Presidente do Conselho de Administração da Caixa Geral de Aposentações
Número:34/A/97
Processo:R-972/96
Data:30.04.1997
Área: A3

Assunto: SEGURANÇA SOCIAL – TRABALHADOR BANCÁRIO – CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO MILITAR – APOSENTAÇÃO – ESTATUTO DA APOSENTAÇÃO – ARTIGO 13 – N.º 4.

Sequência:Acatada

1. Um trabalhador bancário dirigiu-me uma reclamação, invocando que a Caixa a que V.Exa preside não procedeu oficiosamente ao recálculo da dívida de descontos por contagem de tempo de serviço militar na sequência da nova redacção conferida ao art. 13º do Estatuto da Aposentação pelo art. 7º da Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro, que veio prever a aplicação de uma taxa de 2% àquele tipo de quotas. Na verdade, tendo solicitado, em 5 de Fevereiro de 1996, a devolução da quantia em excesso resultante da diminuição da taxa aplicável, respondeu-lhe a Caixa que, para beneficiar da taxa de 2%, se tornaria necessária a desistência do pedido inicial de contagem de tempo de serviço e a formulação de novo requerimento, sendo certo que a nova taxa apenas seria aplicada ao montante em dívida à data deste último pedido.

2. Indagada sobre as razões de tal exigência, veio essa Caixa informar os meus serviços que assim o impunha o regime constante do art. 13º, n.º 3 do Estatuto da Aposentação, pelo que a revisão oficiosa dos montantes em dívida “seria geradora de ilegalidade”. Entendeu, igualmente, que não havia que buscar nas normas gerais do Código Civil a solução para a questão de saber qual o âmbito temporal de aplicação do art. 13º, n.º 4 do Estatuto da Aposentação, porquanto àqueles preceitos apenas se deve recorrer em caso de dúvida e, na situação em análise, a norma do art. 13º, n.º 3 dissipa qualquer incerteza ao dispor que as quotas são liquidadas pela taxa vigente à data do requerimento.

3. É certo que as regras do Código Civil sobre aplicação de lei no tempo apenas cumprem a sua função quando o preceito a interpretar nada dispõe sobre o seu âmbito temporal de aplicação. Ora, no caso em apreço, a Lei n.º 75/93 é omissa quanto à questão de saber se a norma do art. 13º, n.º 4, então criada, se aplica só aos novos pedidos de contagem de tempo ou também às dívidas que ainda não tenham sido integralmente liquidadas. Por outro lado, não se afigura de modo algum líquido que esta dúvida de aplicação no tempo encontre solução na norma do n.º 3 do mesmo artigo. A meu ver, a interpretação sistemática do novo preceito conduz a conclusão exactamente oposta à formulada pela Caixa: o preceito contido no n.º 4 afasta a aplicação do número anterior.

4. Com efeito, o preceito em apreço constitui norma especial relativamente ao número anterior do mesmo artigo quanto a três aspectos:

a) o grupo de pessoal abrangido: trata-se de trabalhadores que não são subscritores da Caixa Geral de Aposentações, mas beneficiários de um regime privativo de segurança social, donde resulta a inaplicabilidade a estes trabalhadores das regras dirigidas aos subscritores da Caixa;
b) a natureza das funções: o preceito não se refere à contagem de qualquer tipo de serviço, mas apenas ao período de serviço militar; e
c) a taxa de descontos aplicável: No que a este último aspecto diz respeito, importa salientar que é fixada uma regra que não se traduz na remissão para a taxa vigente à data do requerimento, contida no número anterior: diversamente, passa a ser aplicável, simplesmente, a taxa de 2%, sem qualquer distinção de natureza temporal ou outra.

5. Assim, se a norma assume natureza especial, nada legitima que se recorra à regra geral para dirimir a questão de saber qual o âmbito de aplicação temporal. Pelo contrário, a norma especial afasta a de carácter geral, pelo que há que recorrer às regras do Código Civil sobre a matéria.
Ora, uma vez que o preceito não opera qualquer referência aos pedidos já formulados ou a formular é porque dispõe sobre certa relação jurídica, abstraindo dos factos que lhe deram origem, donde resulta que, nos termos do art. 12º, n.º 2, 2ª parte do Código Civil, abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.

6. O recurso a outros elementos auxiliares da interpretação, como os de natureza teleológica contribuem, também, para considerar de difícil sustentação a posição da Caixa. A “ratio legis” da norma, expressa na sua última parte, justifica plenamente a aplicabilidade da taxa de 2% aos casos pendentes. Na verdade, o motivo da previsão de uma taxa especial, mais benéfica relativamente à vigente para os subscritores da Caixa, reside na circunstância de estes descontos não conferirem aos trabalhadores bancários no activo “a aquisição de quaisquer direitos em matéria de aposentação e sobrevivência no âmbito da Caixa Geral de Aposentações”, na expressão utilizada pela própria norma( ). Assim sendo, faz sentido que a taxa de 2% seja aplicada não só aos trabalhadores bancários que vierem a requerer a realização de descontos como aos que já o haviam feito sem terem liquidado a totalidade da dívida. Pois quer uns quer outros não adquirirão, por via da realização dos descontos, quaisquer direitos no âmbito do regime de protecção social dos funcionários e agentes do Estado. Quer num caso quer noutro, o legislador não quis onerar excessivamente os trabalhadores, nem beneficiar injustamente a Caixa Geral de Aposentações que não tem que realizar qualquer contrapartida pelos descontos que recebe.

7. Reconheceu essa Caixa, em ofício dirigido à Provedoria de Justiça, que “é justo” que os trabalhadores bancários que já requereram a contagem de tempo beneficiem, igualmente, da taxa mais favorável. Se assim é, se, portanto, a lei permite determinado resultado, não faria qualquer sentido, em obediência ao princípio da economia procedimental e ao dever de celeridade que impende sobre a Administração na condução do procedimento administrativo (arts. 10º e 57º do Código do Procedimento Administrativo), que a mesma lei impusesse o percurso mais complicado para o alcançar. A não ser que, através deste processo mais complexo, se procurassem acautelar interesses de diversa natureza. Todavia, sendo a aplicação da taxa de 2% obviamente mais favorável do que a anterior, é de esperar que os trabalhadores bancários a prefiram, pelo que não se vislumbra que valor pode justificar a referida exigência.

8. Por último, importa salientar que o procedimento adoptado pela Caixa é gerador de situações de desigualdade porquanto beneficia os trabalhadores que conheciam a posição da Caixa sobre esta matéria e que requereram atempadamente a aplicação da nova taxa aos seus débitos.

Em face do exposto,RECOMENDO:

A V.Exa a alteração da posição da Caixa quanto à aplicação no tempo da taxa prevista no art. 13º, n.º 4 do Estatuto da Aposentação, no sentido de a mesma ser aplicada oficiosamente a todos os débitos que se reportem à contagem de tempo de serviço militar por parte de trabalhadores bancários e que, à data da entrada em vigor da Lei n.º 75/93, de 20.12, ainda não se encontrassem liquidados integralmente.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel