A
Sua Excelência

A Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento

Rec. n.º 179/A/93
Proc.:R-3145/92
Data: 1993-11-15
Área: A 4

ASSUNTO: FUNÇÃO PÚBLICA – APOSENTAÇÃO COMPULSIVA

Sequência: Acatada

1. Dispõe o art.º 15.º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16/1, que:

“1. Para os funcionários e agentes aposentados as penas de suspensão ou inactividade serão substituídas pela perda da pensão por igual tempo, e a de multa não poderá exceder o quantitativo correspondente a 20 dias de pensão.

2. A pena de aposentação compulsiva será substituída pela perda do direito à pensão pelo período de 3 anos.

3. A pena de demissão determina a suspensão do abono da pensão pelo período de 4 anos.”

Face a este preceito, suscita-se a questão de saber se os casos em que a suspensão do abono da pensão põe em causa o direito à sobrevivência do condenado não justificam uma medida legislativa de carácter especial, tendente a minorar a gravidade de tal situação.

1.1. Não se referindo propriamente à suspensão da pensão como efeito da pena acessória de demissão, mas às penas de duração ilimitada, que o art.° 30.º, n.º 1 da Constituição proíbe quando restritivas da liberdade, o acórdão n.° 353/86 do Tribunal Constitucional (publicado no D.R. II, de 87-04-09) salienta, a certo passo, que

“ao menos em principio, não haverá obstáculo constitucional à existência de uma pena que se traduza na proibição perpétua do exercício de uma determinada actividade ou profissão ou na expulsão de uma ordem profissional apesar de, por essa forma, se afectar a liberdade de escolha de profissão.”

E acrescenta-se, a seguir, no mesmo acórdão que

“Ilegitimidade constitucional talvez só haja, pois, se a imposição de uma pena do tipo apontado puser em causa o direito à sobrevivência do condenado (cf. F. Lemme, “Brevi note suble pena acessorie prevista per i reati concernenti lá violazione della disciplina della pesca marítima”(1, 14 juglio 1965, n.º 963), in Giusrisprudenza Costituzionalle, XVII, 1972, T. I, p.p. 136 e 144).

É que o direito à sobrevivência é uma dimensão do próprio direito à vida (art.º 24.º), numa exigência da dignidade da pessoa humana (cf. Art.° 2.º), que é o limite absoluto que o legislador não pode ultrapassar.

Esta interpretação do citado art.° 30.°, n.° 1, é a que melhor quadra à sua ratio, que é a de dar cumprimento ao já apontado princípio de humanidade, que contém em si a ideia de proibição de penas cruéis, degradantes e desumanas e, em
geral, a interdição de todas as formas de banimento ou ostracismo das pessoas condenadas em processo penal.

Especifica-se, ainda, no mesmo acórdão, que dos primordiais princípios definidores da actuação do Estado de direito democrático que estruturam a nossa lei fundamental, ou sejam, os princípios do respeito pela dignidade humana (arte
12) e o do respeito e garantia dos direitos fundamentais (art.° 2.º),

“decorrem os grandes princípios constitucionais de política criminal: o princípio da culpa; o princípio da necessidade da pena ou das medidas de segurança; o princípio da legalidade e o da jurisdicionalidade da aplicação do direito penal; o princípio da humanidade; e o princípio da igualdade.”

1.2. Também na Constituição da República Portuguesa, anotada por Gomes Canotilho e Vital Moreira, I vol., pág. 210, se sublinha que

“0 princípio da natureza temporária, limitada e definida das penas (bem como das medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade (n.º 1) é expressão do direito à liberdade (art.° 27.º), da ideia de proibição de penas cruéis, degradantes e desumanas (art.° 25.°, n.º 2) e, finalmente, da ideia de protecção da segurança, ínsita no princípio do Estado de direito.”

Afirma-se, por fim, que “Problemática é, neste contexto, a legitimidade constitucional das penas de demissão, interdição profissional e incapacidade políticas e outras, previstas no Código Penal, apesar da possibilidade de reabilitação (art.ºs 65.° e 70.º).”

2. De quanto atrás se expôs, sobressai o entendimento de que as penas devem respeitar o direito à vida e a dignidade humana, sustentáculos do nosso Estado de direito.

Para além disso, há que atentar em que um dos direitos sociais consagrados na Constituição é o direito à segurança social, que assegura a protecção em vários riscos sociais, designadamente, na perda de remuneração por velhice e invalidez, constituindo, assim, numa garantia do direito à sobrevivência, que é, afinal, uma manifestação do direito à vida.

3. Consequentemente, há que obviar a situações em que a supressão, ainda que temporária, do abono das pensões, impede a efectivação do direito à sobrevivência.

Razão pela qual se me impõe que formule a seguinte RECOMENDAÇÃO:

Que venha a ser proferida uma medida legislativa que salvaguarde da suspensão da pensão, a título de penalidade, um mínimo indispensável à subsistência do agente.

Solicito a V.Ex.ª que me seja oportunamente comunicada a posição que vier a ser assumida sobre esta Recomendação.

0 PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL