Presidente da Câmara Municipal do Porto

Rec. n.º 49/A/00
Proc.R-583/97
Data: 06-06-00
Área: A1

Sequência: Não acatada

Assunto: URBANISMO E HABITAÇÃO. OBRAS PARTICULARES. VIOLAÇÃO DO PLANO DIRECTOR MUNICIPAL. DEMOLIÇÃO.

I – EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

§ 1

1. Em queixa que me foi apresentada contesta-se a validade do acto de licenciamento municipal das obras de construção de um edifício sito na Rua …, nessa cidade, a que se reporta o projecto n.º …/94, com fundamento na inobservância das prescrições contidas no Regulamento do Plano Director Municipal do Porto quanto à cércea e volumetria autorizadas para a área em causa.

2. O desrespeito das prescrições regulamentares em vigor quanto a estes aspectos ocasionou uma acentuada desproporção entre as dimensões do edifício contestado e a cércea e volumetria dominantes na zona, apresentando-se questionável a respectiva inserção no conjunto arquitectónico local

3. As informações prestadas pela Direcção Municipal de Planeamento e Gestão Urbanística dessa Câmara Municipal permitiram concluir ter sido a obra licenciada por não se considerar aplicável ao respectivo procedimento o Regulamento do Plano Director Municipal do Porto (in Diário da República, II Série, n.º 27, de 2/2/1993), uma vez encontrar-se a Câmara Municipal vinculada ao conteúdo da decisão de anterior pedido de viabilidade de construção.

4. Formulado um pedido de informação prévia, veio este a ser deferido em 28.12.1992. Em 6 de Janeiro de 1994, foi deduzido o pedido de licenciamento das obras, registado sob o n.º …/94, e instruído com a planta topográfica n.º …/93, fornecida à requerente em 21 de Maio de 1993.

5. O projecto foi indeferido em 24.02.1994, por não respeitar os alinhamentos definidos no pedido de informação prévia. Apresentada alteração tendente a colmatar a discordância entre os projectos, o pedido de licenciamento foi novamente indeferido por despacho de 29.09.1994, do Exm.º Vereador do Pelouro do Urbanismo e Reabilitação Urbana, por não respeitar os condicionamentos fixados pelo Regulamento do Plano Director Municipal do Porto quanto ao coeficiente de ocupação do solo. A volumetria projectada para o edifício resultava num coeficiente de 4,7m( por m2, apenas admitindo o citado instrumento de planeamento territorial o coeficiente máximo de ocupação de 2 m3 por 1 m2.

6. Inconformada com o novo indeferimento, a requerente solicita a reapreciação do pedido, com fundamento no carácter constitutivo de direitos da decisão favorável do pedido de informação prévia, objecto de posterior confirmação através do fornecimento da planta topográfica n.º …/93.

7. Com base em informação de 7 de Dezembro de 1994, da Divisão de Edificações Urbanas, o Exm.º Vereador do Pelouro de Urbanismo e Reabilitação Urbana revoga em 29 de Dezembro de 1994, com fundamento em ilegalidade, o despacho de indeferimento proferido em 29 de Setembro do mesmo ano, deferindo o pedido de licenciamento.

8. Na citada informação da Divisão de Edificações Urbanas entende-se não ser aplicável à apreciação do projecto de obras as prescrições contidas no Regulamento do Plano Director Municipal do Porto, porquanto a Câmara Municipal se acharia vinculada ao conteúdo favorável de anterior decisão de pedido de informação prévia, certificado pela emissão da já referida planta topográfica.

§ 2

9. Não posso, em face do regime jurídico atinente ao licenciamento municipal de obras particulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, perfilhar o citado entendimento, antes considerando que o mesmo deu lugar a um acto ilegal.

10. Nos termos do disposto no art. 12.º, n.º 3, do regime jurídico citado, a deliberação camarária que decida um pedido de informação prévia é constitutiva de direitos, o que significa que não pode ser invalidada por qualquer alteração legislativa superveniente impeditiva da pretensão urbanística sujeita a apreciação camarária. Não obstante, o direito a ser deferido o pedido de licenciamento das obras de construção caduca se não for apresentado pedido a tanto destinado no prazo de um ano a contar da data da comunicação ao requerente da deliberação que aprovou a informação prévia favorável (art. 13.º do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro).

11. Por outras palavras, o conteúdo da informação prévia perde o seu carácter vinculativo, se, no prazo de um ano, não for apresentado pedido de licenciamento. Caducando os efeitos da deliberação camarária, esta perde o seu carácter constitutivo de direitos, o que significa que qualquer alteração dos condicionamentos urbanísticos materiais susceptíveis de obstar ao aproveitamento urbanístico pretendido impõe o indeferimento do pedido de licenciamento (art. 63.º, n.º 1, do regime jurídico citado).

12. No caso em apreço, e como se refere de forma expressa na informação de 25.10.1994, do Director dos Serviços de Urbanização, a fls. 20 e 21 do processo camarário, o pedido de licenciamento deu entrada a 6 de Janeiro de 1994, “9 dias após o termo de validade da informação prévia”.

13. Assim sendo, a Câmara Municipal do Porto não se achava vinculada na apreciação do projecto, ao conteúdo da decisão do pedido de viabilidade de construção, já caducado, mas antes, aos condicionamentos fixados no Regulamento do Plano Director Municipal do Porto, entretanto em vigor, e que não permitem o coeficiente de ocupação do solo pretendido.

14. Bem decidiu o Exm.º Vereador do Pelouro de Urbanismo e Reabilitação Urbana em 29 de Setembro de 1994, ao indeferir com fundamento em violação do citado instrumento de planeamento territorial o pedido de licenciamento, pelo que o acto de revogação praticado em 29 de Dezembro do mesmo ano, violando as disposições de plano urbanístico vigente acarreta a nulidade da decisão, por força de quanto dispõe o art. 52.º, n.º 2, alínea b), do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, com a redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro.

15. Nem se diga, como se refere no ponto 16 da informação de 7.12.1994, que fundamentou o contestado acto de deferimento, que a tal conclusão obsta a emissão em 21.05.1993, da designada planta topográfica, que alegadamente confirma o conteúdo favorável da decisão do pedido de informação prévia.

16. Mesmo que se entenda que a emissão da planta topográfica prevendo a pretensão urbanística em questão é um acto confirmativo do deferimento do pedido de viabilidade de construção, e que por isso dá início a um novo prazo de um ano durante o qual é vinculativa a decisão camarária, sempre se dirá que o mesmo é inválido por contrariar o regulamento do Plano Director Municipal do Porto, entretanto em vigor.

17. Mesmo que se admita, o que não se concede, tratar-se de uma decisão confirmativa de um pedido de informação prévia relativamente ao licenciamento da construção, a conclusão não pode ser diversa. É aplicável a disciplina contida no citado art. 63.º do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 445/91 aos pedidos de informação prévia, pelo que uma decisão favorável a um pedido desta natureza em desrespeito das disposições de plano urbanístico vigente acarreta, como acima referi, a nulidade da decisão (art. 52.º, n.º 2, alínea b), do mesmo diploma). O acto em questão é nulo, não produz quaisquer efeitos jurídicos, podendo a Câmara Municipal declarar a nulidade a todo o tempo (art. 134.º do Código de Procedimento Administrativo).

18. Por este motivo, é nulo e de nenhum efeito o acto de emissão de planta topográfica que contempla uma pretensão urbanística inviabilizada por instrumento de planeamento territorial vigente, no caso, por inadmissibilidade regulamentar do coeficiente de ocupação do solo pretendido.

19. Mais se refira, não atribuir o regime procedimental relativo ao licenciamento municipal de obras particulares qualquer relevo jurídico à emissão da designada planta topográfica, pelo que não é lícito pretender que a mesma seja susceptível de criar expectativas jurídicas na requerente. A tal efeito, opõe-se, de forma clara, o princípio da legalidade administrativa (art. 3.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo).

20. Não se objecte às conclusões enunciadas com a circunstância de no processo “não constar qualquer comunicação à requerente, pelo que esta ainda hoje poderia sustentar, se quisesse, que nunca foi notificada do deferimento do pedido de informação prévia” (cfr. Informação da Divisão Municipal de Edificações Urbanas, de 14.04.1997). A ser assim, nunca a decisão teria sido eficaz, pelo que careceria de vinculatividade relativamente a futuro pedido de licenciamento.

21. O que aqui se encontra em causa não importa apenas para o estrito plano da legalidade urbanística. A disciplina contida no Plano Director Municipal do Porto deve ser aplicada por igual a todos os seus destinatários ou, de outro modo, criaria manifesta injustiça no tratamento dispensado aos munícipes.

II – CONCLUSÕES

De acordo com o exposto, entendo, no uso dos poderes que me são conferidos pelo art. 20.º, n.º 1, al. a), do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, RECOMENDAR

1.º Que seja declarada a nulidade do despacho de 29 de Dezembro de 1994, do Exm.º Vereador do Pelouro de Urbanismo e Reabilitação Urbana que licenciou as obras contestadas, e em consequência, da licença de obras de construção n.º 335/95, de 16 de Outubro de 1995 (art. 52.º, n.º 2, alínea b), do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, e art. 134.º do Código do Procedimento Administrativo).

2.º De forma a serem satisfeitos os requisitos de urbanização que condicionam a legalização das obras, que seja notificado o dono da obra a demolir o edifício edificado a ponto de ser obtida conformidade com o índice máximo de ocupação do solo permitido pelo Regulamento do Plano Director Municipal do Porto (art. 167.º, § 2.º, do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38 382, de 7 de Agosto de 1951, art. 58º, do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, e Decreto-Lei n.º 92/95, de 9 de Maio)

Recordo, por fim, a V. Ex.ª o dever contido no art. 38.º, n.º 2, do referido Estatuto do Provedor de Justiça, para o qual me permito pedir a melhor atenção.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL

(1) Regime Jurídico do Licenciamento Municipal de Obras Particulares (RJLMOP)
(2) MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA et al., Código do Procedimento Administrativo, Coimbra, 1997, p. 349.
(3) Art. 108.°, n.° 3, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo, e art. 61.° n.° 1, do regime aprovado pelo Decreto-Lei n.° 445/91, de 20 de Novembro.
(4) Art. 44.°, n.ºs 1 e 2, do regime jurídico do licenciamento municipal de obras particulares, com a redacção anterior às modificações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 250/94, de 15 de Outubro.
(5) Art. 108.°, n.° 3, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo, e art. 61.°, n.° 1, do RJLMOP.
(6) Decreto-Lei n.° 166/70, de 15 de Abril.
(7) Art. 63.°, n.° 1, alíneas a), e c) do RJLMOP
(8) Art. 52.°, n.° 2, alínea a), do mesmo diploma
(9) Art. 135.° do Código do Procedimento Administrativo