Subsecretário de Estado Adjunto da Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento
Rec. n.º 111/A/92
Proc.: R-2274/92
Data: 02-11-1992
Área: A 2
Assunto: FISCALIDADE. INFRACÇÃO FISCAL. DOCUMENTO DE TRANSPORTE.
Têm sido apresentadas várias queixas na Provedoria de Justiça, a propósito da interpretação da lei feita pela Administração Fiscal, na punição da infracção ao disposto no art.º 1.º do D.L. 45/89, de 11 de Janeiro, que estatui deverem todos os bens em circulação, seja qual for a sua natureza ou espécie, ser acompanhados de dois documentos de transporte (factura, guia de remessa, comprovativo do desembaraço aduaneiro ou outro documento exigido pela Alfândega).
Consiste a dúvida em saber se a falta de emissão ou de imediata exibição do documento de transporte, constitui uma contra-ordenação punível nos termos do art.º 33.º do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras (RJIFNA), aprovado pelo D.L. 20-A/90, de 15 de Janeiro – com a epígrafe “Falta de entrega, de exibição ou de apresentação de documentos” -, conforme se interpretou em quase todo o País, de acordo com as instruções constantes do ofício de 04.04.90, Proc.º …, da DSJF, que considerou estar o art.º 13.º, n.º 1, do D.L. 45/89, de 11 de Fevereiro, revogado pelo RJIFNA, ou se a transgressão fiscal (hoje contra-ordenação fiscal) prevista no art.º 13, n.º 1 do D.L. 45/89, permanece em vigor, nos termos do disposto no art.º 3, n.º 1 do D.L. 20-A/90, de 15 de Janeiro, como contra-ordenação formalmente autónoma, por não ser subsumível no RJIFNA, conforme entendeu a Direcção Distrital de Finanças do Porto e, desde 13.04.92, os Serviços Centrais da DGCI, de acordo com o disposto no ofício …, Proc.º ….
A questão tem tanto mais relevância quanto as coimas previstas nestes diplomas são bem diversas: enquanto as previstas no art.º 13.º, n.º 1 do D.L. 45/89, oscilam entre 50.000$ e 1.500.000$ aplicável ao remetente dos bens, 50.000$ e 3.000.000$ aplicável ao transportador e 100.000$ a 3.500.000$ aplicável ao remetente quando o veículo transportador lhe pertença, as coimas previstas no art.º 33.º do RJIFNA oscilam entre 2.000$ e 50.000$ se imputáveis a pessoa singular, 4.000$ e 100.000$ se imputáveis a pessoa colectiva, podendo estes limites serem reduzidos a metade se existir negligência.
A infracção mais comum praticada por vendedores ambulantes e vendedores em feiras e mercados, que transportam bens destinados à venda a retalho, não acompanhados de documento de transporte – punida com a coima mínima de 100.000$ nos termos do art.º 13.º, n.º 1 alínea c) do D.L. 45/89, é sancionada nos termos do RJIFNA, com a coima de 1.000$ – art.º 33.º, n.º 1 e 4.
Tendo a Administração Fiscal, como se referiu, considerado inicialmente (oficio de 04.05.90 da DSJF) que deveria ser aplicada a todos os casos de não emissão ou de não exibição imediata do documento de transporte, a coima prevista no art.º 33 do RJIFNA, mudou posteriormente de posição (oficio da DSJF, de acordo com o despacho proferido por V.Ex.ª. em 13.04.92) por entender que “a infracção em causa deverá ser punida como contra-ordenação autónoma, dado que o RJIFNA não prevê a punição da desconformidade legal de documentos que não se liguem, directa ou indirectamente, com a determinação, avaliação ou controlo da matéria colectável”.
Ora, uma análise do art.º 3.º, n.º 1 do D.L. 20-A/90, de 15 de Janeiro, do art.º 33.º do RJIFNA e do art.º 13.º, n.º 1, do D.L. 45/89, de 11 de Fevereiro, parece conduzir-nos à posição exactamente inversa da agora defendida pela DGCI.
0 RJIFNA pretendeu, enquanto importante peça da nova arquitectura jurídico-fiscal nascida com a Reforma de 1989, regular toda a matéria relativa à infracção fiscal, até então dispersa pelos mais diversos diplomas.
De acordo com o preâmbulo e nos termos do art.º 3, n.º 1 do diploma que o aprova – D.L.20-A/90, de 15 de Janeiro -, “Todas as contra-ordenações constantes do RJIFNA revogam todas as anteriores infracções qualificadas com transgressões desde que disponham sobre matéria similar, mantendo-se como contra-ordenações formalmente autónomas, as condutas qualificadas como transgressões que sejam insusceptíveis de serem englobadas nas actuais contra-ordenações fiscais”.
0 art.º 33, n.º 1, do RJIFNA, com a epígrafe “Falta de entrega, de exibição ou de apresentação de documentos”, dispõe que:
“A falta de entrega, de exibição ou de que a lei ou a Administração Fiscal constantes das declarações, ou de registos, ainda que ou esclarecimentos que, possam ser legal ou “A falta apresentação, no prazo fixarem, de documentos outros documentos, comunicações, guias, magnéticos, informações autonomamente, devam ou administrativamente exigidos será aplicável a coima de 2.000$ a 50.000$”.
Ora, a infracção ao disposto no art.º 1.º do D.L. 45/89, não pode deixar de se considerar englobada, abrangida ou subsumida na 2á parte do art.º 33.º do RJIFNA, quando prevê a “Falta de (…) exibição ou de apresentação no prazo que a lei ou a Administração Fiscal fixarem (…) de outros documentos (…) que, autonomamente, devam ou possam ser legal ou administrativamente exigidos (…)”.
Assim sendo, o disposto no art.º 13.º, n.º 1 do D.L. 45/89, não pode deixar de se considerar revogado, nos termos do art.º 3, n.º 1 do D.L. 20-A/90, pelo art.º 33.º, n.º 1 do RJIFNA, de acordo, aliás, com as instruções da DGCI, constantes do ofício de 04.05.90.
Pois da interpretação destas normas se deve concluir que a contra-ordenação fiscal prevista no art.º 13, n.º 1 do D.L. 45/89, em nada difere da prevista no art.º 33, n.º 1 do RJIFNA.
Em ambos os casos está em causa o combate à fraude e evasão fiscais, através da fiscalização do cumprimento dos deveres acessórios dos contribuintes, que na área do IVA, a que é aplicável o D.L. 45/89, não difere da existente relativamente a qualquer outro imposto.
A contra-ordenação prevista no art.º 13, n.º 1 do D.L. 45/89 apenas se justificava porque, à data da sua publicação, não existia nenhum diploma que, de forma genérica, previsse e punisse a infracção fiscal da falta de exibição ou apresentação de documentos.
Dizer, como se refere nas instruções constantes do ofício da DSJF, aprovadas por despacho de V.Ex.ª de 13.04.92 que o “RJIFNA não prevê a punição da desconformidade legal de documentos que não se liguem, directa ou indirectamente, com a determinação, avaliação ou controlo da matéria tributável” não se me afigura, face ao exposto, correcto.
Primeiro, porque estando em causa, no âmbito do D.L. 45/89, o combate à fraude e evasão fiscais no que respeita ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, não pode
deixar de se considerar que os documentos de transportes – factura, guia de remessa ou documento equivalente -, se destinam “directa ou indirectamente, à determinação, avaliação ou controlo da matéria tributável”.
Porque o que está em causa é controlar se os bens sujeitos a IVA, análise que em
uma fiscalização tributária realizada na passivo, relativamente à qual não podem
destinar directamente à “determinação, da matéria tributável”.
Mas ainda que assim não fosse, a limitação do RJIFNA preconizada por V. Ex.ª. não pode proceder, pois o conceito legal previsto por este “documentos que se liguem directa ou indirectamente, com a determinação, avaliação ou controlo da matéria colectável” mas sim o de documentos fiscalmente relevantes – art. 23.º n.º. 5 e art. 28.º n.º 1 – definidos como os livros de escrituração ou quaisquer outros documentos exigidos pela Administração Fiscal”.
Ou seja, relativamente ao crime e contra-ordenação mais graves previstos no RJIFNA, pode ser considerado documento fiscalmente relevante o que “não se ligue, directa ou indirectamente, com a determinação, avaliação ou controlo da matéria tributável”.
Por outro lado, o art. 33.º, n.º. 1 do RJIFNA é claro ao prever quer “a falta de entrega, de exibição ou de apresentação de documentos comprovativos dos factos, valores ou situações constantes das declarações” – que se ligam necessária e directamente à determinação, avaliação ou controlo da matéria tributável – quer “de outros documentos, comunicações, guias, registos, ainda que magnéticos, informações ou esclarecimentos que, autonomamente, devam ou possam ser legal ou administrativamente exigidos” – ou seja, de documentos que poderão nada ter a ver, nem sequer indirectamente, com a “determinação, avaliação ou controlo
da matéria tributável”.
Em suma: as limitações à aplicação do RJIFNA, no que se refere à infracção do disposto no art. 1 do D.L. 45/89, quando está em causa a falta de emissão ou de
imediata exibição do documento de transporte, constantes do despacho de V. Ex.ª, de 13.04.92, restringem claramente o âmbito de aplicação do art. 33.º n.º 1 desse diploma, porquanto:
Está em causa a prática de uma contra-ordenação fiscal, que se liga, directamente, ao controlo da matéria tributável.
Mesmo que assim não fosse, estes requisitos não são exigíveis, nem pelo art. 33.º, nem por qualquer outro artigo do RJFINA.
Outra interpretação afecta seriamente os direitos dos contribuintes, pois são-lhes aplicadas coimas muito mais elevadas, com o recurso a uma norma que se encontra revogada.
Entre as queixas apresentadas na Provedoria de Justiça, destacaria a da Senhora X que, tendo já exposto a sua situação aos órgãos da Administração Fiscal, viu indeferida a sua pretensão (ofícios de, respectivamente, 15.0692, 31.07.92 e 28.08.92, da DSJF, e de 21.08.92, do SAIVA).
Tendo cometido em 11.01.92 urna infracção ao disposto no art.º 1.º do D.L. 45/89, por não ter exibido imediatamente as facturas de aquisição dos bens que transportava aos agentes fiscalizadores, pretendeu pagar na Repartição de Finanças de Barcelos a coima devida, que, como informou o funcionário, era de 1.000$00 de acordo com o disposto no art. 33.º n.º 1 do RJIFNA.
Por ser territorialmente competente a Repartição de Finanças de Vila do Conde, ali se dirigiu, sendo então informada que no entendimento daqueles Serviços, a coima a pagar era, no mínimo, de 100.000$00, nos termos do art. 13.º n.º. 1 do D.L. 45/89.
Apresentou imediatamente exposições ao Senhor Director-Geral das Contribuições e Impostos e Senhor Primeiro Ministro, que por terem sido apreciadas depois do despacho de V. Ex.ª. de 13.04.92, que considerou como formalmente autónoma, nos termos acima explicitados, a contra-ordenação fiscal prevista no art.º 13.º n.º 1 do D.L. 45/89, foram indeferidas com base nesse fundamento.
Não pode esta posição da Administração Fiscal deixar de se considerar inadmissível, porquanto:
1. Tendo a contra-ordenação fiscal sido praticada em 11.01.92, estava a Repartição de Finanças de Vila do Conde obrigada a seguir a doutrina constante do ofício de 04.05.90, Proc. … da DSJF, que punia esta infracção nos termos do art.º 33, n.º. 1 do RJFMA.
2. Não podem as novas instruções da Administração Fiscal, constantes do ofício da DSJF, sancionadas por despacho de V. Ex.ª de 13.04.92, aplicar retroactivamente uma coima mais desfavorável ao infractor.
3.De acordo com o exposto, o art.º 33.º, n.º 1 do RJIFNA, desde o início da sua vigência, revogou o art.º 13.º, n.º 1 do D.L. 45/89, que nunca deveria ter sido aplicado.
Termos em que se faz a seguinte RECOMENDAÇÃO:
1. Que seja revogado o despacho de V. Ex.ª de 13.04.92, que sancionou as instruções constantes do ofício da DSJF, uma vez que a contra-ordenação fiscal prevista no art.º 13.º, n.º. 1 do D.L. 45/89, de 11 de Fevereiro, foi revogada, nos termos do art.º 3.º, n.º 1 do D.L. 20-A/90 de 15 de Janeiro, pelo art.º 33.º, n.º 1 do RJIFNA, conforme a própria DGCI reconheceu inicialmente, no ofício de 04.05.90.
2. Que à Senhora X seja, nestes termos, aplicada a coima prevista no art.º 33.º, n.º 1 do RJFMA, pois outra orientação, além de violar o referido no ponto 1, traduzir-se-ia na aplicação retroactiva de Lei penal de conteúdo mais desfavorável ao agente.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
JOSÉ MENÉRES PIMENTEL