Chefe da 3.ª Repartição de Finanças da Amadora

Rec. n.º 67/A/00
Proc.: R-938/00
Data: 16-11-2000
Área: A 2

Assunto: FISCALIDADE. CONTRIBUIÇÃO AUTÁRQUICA. ISENÇÃO. RESIDÊNCIA HABITUAL E PERMANENTE.

Sequência: Acatada

A Senhora … dirigiu-se a este órgão do Estado solicitando a minha intervenção a fim de ser sustada a venda em hasta pública do imóvel identificado nos autos do processo de execução fiscal n.º …, da 3.ª Repartição de Finanças da Amadora, dirigida por V. Exª.

I – OS FACTOS

1- Por escritura de 18 de Junho de 1991, a reclamante adquire a fracção autónoma correspondente ao rés-do-chão do prédio sito na Reboleira, a que corresponde a letra “I” do artigo n.º 588 da matriz predial urbana da freguesia da Reboleira.

2- Em 22 de Agosto de 1991 a interessada requer nessa Repartição de Finanças a isenção de Contribuição Autárquica, nos termos do artigo 12.º do Código da Contribuição Autárquica e do n.º 1 do artigo 52.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

3- Em 30/08/91 é proferido por V. Ex.ª despacho no sentido de reconhecer o direito à isenção requerida.

4- Em 14/03/94 V. Ex.ª determina que seja averiguado o destino dado à habitação desde a data da sua aquisição.

5- Em 14/04/94 é elaborada informação dando conta que “a referida fracção se encontra afecta, a título gratuito, conforme declarado, a escritório da sociedade…”

6- Em 19/04/94, com base em informação lavrada por um funcionário não identificado, de que “a reclamante nunca destinou a fracção I do art.º 588.º da Reboleira, a sua habitação permanente, encontrando-se cedida gratuitamente para escritório”, V. Ex.ª revoga o seu despacho de 30/08/91, que havia reconhecido a isenção.

7- Em 26/04/94 a reclamante é notificada do despacho referido no número anterior.

8- Em 22/04/94 é elaborada informação dando conta de a aquisição do imóvel estar sujeita a Sisa e de não ter sido solicitada a sua liquidação.

9- Em 11/05/94 a reclamante interpõe recurso hierárquico para o Director Distrital de Finanças de Lisboa, do despacho de V. Ex.ª datado de 19/04/94.

10- Em 19/05/94, considerando que o domicílio fiscal da reclamante ainda era na Rua … em Lisboa, V. Ex.ª oficia o 7.º Bairro Fiscal de Lisboa a fim de saber se a contribuinte, por ter destinado aquela residência a sua habitação permanente, beneficiava de isenção de Contribuição Autárquica.

11- Em 31/05/94 o 7.º Bairro Fiscal de Lisboa responde negativamente.

12- Em 07/06/94 é junta ao processo uma fotocópia da lista telefónica de assinantes onde, com a morada do prédio referido, vem mencionada a sociedade …

13- Em 28/06/94 a 3.ª Repartição de Finanças da Amadora solicita à Junta de Freguesia da Reboleira que confirme a veracidade do atestado de residência emitido por aquela Junta em 5 de Maio de 1994.

14- Em 8 de Julho de 1994 o Senhor Presidente da Junta informa que, apesar das dificuldades para averiguar o caso, deslocou-se àquela morada um funcionário que foi informado pela mulher da limpeza que a reclamante ali residia com um sobrinho.

15- Em 20 de Maio de 1994 são solicitadas informações aos T.L.P., que respondem informando da data do pedido de assinatura do telefone e que o contrato se mantém no mesmo nome da Empresa.

16- Em 19/07/94, a solicitação da 3.ª Repartição de Finanças Amadora, a Junta de Freguesia da Reboleira informa que a reclamante se recenseou naquela Freguesia em Maio de 1994.

17- Também em 19 de Julho de 1994 a Junta de Freguesia de Santa Maria de Belém informa que a morada da reclamante, conforme consta dos ficheiros, é Rua XX.

18- Em 2 de Setembro de 1994 é solicitado ao 15.º Bairro Fiscal que informe se dos registos consta que a firma…, com sede na Rua…, tem uma filial na Praceta X na Reboleira (residência da reclamante).

19- Em 3 de Abril e 16 de Maio de 1995 são feitas insistências no sentido de obter a informação referida no número anterior, sem qualquer sucesso.

20- Em 8 de Junho de 1995 é elaborada informação na qual, depois de elencados os elementos recolhidos, se conclui:
” É, no entanto, objectiva a informação de que se encontram instalados na fracção os escritórios da Firma … o que contende com a exclusividade a habitação permanente, prevista no n.º 1 do art.º 52.º do EBF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, e o destino a habitação a que obriga a isenção concedida nos termos do n.º 22 do art.º 11.º do Código Municipal de Sisa.”.
V. Ex.ª corrobora esta informação e dá parecer no sentido de que “… deve indeferir-se o recurso hierárquico.”

21- Em cumprimento da ordem de serviço n.º … de 22/10/96 é informado que:

“Apurou-se que efectivamente a fracção identificada na presente Ordem de Serviço se destina a habitação própria e permanente da peticionária a partir de Junho de 1994 sem que lhe tenha sido dado outro destino até à presente data.”

22- Por Despacho de 06/10/98 do Senhor Chefe de Divisão, por delegação do Director Distrital de Finanças, são os autos mandados baixar à Repartição de Finanças, a fim de:

a) Apurar o destino dado ao imóvel entre 1991 e 1994;

b) Informar se foi alterada a constituição da propriedade horizontal.

23- Em cumprimento daquele despacho, é informado que entre 1991 e 1994 a referida fracção foi utilizada como Sede Social da Firma … e de que nada foi apurado que indicie a alteração da constituição da propriedade horizontal.

23- Assim, em 13/11/98, é dado provimento parcial ao recurso hierárquico, concedendo isenção de Contribuição Autárquica entre os anos de 1995 e 2000.

24- Em 2/2/2000 a reclamante é notificada de que se não for efectuado o pagamento da divida relativa ao imposto de Sisa, a que se refere o processo de execução fiscal n.º…, no prazo de 20 dias, serão marcados dia e hora para a venda judicial do imóvel penhorado em 27/04/99.

II – DA MATÉRIA CONTROVERTIDA

25- Está em causa neste processo determinar, para efeitos de incidência do Imposto Municipal de Sisa, se à fracção correspondente ao rés-do-chão sito na Reboleira, foi dado outro fim que não o habitacional.

26- Haverá igualmente que verificar, para efeitos de isenção de contribuição autárquica, se o referido prédio foi ou não afecto à habitação própria e permanente do seu proprietário e quando o foi.

III – DÚVIDAS QUANTO À FACTUALIDADE DESCRITA

27- Chama a atenção, desde logo, em todas as informações elaboradas pelo(s) senhore(s) funcionário(s) incumbido(s) dos actos de fiscalização, quer a ausência de descrição das diligências efectuadas, quer a falta de factos tipificadores ou constitutivos da infracção imputada à contribuinte.

Todas estas informações referem invariavelmente que, “após diligências efectuadas …. apurou-se que efectivamente …”, mas em parte alguma são as mesmas especificadas, nem se referem os factos recolhidos, nem sequer a forma como foram comprovados e que permitiram ao informante concluir da forma como conclui. Nem se sabe se o informante se deslocou ao local.

Todos os autos de actos de fiscalização apresentam meras conclusões, juízos de valor e proposições conclusivas sem qualquer relação com informações colhidas no local.

É que, como se refere no Acórdão do Tribunal de 2.ª Instância das Contribuições e Impostos, de 24 de Julho de 1985, a fls. 511 a 513, do Boletim da D.G.C.I n.º 331/333:

“Efectivamente, residir permanentemente numa habitação é um resultado, perspectivado normativamente (do modo da norma em questão) a partir de uma situação histórica e real complexa, compreensiva de uma série de comportamentos individuais e de grupo familiar, tais como, comer, dormir, conviver, etc., estabelecidos relativamente ao local em causa.

E que teriam, com efeito, de ser percebidos e como tal descritos no auto pelo autuante…”.

Apenas no ponto 12. da informação de 8 de Junho de 1995, elaborada para instrução do recurso hierárquico interposto pela contribuinte, se refere que “As informações produzidas por aqueles Serviços são confirmadas em 17/5/94, por termo de declarações de FM, residente no 1.º andar C do mesmo edifício…”. Mas esta “confirmação” pode ser insuficiente. Efectivamente, por um lado, em nenhuma das actas das reuniões do condomínio é feita qualquer referência a uma sociedade a operar na fracção em causa, por outro, sendo o prédio constituído por 46 fracções autónomas, será que foram ouvidos os restantes condóminos? Qual o teor das declarações que prestaram?

28- É com alguma surpresa que verificamos que é totalmente ignorada a informação prestada pela Junta de Freguesia da Reboleira no ofício n.º … de que tendo feito deslocar ao local o oficial de diligências, este apurou junto da “mulher que faz lá a limpeza” que a “Sra. em causa reside lá com um sobrinho” (cfr. n.º 14 supra).

E esta informação não foi considerada por que, na Junta de Freguesia de … foi recolhida a informação, em 19 de Julho de 1994, de que a Senhora … mantinha a sua residência eleitoral na sua primitiva morada, Rua…

Ora, para além de ser comum que as transferências efectivas de residência nem sempre sejam acompanhadas da sua regularização atempada junto de todas as autoridades administrativas, o certo é que, pelo menos desde Maio de 1994, a reclamante se encontrava recenseada na Junta de Freguesia da Amadora – cfr. ofício de 19/07/94, desta Junta, pelo que a aparente contradição entre as informações prestadas pelas diferentes Juntas, apenas pode evidenciar a morosidade e dificuldade de comunicação entre ambas.

29- Também a falta de actualização da residência fiscal não nos parece suficiente para concluir pela falta de residência habitual e permanente no prédio adquirido pela reclamante, pela mesma razão referida no número anterior.
O facto de não ter apresentado, no prazo estipulado no n.º 2 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 463/79, de 30 de Novembro, a ficha modelo n.º 2 de actualização do cadastro fiscal, apenas faz incorrer a contribuinte na sanção prevista no n.º 1 do artigo 13.º do mesmo diploma.

30- Ao contrário do que é defendido, entendemos que é importante para o apuramento da verdade a resposta às diligências encetadas junto do 5.º Bairro Fiscal de Lisboa, a fim de se saber se existia declaração de filial da empresa … com sede na Rua…, na Amadora.

31- Finalmente, e uma vez que o convencimento da falta de residência habitual e permanente da reclamante no imóvel em causa se deve à existência de um número de telefone naquela fracção, registado em nome da Firma …, podemos considerar que foram insuficientes as diligências efectuadas junto da empresa concessionária do serviço público de telefone.

Neste caso, haveria que averiguar junto da actual Portugal Telecom S.A., não só da data da instalação do telefone e se a assinatura se mantinha em vigor mas, também, quem a requereu e como foi aferida a legitimidade para o efeito pela Empresa, solicitando-se cópia do contrato e de toda a documentação que o instruiu.

32- Em resumo, diria que não resulta claramente provada a falta de residência habitual e permanente da Senhora … no prédio sito na Praceta X, Amadora, entre os anos de 1991 a 1994, nem que o mesmo tenha sido afecto a outro fim que não o habitacional, pelo que a liquidação do Imposto Municipal de Sisa e a revogação da isenção de Contribuição Autárquica poderão carecer de fundamento.

Consequentemente, parece-me que não deverá prosseguir a venda em hasta pública daquele imóvel para cobrança da quantia relativa à sisa liquidada, acrescida de juros e demais encargos, sem que esteja absolutamente esclarecida a matéria de facto causadora das dúvidas expressas, sob pena de, na eventualidade de se cometer um lapso, estarmos perante um facto consumado de muito difícil reparação, como seja a venda indevida da casa de habitação.

IV – CONCLCUSÕES

Na certeza de que o Senhor Chefe da 3.ª Repartição de Finanças da Amadora não deixará de ponderar devidamente o que ficou exposto,

RECOMENDO
A V. Exa., ao abrigo do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 20.º, da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, que:

A) seja sustada a venda em hasta pública do imóvel identificado pela letra I do artigo n.º 588 da matriz predial urbana da Freguesia da Reboleira;

B) se proceda à realização dos actos de fiscalização e demais diligências instrutórias adicionais tendo em conta as observações formuladas anteriormente;

C) à luz dos elementos de prova recolhidos e devidamente ponderados, seja feita uma nova reapreciação do caso, no sentido de apurar, inequivocamente, da correcção das liquidações de sisa e de contribuição autárquica efectuadas ou, se assim não for, determinando-se as respectivas anulações.

Nos termos do disposto no artigo 38.º, n.º 2, da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, deverá V. Exa. comunicar-me o acatamento desta Recomendação ou, porventura, o fundamento do seu não acatamento, no prazo de sessenta dias.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

H. NASCIMENTO RODRIGUES