lei que visam concretizar. Por isso, o legislador não se furtou a criar um meio contencioso de impugnação de normas regulamentares (cfr. Arts. 63º e segs. da Lei do Processo nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-lei nº 267/85, de 16 de Julho), por forma a garantir o princípio da legalidade na actuação da Administração Pública, o qual se inscreve no Art. 266º, nº 2, da Constituição e no Art. 39 do Código do Procedimento Administrativo.
6. Aliás, a norma regulamentar visada colide com outras disposições do Código do Procedimento Administrativo, já que faz ceder o direito à informação por parte dos administrados (vd. Art. 62º, nº 1, quanto à consulta), assim como o princípio da administração aberta (Art. 65º, CPA).
7. Sem qualquer dificuldade, pode observar-se serem as referidas normas do Código do Procedimento Administrativo verdadeiras concretizações de direitos fundamentais dotados de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias. Assim, estão em causa, essencialmente os direitos contidos nos nºs 1 e 2, do Art. 268º do texto constitucional, isto é, o direito à informação e o direito de acesso a todos os documentos por parte dos administrados.
Admite a Constituição, contudo, certas restrições a estes direitos – “matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas”. O certo, porém, é que nenhum destes valores está ou poderia estar em causa de modo a justificar a proibição de consulta de uma prova lectiva.
CONCLUSÃO
O regulamento aprovado em 25 de Fevereiro de 1993 pela Comissão Nacional das Provas Específicas de Acesso ao Ensino Superior (Edital nº 1/93, DR, II Série, 08.04.1993), na parte onde se afirma que “o reclamante não terá direito a consulta ou cópia da prova”, é inválido por dispor contrariamente à lei que executa (o Decreto-lei nº 189/92, de 3 de Setembro), por violar os Arts. 61º e 65º do Código do Procedimento Administrativo e por ofender duas normas constitucionais (as normas contidas nos nºs 1 e 2, do Art. 268º).
Assim, face ao exposto e no uso das competências que me são conferidas pelo Art. 20º, nº 1, alinea a), do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei nº 9/91, de 9 de Abril,
RECOMENDO:
1º – A revogação da citada norma, através de nova deliberação da Comissão.
2º – A comunicação desta decisão a todos os estabelecimentos de ensino superior onde se realizem provas específicas, por forma a impedir que apesar da revogação subsistam situações de inibição de consulta de provas ou de obtenção de cópias.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
José Menéres Pimentel