Presidente do Conselho de Administração da Parque EXPO 98, SA

Processo:R-1483/94
Rec. nº 38/A/95
Data:12.04.95
Área: A1

Assunto:ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – EXPO 98 – CONCURSO PÚBLICO – PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO – DIREITO À INFORMAÇÃO ADMINISTRATIVA

Sequência:

I-EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

A) Dos factos

1.Em 16 de Março de 1993 foi aberto Concurso Público Internacional para a Prestação de Serviços de Assessoria à Gestão Técnica do Empreendimento EXPO 98.

2.Em 21 de Maio de 1993 teve lugar o acto público de abertura das propostas, tendo sido admitidos onze concorrentes e excluído um.

3.Em 20 de Julho de 1993 os concorrentes admitidos foram notificados da selecção dos três concorrentes para negociação: o Agrupamento liderado pela B…, o Agrupamento liderado pela K…, e o Agrupamento liderado pela F….

4.Em 20 de Setembro de 1993 o Agrupamento liderado pela K…, foi notificado pela Parque EXPO 98, SA, para responder a uma lista de questões que visavam efectuar a adaptação da proposta-base à evolução verificada no conceito do empreendimento EXPO 98 desde o lançamento do concurso.

5.Entre a data do anúncio da selecção dos três concorrentes e a data em que foi anunciada a adjudicação decorreram várias reuniões entre a Parque EXPO 98, SA, e cada um dos concorrentes seleccionados.

6.Em 4 de Março de 1994, na sequência de notícias publicadas na imprensa que anunciavam a adjudicação do contrato ao Agrupamento liderado pela B…, o Agrupamento liderado pela K… enviou à Parque EXPO 98, SA, uma carta em que manifestava a sua preocupação relativamente à regularidade do procedimento concursal a decorrer, tendo a Parque EXPO 98 na sua resposta assegurado a total transparência e completa isenção da sua actuação.

7.Em 18 de Março de 1994 a Parque EXPO 98, SA, notificou o Agrupamento liderado pela K…, da adjudicação do contrato ao Agrupamento liderado pela B….

8.Em 25 de Março de 1994 o legal representante do Agrupamento liderado pela K…, solicitou à Parque EXPO 98 SA cópia da seguinte documentação:

a) relatório final justificativo da adjudicação do contrato ao Agrupamento liderado pela B…;

b) relatório justificativo da selecção dos três concorrentes para negociação;

c) actas de todas as reuniões mantidas com os concorrentes seleccionados durante o período da negociação;

d) resposta do concorrente B…, aos esclarecimentos solicitados pelas cartas da Parque EXPO 98, SA, ref. PO P3CR293/4/5 ALamm;

e) minuta do contrato de prestação de serviços a assinar com o concorrente seleccionado.

9.Após insistência, respondeu a Parque EXPO 98, SA, em 4 de Abril de 1994 disponibilizando para consulta apenas o documento referido em a) e parte do documento referido em b), e invocando, no que respeitava à documentação referida em c), um compromisso de sigilo assumido com um dos concorrentes.

10.Em 20 de Abril de 1994 o legal representante do Agrupamento liderado pela K…, insiste no envio da documentação solicitada, fundamentando juridicamente a sua pretensão.

11.Em 26 de Abril de 1994 a Parque EXPO 98, SA, recusa, uma vez mais, o envio da documentação solicitada.

12.Em 23 de Maio de 1994 foi facultada a consulta de diversa documentação ao legal representante do Agrupamento liderado pela K…, e seus auxiliares, não tendo no entanto sido disponibilizada a totalidade da documentação referida nas alíneas b), c), d) e e) do ponto 8.

B) Da natureza jurídico da Parque EXPO 98, SA

13.A Parque EXPO 98, SA, é uma entidade com substracto empresarial, sob a forma societária, criada pelo Decreto-Lei nº 88/93, de 23 de Março, e regendo-se, para além do disposto nesse diploma, pelos seus estatutos e pelo disposto na lei comercial (art. 1º, nº 2, do referido Decreto-Lei nº 88/93).

14.Esta sumária caracterização leva desde logo a excluir a qualificação da Parque EXPO 98, SA, como empresa pública em sentido estrito, ou seja, sob a forma institucional, regida pelo Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril, pois ainda que o art. 48º, nº 2, desse diploma, não preveja expressamente a exclusão deste tipo de entes, devem entender-se aí compreendidos, não devendo ser tomado como relevante o facto de a constituição de sociedades de capitais exclusivamente públicos não se efectuar necessariamente através da forma prescrita na lei comercial, podendo também fazer-se por Decreto-Lei (cfr., neste sentido, por todos, J. M. COUTINHO DE ABREU, Definição de empresa pública, Coimbra, 1990, pp. 169-170).

15.Também não podemos considerar a Parque EXPO 98, SA, como integrando a categoria das chamadas “sociedades de interesse colectivo”, definidas por D. FREITAS DO AMARAL como “(…) empresas privadas, de fim lucrativo, que por exercerem poderes públicos ou serem submetidas a uma fiscalização especial da Administração Pública, ficam sujeitas a um regime jurídico específico, traçado pelo Direito Administrativo” (Curso de Direito Administrativo, Vol. I, Coimbra, 1988, p. 558), pois não estamos perante uma empresa privada, dada a personalidade jurídica de direito público detida pela Parque EXPO 98, SA.

16.A personalidade jurídica de direito público analisa-se em três vectores: criação por iniciativa pública, prossecução de interesses públicos, e dotação, em nome próprio, de poderes e deveres públicos (cfr. D. FREITAS DO AMARAL, Ob. cit., p. 587). No caso da Parque EXPO 98, SA, que foi criada pelo Decreto-Lei nº 88/93, de 23 de Março, a criação por iniciativa pública resulta clara, tal como a prossecução de interesses públicos, se atentarmos no seu objecto social: a concepção, execução, construção e desmantelamento da Exposição Internacional de Lisboa de 1998 e a intervenção e reordenação urbana da zona de intervenção da Exposição (art. 2º do referido Decreto-Lei nº 88/93).

17.Quanto ao terceiro requisito mencionado, podemos verificar que os poderes de agir como entidade expropriante, nos termos da lei, de imóveis necessários à prossecução do seu escopo social e de requisitar funcionários do Estado, dos institutos públicos e das autarquias locais, consagrados nos art. 6º e 8º, respectivamente, do Decreto-Lei nº 88/93, bem como os poderes conferidos no art. 7º, nº 2, do mesmo diploma, se configuram indubitavelmente como poderes públicos, por concitarem a aplicação de normas de Direito Administrativo. Por outro lado, a sujeição ao regime jurídico das empreitadas de obras públicas, consagrada ( ainda que em termos restritivos) no art. 7º, nº 1, do Decreto-Lei nº 88/93, reflecte a adstrição a um dever público, mais intenso, aliás, do que aquele que impende, em geral, sobre as empresas públicas e as sociedades anónimas de capitais maioritária ou exclusivamente públicos, que só são sujeitas ao regime jurídico das empreitadas de obras públicas por portaria a tanto destinada (cfr. art. 239º do Decreto-Lei nº 405/93, de 10 de Dezembro).

18.Para concluir pela personalidade jurídica de direito público da Parque EXPO 98, SA, resta verificar se aqueles poderes e deveres públicos lhe são atribuídos em nome próprio. A única alternativa à devolução de poderes que se poderia considerar seria a existência de uma relação de concessão entre o Estado e a Parque EXPO 98, SA. Não parece, porém, que assim possa ser: esta concessão fundar-se-ia directamente na lei e “(…) o facto gerador da concessão é um acto unilateral ou um contrato administrativo. Não assume nunca o carácter de um acto de autoridade, imposto independentemente de aceitação, por parte da entidade concessionária” (ARMANDO MARQUES GUEDES, A concessão, I, Coimbra, 1954, p. 154) (cfr., no mesmo sentido, MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, II, p. 1105). No caso vertente, ainda que se admitisse que o Decreto-Lei nº 88/93 incorporaria um acto administrativo de concessão, seria sempre necessária a aceitação por parte da entidade concessionária; essa aceitação não pode ter lugar, porque o acto de concessão seria contemporâneo do acto de criação da entidade concessionária. E não parece possível ficcionar qualquer espécie de aceitação tácita por parte da entidade concessionária, pois esta é criada para prosseguir determinados fins, fins esses que correspondem à suposta concessão, e que a nova pessoa colectiva é obrigada a prosseguir, independentemente de qualquer vontade da sua parte que eventualmente viesse a ser formada. Trata-se, pois, de devolução de poderes e não de concessão.

19.Temos assim que a sociedade Parque EXPO 98, SA, é uma entidade sui generis no seio da Administração Pública, possuindo substracto empresarial mas não sendo uma empresa pública (pelo menos em sentido jurídico), e, embora revestindo forma societária, esta tem de coexistir com uma personalidade jurídica de direito público, não sendo portanto uma sociedade de interesse colectivo.

20.Da peculiar natureza jurídica possuída pela Parque EXPO 98, SA, resultaria, à primeira vista, a sua subtracção à disciplina jurídica estabelecida pelo Código de Procedimento Administrativo, visto não caber em nenhuma das alíneas do nº 2 do art. 2º daquele Código, onde se enumeram os órgãos da Administração Pública para efeitos de aplicação das suas disposições.

21.Não parece ser este, contudo, o entendimento mais correcto. É evidente o intuito abrangente do artigo 2º do CPA, que procura integrar todas as entidades que desenvolvam actividade administrativa, pelo menos na medida da prossecução dessa actividade administrativa. As próprias entidades concessionárias encontram-se sujeitas ao regime (e não apenas aos princípios gerais) instituído pelo CPA quanto aos actos praticados no exercício de poderes de autoridade (art. 2º, nº 7, do CPA), mal se compreendendo pois que a actividade administrativa prosseguida por uma pessoa colectiva pública como a Parque EXPO 98, SA, lhe estivesse subtraída.

22.Assim, fazendo uma interpretação objectivista do referido art. 2º, deve entender-se aplicável às sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos investidas de poderes de autoridade para a prossecução do seu objecto social o regime instituído pelo CPA (a conclusão aproximada, embora trilhando caminho diverso, chegam M. ESTEVES DE OLIVEIRA / P. COSTA GONÇALVES / J. PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo Comentado, Vol. I, pp. 126-127).

23.Nos termos do art. 7º, nº1, al. a), do CPA, os órgãos da Administração devem prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de que careçam, e, nos termos do art. 62º, nº 1, do mesmo Código, os interessados (no procedimento) têm direito de consultar o processo que não contenha documentos classificados e obter certidões ou reproduções autenticadas dos documentos que o integram.

24.Desta forma, não estando aqui em causa documentos classificados, não poderia a Parque EXPO 98, SA, deixar de facultar ao concorrente as informações requeridas e/ou o acesso aos arquivos e registos pretendido.

25.Aliás, ainda que não se considerasse estar a Parque EXPO 98, SA, sujeita às disposições do CPA, o que apenas se admite para efeitos de raciocínio, nem por isso deixaria aquela sociedade de estar obrigada a adoptar a conduta referida no ponto anterior, pois o direito dos administrados à informação, consagrado no art. 268º, nºs 1 e 2 da CRP, sendo um direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias (cfr., neste sentido, D. FREITAS DO AMARAL, Os direitos fundamentais dos administrados, in JORGE MIRANDA (Org.), Nos dez anos da constituição, Lisboa, 1986, p. 14, e Ac. TC nº 176/92, de 07/05/92, publicado no D.R., II série, de 18/09/92), é directamente aplicável e vincula imediatamente a Administração.

II-CONCLUSÕES

De acordo com o exposto e no uso dos poderes conferidos no art. 20º, nº 1, alínea a), do seu Estatuto, aprovado pela Lei nº 9/91, de 9 de Abril,

RECOMENDO
A) seja facultado ao Agrupamento liderado pela K…, acesso livre e irrestrito aos elementos constitutivos do processo do Concurso Público Internacional para a Prestação de Serviços de Assessoria à Gestão Técnica do Empreendimento EXPO 98 e, se requerido, cópia dos documentos integrantes desse processo, nos termos do art. 62º, nº 1, do Código de Procedimento Administrativo;

B) em situações semelhantes que venham a ocorrer, seja garantido pela Parque EXPO 98, SA, os direitos dos administrados enunciados no Código do Procedimento Administrativo.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel