Presidente da Junta de Freguesia de Cabeção

Rec. n.º 65/A/2000
Proc.: 1898/00
Data: 28-09-2000
Área: A 6

Assunto: CEMITÉRIOS – TRANSLADAÇÃO.

Sequência: Acatada

Acuso a recepção do ofício mencionado em epígrafe, agradecendo a colaboração prestada por essa Junta de Freguesia na instrução do processo aberto para apreciação desta matéria.

Como é do conhecimento de V. Ex.ª, A, B e C, todos filhos de D, falecido em 11 de Abril de 1991 e seguidamente inumado no cemitério dessa freguesia, solicitaram a intervenção do Provedor de Justiça relativamente ao processo de trasladação das ossadas do seu pai para a sepultura onde repousa a mulher deste.

Esse Executivo Autárquico indeferiu tal pretensão, invocando que o regulamento do cemitério paroquial apenas admite a abertura de sepulturas dez anos após a inumação e ainda que o espaço cemiterial onde está inumado D foi concessionado em 1998 a uma nora deste, pessoa que não autoriza a trasladação. Mais alega que o pedido de trasladação é posterior àquela concessão, pelo que, embora esteja “receptiva ao pedido de trasladação (…) só poderá fazer a respectiva liberação a pedido do titular” da sepultura. Conclui estar-se perante um conflito particular resultante de um diferendo entre familiares, cuja resolução terá que ser encontrada na esfera privada.

Seguramente que esta questão se prende com desentendimentos familiares, existindo todavia a necessidade de descortinar qual o comportamento que a lei impõe, precisamente para evitar que essa Junta de Freguesia possa ser acusada de, por acção ou por omissão, tomar partido na contenda.

Constituem pressupostos legais do acto de trasladação a legitimidade dos requerentes, o decurso do lapso de tempo regulamentar desde a inumação, nos limites da lei, e a inexistência de razões de interesse público, nomeadamente relativas à saúde pública, que obstem à sua realização.

Atendendo ao prazo regulamentar definido para esse cemitério, nada há a censurar à postura que tem vindo a ser assumida pela Junta nesse aspecto. De facto, tendo a inumação em causa ocorrido em 1991, ainda não se perfizeram os dez anos exigidos para a abertura da sepultura, razão pela qual a exumação não poderá ser por ora executada. Porém, após o decurso deste lapso de tempo, não parece que existam motivos que obstem à realização da trasladação solicitada.

O art.º 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 411/98, de 30 de Dezembro, enuncia as pessoas que, pela ordem aí estabelecida, têm legitimidade para requerer a exumação e trasladação de ossadas. Esta ordenação constitui um instrumento legal que permite dirimir um primeiro grau de possível conflituosidade quanto à relevância das vontades das pessoas envolvidas em processos desta natureza.

No caso vertente, a legitimidade dos ora reclamantes advém da sua qualidade de herdeiros de D, nos termos da al. d), do n.º 1, do supra identificado art.º 3.º, razão pela qual a tutela da sua pretensão prevalece sobre a da nora deste, concessionária da sepultura n.º 7, do cemitério de Cabeção, uma vez que a sua oposição somente releva no âmbito da al. e), do mesmo preceito legal.
Por outro lado, a vontade maioritária daqueles três filhos de D quanto ao local onde devem repousar os seus restos mortais, sempre deverá prevalecer sobre a oposição isolada de um outro irmão, por acaso, inteiramente irrelevante, cônjuge da supra referida concessionária.

Tão pouco procede o argumento de que o direito de concessão de uma sepultura legitima o seu titular a impedir de forma definitiva um acto de exumação de ossadas inumadas no espaço concessionado.

Na verdade, sobre o terreno ocupado por uma sepultura ou jazigo não incide qualquer direito de propriedade privada, mas sim um direito de ocupação de uma parcela de terreno do domínio público para o fim próprio a que está destinado e nos estritos limites que o fim público dos espaços de inumação determina. A concessão do terreno em causa confere direitos para o seu aproveitamento como espaço de inumação e culto mortuário, mas não permite a constituição de qualquer relação de domínio sobre os restos mortais que aí estejam ou venham a estar depositados.

Pese embora o art.º 38.º, do modelo de regulamento dos cemitérios paroquiais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48 770, de 18 de Dezembro de 1968, em vigor ao abrigo do art.º 32.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 411/98, por não contrariar o regime que nele se consagra, enunciar a necessidade de autorização do concessionário para a realização de inumações, exumações ou transladações em sepulturas perpétuas, esta terá que ser avaliada no âmbito da qualificação jurídico-administrativa da concessão de espaços funerários, nunca podendo tal consentimento constituir-se como requisito absoluto que impeça a realização do interesse público ou se sobreponha a outros direitos e interesses legítimos tutelados pela legislação mortuária.
No caso em apreço, sobressai o direito subjacente ao regime consagrado no art.º 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 411/98 que, sem prejuízo das regras aplicáveis, permite às pessoas nele elencadas darem sepultura aos seus mortos na espaço cemiterial que pretenderem.

Fará sentido impedir-se a inumação de cadáver em sepultura concessionada a alguém que a tal se oponha, já que se violaria os termos da concessão. Não faz sentido, contudo, no caso da exumação, em que a sepultura é, passe o termo, desocupada e não ocupada, privilegiar a posição do concessionário face, neste caso, à maioria dos herdeiros e filhos do falecido.

Desta forma RECOMENDO

a V. Ex.ª, ao abrigo do art.º 20.º, n.º 1, a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, que essa Junta de Freguesia autorize a trasladação dos restos mortais do Senhor D, mediante requerimento da maioria dos seus herdeiros e filhos, tão logo esteja decorrido o prazo de 10 anos e não sobrevenham razões de saúde pública que impeçam o acto.

Creio ser esta a forma de V. Ex.ª e essa Junta de Freguesia, obedecendo estritamente à lei e aos critérios de decisão nela contidos, se furtarem a ser considerados coniventes com a posição assumida por uma e outra parte desta família manifestamente desavinda sobre esta questão. Deste modo, sairá reforçada a imparcialidade desse órgão autárquico, conforme imposição constitucional e legal.
Nos termos do art.º 38.º, n.º 2, da Lei n.º 9/91, deverá V. Ex.ª comunicar-me, no prazo de sessenta dias, o entendimento que essa Junta de Freguesia assume face a esta minha recomendação ou, porventura, o fundamento do seu não acatamento.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

H. NASCIMENTO RODRIGUES