Presidente da Câmara Municipal de Santo Tirso

Rec. nº 120/A/94
Proc.:R-721/94
Data:1994-07-20
Área: A 1

Assunto: AMBIENTE – FOSSA SANITÁRIA – CANIL – INSALUBRIDADE E INCOMODIDADE – ORDEM CAMARÁRIA – OBRAS – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA.

Sequência: Acatada

EXPOSIÇAO DE MOTIVOS

1.Através de queixa que me foi dirigida, em 17 de Março de 1993, tomei conhecimento de alegadas incomodidades e perturbações da saúde pública causadas por fossa sanitária impropriamente edificada junto a um poço de abastecimento de
água para consumo doméstico e por instalação de diversos cães em local inadequado para tanto, por acção do Senhor … , residente no lugar de Triniterra, São Mamede do Coronado, freguesia da Trofa, concelho de Santo Tirso.

2.A partir das cópias de documentos apresentados em anexo à citada queixa, pode verificar-se que, em 2 de Dezembro de 1991, o Senhor … fora notificado do teor de um mandado do município de Santo Tirso para que construísse “uma fossa em betão ciclópico, completamente estanque, com dimensões suficientes, obrigando-se a despejá-la sempre que necessário, transportando os respectivos líquidos para terrenos que não prejudiquem poços de água potável nem ponham em causa a saúde pública”.

Do mesmo passo, aquele munícipe fora notificado para proceder à remoção dos aludidos cães, cujo número desconheço, “para local convenientemente preparado, com a obrigatoriedade de proceder às limpezas necessárias”.

3. Os pressupostos de facto do referido mandado foram verificados através de vistoria realizada pela Divisão de Obras Particulares, do Departamento de Planeamento e Habitação, do Município de Santo Tirso.

4.Quanto aos pressupostos de direito, verifica-se terem as câmaras municipais, nos termos do art. 51º, nº 2, al. d), do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, competência para ordenar a beneficiação de construções que constituam perigo para a saúde pública, bem como, nos termos do art. 10º, nº 2, do Decreto-Lei nº 317/85, de 2 de Agosto, para determinar a remoção de cães, tanto por razões de insalubridade como também por, simplesmente, ser afectada a tranquilidade da vizinhança.

5.Instada V.Exª, Senhor Presidente da Câmara Municipal, a pronunciar-se sobre o alegado incumprimento do mandado municipal, pelo ofício de 14 de Março de 1993,
reiterado pelo ofício de 28 de Janeiro p.p., viria a Provedoria de Justiça a obter resposta, em reunião mantida com V.Exa. em 23 de Maio p.p., a coberto de ofício, dessa mesma data.

6.Em tal resposta, são confirmados os factos descritos, inclusivamente a desobediência por parte do munícipe, ao não cumprir o mandado de que fora notificado, e, por outro lado, sustenta V.Exª. ser inviável a execução da obra pelos serviços municipais. Relativamente à permanência dos canídeos no mesmo local, afirma V.Exª que “têm vindo a ser levantados sucessivos autos de contra-ordenação, na tentativa de forçar o notificado ao cumprimento do que lhe foi imposto”.

7.A mesma resposta traz ao conhecimento da Provedoria de Justiça o óbito da queixosa perante a Câmara Municipal (mãe da Reclamante perante a Provedoria de Justiça), cuja casa de habitação e respectivo poço terão sido transmitidos para a propriedade do Senhor a …. , o qual não se dirigira, por enquanto, à Câmara Municipal de Santo Tirso, queixando-se de prejuízos semelhantes.

CONCLUSÕES

A) O facto superveniente constituído pela morte da pessoa em cujo interesse foi apresentada a queixa não faz precludir a intervenção deste órgão do Estado, cujas funções se estendem, tanto à defesa e promoção de posições jurídicas subjectivas dos particulares, como à fiscalização da justiça e legalidade do exercício de poderes públicos (cfr. art. 1º do Estatuto do Provedor de Justiça,
aprovado pela Lei nº 9/91, de 9 de Abril). De resto, também a tutela dos interesses difusos se pode contar, expressamente, entre as competências do Provedor de Justiça (cfr. art. 20º, nº 1, al. e), do Estatuto). A par da natureza subjectivista de defesa dos direitos e interesses legítimos dos particulares, encontra-se na intervenção deste órgão do Estado uma fiscalização
objectiva do cumprimento da legalidade, razão que justifica o não arquivamento das queixas por morte ou ausência do queixoso (e, pelo menos por identidade de
razão, da pessoa em cujo interesse a queixa é apresentada, quando não seja a mesma), tal como, de resto, se pode verificar no elenco taxativo dos fundamentos de arquivamento (cfr. art. 31º do Estatuto).

B) A inviabilidade de execução da fossa pelos serviços municipais não pode, nem deve, servir de fundamento à omissão de ulteriores medidas por parte da Cãmara Municipal de Santo Tirso, com vista à reposição da legalidade e à prossecução do interesse público municipal de salvaguarda da saúde pública e dos recursos naturais.

Com efeito, se têm sido levantados sucessivos autos de contra-ordenação contra o Senhor … e, não obstante, fica por cumprir o mandado camarário, poderão dar-se por verificados os elementos constitutivos do crime de desobediência, tal como é previsto e punido pelo art. 388º do Código Penal.

C)Relativamente ao incumprimento da determinação municipal para remoção de cães, nos termos do disposto no art. 10º, nº 2, do Decreto-Lei nº 317/85, de 2 de Agosto, pode a Câmara Municipal executar imediatamente tal acto, a menos que o Tribunal competente atribua efeito suspensivo ao recurso interposto (cfr. art. 10º, nº 7, do citado diploma).

D)De acordo com o princípio contido no art. 29º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo, a competência do Presidente da Câmara Municipal de Santo Tirso, consagrada no art. 53º do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, e concretizada na demais legislação citada, é irrenunciável, pelo que a não utilização dos poderes administrativos confiados pela lei para a execução de actos administrativos eficazes constitui uma omissão ilegal e, como tal, merecedora de censura por parte do Provedor de Justiça.

E)Assim, em face da motivação ora exposta, e no exercício do poder que me é conferido pelo art. 20º, nº 1, al. a), do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei nº 9/91, de 9 de Abril, entendo RECOMENDAR a V.Exa. que se digne exercer a acção penal contra o citado munícipe, pela prática do crime p.p. no art. 38º do Código Penal, bem como que se digne mandar executar a determinação de remoção dos animais localizados em canil não licenciado, nos termos do art. 10º do Decreto-Lei nº 317/85, de 2 de Agosto.

F)Por fim, recordo a V.Exa. o dever enunciado no art. 38º, nº 2, da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, sem prejuízo de V.Exa. comunicar a este órgão do Estado, antecipadamente, a evolução que a situação descrita haja sofrido.

0 PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL