Presidente da Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis

Processo:R.100/95
Rec.nº 30/A/95
Data:1995-04-06
Área: A1

ASSUNTO:URBANISMO E OBRAS – FRACÇÃO AUTÓNOMA – LICENÇA DE UTILIZAÇÃO – DESCONFORMIDADE – ACTIVIDADE INDUSTRIAL – SUSPENSÃO DA ACTIVIDADE – ARTIGO 165º DO RGEU.

Sequência: Acatada

Tenho a honra de me dirigir a V. Exa. para envio de uma Recomendação que entendo dever formular a esse órgão autárquico ao abrigo do disposto na alínea a), do no. 1, do artigo 20°., do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei no. 9/91, de 9 de Abril.

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
1. A este órgão do Estado foi dirigida queixa relativa à situação de incomodidade resultante da insuficiência das condições higio-sanitárias de instalação e funciona mento de uma indústria de desmancho, desossagem e preparação de carnes, instalada na cave do Edifício Isabel, sito na Av. Ferreira de Castro, n°. 117, nessa circunscrição administrativa.

2. Para além da situação de incomodidade referida, relevava-se, na queixa em análise, o facto de a cave onde se encontra instalada a indústria em causa se destinar, nos termos da escritura de constituição da propriedade horizontal e de acordo com o uso previsto no alvará de licença de utilização do edifício em questão, a arrumos.

3. No âmbito da actividade instrutória relativa ao processo a que tal queixa deu origem, foi confirmada por V.Exa. a desconformidade entre a utilização actual e concretamente conferida à fracção em causa e o uso previsto no respectivo alvará de licença de utilização, em clara oposição ao estatuído pelos artigos 6°., 8°. e 165°. do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, constante do Decreto n°. 38.382, de 7 de Agosto de 1951, e aos artigos 26°., 30°. e 54°., n°. 1, alínea c), do Decreto-Lei n°. 445/91, de 20 de Novembro, alterado por ratificação pela Lei n°. 29/92, de 20 de Novembro e pelo Decreto-Lei n°.250/94 de 15 de Outubro, tendo inclusivamente sido referido que se considerava inviável o licenciamento da actividade em questão ” nos termos dos diplomas que regem
actualmente a actividade industrial, dado que o uso previsto no respectivo alvará de licença de utilização para a fracção em causa, não é a actividade industrial, mas sim arrumos.

4. Constatada a situação de infracção ao estatuído pelas normas legais acima referidas, não foram porém actuadas por esse órgão autárquico as medidas sancionatórias correspondentes, designadamente quanto à instauração do correspondente processo contra-ordenacional nos termos do artigo 54°., n°. 1, alínea c) do Decreto-Lei n°. 445/91, de 20 de Novembro, e a promoção do despejo sumário da fracção em causa, de acordo com o previsto no artigo 165°. do Regulamento Geral das Edificações Urbanas,
constante do Decreto n°. 38.382, de 7 de Agosto de 1951, na redacção dada pelo Decreto n°. 44.258, de 31 de Junho de
1962.

5. Sem pretender questionar a natureza discricionária dos poderes sancionatórios conferidos pelas mencionadas normas, cuja actuação dependerá de um juízo que pressuponha, em termos de oportunidade e conveniência, a adequada ponderação, não só dos circunstancialismos particulares que concorram na infracção em questão, como na ausência de prejuízo ou lesão de direitos de terceiros ou de outros interesses juridicamente tutelados, certo é que, no caso em análise, a situação de ilicitude existente provoca a
contínua e reiterada lesão do direito dos vizinhos a um ambiente humano e ecologicamente equilibrado, pelas manifestas condições de incomodidade ali existentes.

6. Acresce que, por parte da empresa proprietária do estabelecimento em causa, sempre existiu “a plena consciência que a situação actual não se poderá manter indefinidamente e que a actual estrutura, mais tarde ou mais cedo, tem que ser desactivada por absoluta inviabilidade de proceder à sua legalização no local onde se encontra”, na medida em que, tratando-se de um estabele-
cimento industrial de classe C, deve o mesmo ser devidamente isolado de prédio de habitação e situar-se em locais apropriados para o efeito (artigo 4°., n°. 4, do Decreto Regulamentar n°. 25/93, de 17 de Agosto), o que não se compadece com a sua localização na cave de um edifício destinado a habitação.

7. Por outro lado, não parece curial fazer depender a cessação da descrita situação de ilicitude e de lesão contínua e reiterada de direitos de terceiros, do decurso de um prazo de seis meses concedido à empresa em causa para permitir a transferência para novas
instalações. Em simultâneo, parece tal prazo demasiado longo para o fim em causa, improcedentes face à gravidade da situação as razões invocadas pela requerente para a sua concessão e manifestamente injusto para os terceiros afectados que a cessação da lesão dos respectivos direitos e interesses fique dependente do processo de instalação e licenciamento de uma unidade industrial, o qual não obstante o prazo fixado, é por natureza moroso e complexo, não havendo garantias de que em face de eventuais e previsíveis atrasos nova dilação não seja concedida com fundamento nas razões invocadas pela empresa proprietária. Neste sentido, aponta a decisão actual dessa Câmara, que fazendo apelo às razões invocadas pela requerente, é manifestamente destituída de fundamento, uma vez que prescinde em absoluto da ponderação relativa entre os benefícios sócio-económicos do exercício daquela
actividade e a notória incomodidade causada à comunidade.

CONCLUSÕES

Em face do exposto e no exercício da atribuição constitucional que me é conferida no sentido da prevenção e reparação de injustiças (artigo 23°., n°. 1, da C.R.P.), entendo fazer uso do poder que me é conferido pelo artigo 20°., n°. 1, alínea a), da Lei n°. 9/91, de 9 de Abril e, como tal, RECOMENDAR:

1. A instauração pela Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis, nos termos do disposto no n°. 10, do artigo 54°., do Decreto-Lei n°. 445/91, de 20 de Novembro, de processo de contra-ordenação pela ocupação da fracção autónoma do edifício em questão, em desacordo com o uso fixado no respectivo alvará de licença de utilização, atento o ilícito contra-ordenacional previsto e sancionado
pela alínea c), do n°. 1, e pelo n°. 4, daquela disposição legal.

2. A suspensão imediata da actividade industrial de desmancho, desossagem e preparação de carnes ali desenvolvida e a desactivação do correspondente estabelecimento no prazo de 45 dias previsto pelo 4°., do artigo 165°., do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, para efeitos de despejo sumário de parte de edificação utilizada em desconformidade com a respectiva licença de utilização.

Recordo, por fim, a V. Exa., o dever contido no artigo 38°., n°. 2, do citado Estatuto do Provedor de Justiça para cujo conteúdo me permito pedir a melhor atenção.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA,

José Menéres Pimentel