Secretário Regional da Habitação e Equipamentos
Rec. n.º 36/A/2000
Proc.: R-255/99
Data: 2000-05-02
Área: Açores
Assunto: ASSUNTOS FINANCEIROS. BANCA. AQUISIÇÃO DE CASA PRÓPRIA. CRÉDITO JOVEM.
Sequência: Acatada
I – Introdução
Foi dirigida ao Provedor de Justiça uma reclamação relativa ao processo n.º …, do Programa de Apoio à Aquisição de Casa Própria, em que foi requerente o Senhor ….
No âmbito da respectiva instrução foi solicitado ao Gabinete de Vossa Excelência que se dignasse remeter a este Órgão do Estado cópia integral do processo reclamado, a qual veio a ser recebida a coberto do ofício supra referido.
Os factos relevantes para a economia do presente estudo são os seguintes:
– O Senhor … nasceu em 13/12/60 e a mulher, Senhora … nasceu em 07/03/63;
– Em 16/09/92 o Senhor … entregou na Delegação da Ilha Terceira da Secretaria Regional da Habitação e Obras Públicas um pedido de admissão ao Programa de Apoio à Aquisição de Casa Própria;
– O processo foi organizado sob o número …;
– Na informação n.º …, de ../../95 (na qual se lê “este processo só agora é proposto a despacho superior em virtude das dificuldades de disponibilidade financeira que afectaram a Região nos anos transactos”) a Senhora Directora Regional de Habitação autorizou a concessão de “apoio na percentagem de 75%”;
– Em 19/12/95 é publicada a Portaria EP/DRH/95/45, de 24 de Outubro de 1995, na qual se lê: “por portarias do Secretário Regional da Habitação, Obras Públicas, Transportes e Comunicações, de 23 de Outubro de 1995, são atribuídos os seguintes subsídios: (…) 1 163 000$, ao Senhor … – 134/DRH/95 – Terra Chã – Angra do Heroísmo (…)”;
– Em 20/06/96 o Senhor … recebeu a quantia referente ao subsídio atribuído;
– Através do ofício n.º …, de …/…/96 o senhor Delegado da Ilha Terceira da Secretaria Regional da Habitação, Obras Públicas, Transportes e Comunicações informa a senhora Directora Regional de Habitação que “o candidato (…) se encontra em condições de ser apoiado pelo Apoio Supletivo a Jovens”.
Em 20/08/96 (ofício com número ilegível) a senhora Directora Regional de Habitação informa a Delegação da Ilha Terceira “que o requerente (…) não tem direito a apoio supletivo, por não reunir as condições para beneficiar do respectivo apoio, de acordo com o art. 21.º do Decreto Legislativo Regional n.º 16/90/A de 08 de Agosto, porquanto à data da entrega do processo a soma das idades do casal ultrapassava os 60 anos”;
Na sequência de comunicação do interessado, a Delegação da Ilha Terceira da Secretaria Regional da Habitação e Equipamentos enviou ao requerente, em 13/04/98, o ofício n.º …, que dava conta do despacho proferido pela Direcção Regional de Habitação, nos seguintes termos:
“Os prazos de reclamação e de recurso já se encontram largamente ultrapassados, pelo que o pedido é manifestamente extemporâneo;
O prazo de reclamação é de 10 dias a contar da data da publicação do acto (alínea a do art. 162.º do CPA) – a Portaria que atribui o apoio data de Out/95, conforme supra referido, pelo que o seu prazo já se encontra largamente ultrapassado;
Por na altura da concessão do apoio o candidato já ter mais um ano, a soma das idades do casal perfazia 61 anos, pelo que não tem razão o requerente ao pretender que devia ter sido contemplado com apoio supletivo a jovens;
Mesmo que a entidade decidisse no último dia do prazo legalmente previsto (e não depois, como aconteceu) já um dos cônjuges teria mais um ano de idade (o Senhor …), visto o processo ter sido entregue a 16 de Setembro e a entidade podia ter decidido até 16 de Dez. Assim, naquela data, a soma das idades do casal ultrapassava os 60 anos previstos no artº. 21.º do Decreto Legislativo Regional 16/90/A, de 8 de Agosto”. Importa deixar dito, desde já, que não existem no processo que analisei elementos que me habilitem a uma tomada de posição sobre a percentagem atribuída a título de apoio financeiro à aquisição. Resta, portanto, a questão do apoio supletivo a jovens.
II – Exposição de motivos
Tenha-se presente, em termos muito gerais, o regime jurídico instituído pelo Decreto Legislativo Regional n.º 16/A/90, de 8 de Agosto, cujo objectivo – consagrado no artigo 1.º – consistia na atribuição de “um conjunto de apoios à aquisição ou construção de casa própria”. Uma das formas que os apoios poderiam revestir era a “comparticipação financeira na aquisição de casa própria” [artigo 2.º, alínea a)]. Nos termos do artigo 4º, “os processos [seriam] instruídos pelos candidatos (…)” e entregues na Secretaria Regional da Habitação e Obras Públicas, ou nas respectivas delegações.
O Capítulo II do diploma dispõe, em especial, sobre os “Apoios à construção e aquisição de casa própria”. Note-se o disposto nos artigos 6.º e 9.º.
Artigo 6.º – Apoio financeiro à construção
1- O apoio financeiro à construção de casa será calculado em função dos requisitos estabelecidos neste diploma e atribuído mediante despacho do Secretário Regional da Habitação e Obras Públicas.
(…)
3- Para o cálculo do valor da comparticipação são factores determinantes a média do rendimento mensal ilíquido do agregado familiar, a sua composição e, bem assim, a área da habitação circunscrita às paredes exteriores da construção.
Artigo 9.º – Apoio financeiro à aquisição
1- O apoio financeiro a conceder à aquisição de casa própria será calculado com base na avaliação a efectuar pelos serviços oficiais, tomando-se para cálculo da percentagem do apoio os princípios estabelecidos neste diploma e referentes à construção de casa própria.
2- O montante do apoio referido no número anterior será fixado por despacho do Secretário Regional da Habitação e Obras Públicas e o seu pagamento será efectuado por uma só vez.
Sobre a questão do “Apoio supletivo a jovens” atente-se no teor do artigo 21.º:
Artigo 21.º – Apoio supletivo a jovens
1- Os jovens poderão beneficiar de um apoio supletivo, de acordo com as disponibilidades orçamentais da Região e nos termos que o Governo vier a fixar anualmente, por proposta do Secretário Regional da Juventude e Recursos Humanos.
2- Para efeito do número anterior, consideram-se em condições de beneficiar do apoio supletivo os casais jovens cuja soma de idades não ultrapasse os 60 anos, ou os jovens solteiros cujas idades estejam compreendidas entre os 21 e os 30 anos e se integrem nos programas de apoio à aquisição ou construção de casa própria, previstos neste diploma.
3- Os candidatos ao apoio supletivo devem formalizar os seus pedidos logo no início da instrução do respectivo processo a apresentar na Secretaria Regional da Habitação e Obras Públicas, ou suas delegações, se as houver, de modo que a decisão sobre o apoio supletivo seja simultânea com a atribuição dos benefícios financeiros previstos neste diploma e destinados à aquisição ou construção de casa própria.
(…)
É inquestionável a má técnica legislativa do diploma em causa. Com efeito, ao não ter previsto as situações em que os requisitos de candidatura se alterassem no decurso da instrução dos respectivos processos, ficou em aberto a possibilidade dos candidatos reunirem condições para beneficiar de determinada percentagem de apoios à data do início dos processos e, no decurso das respectivas instruções, verem alterados os requisitos inerentes àquela atribuição.
Por outro lado, as expressões cuja soma de idades não ultrapasse os 60 anos ou idades compreendidas entre os 21 e os 30 anos são equívocas e permitem diversas interpretações porquanto, desde logo, não se sabe se as idades máximas permitidas são contadas em anos completos ou, diferentemente, também em dias. Assim, subsistia a dúvida sobre a possibilidade dos candidatos cuja soma de idades perfazia 60 anos e alguns dias, ou que tinham 30 anos e alguns dias, poderem beneficiar dos apoios. A análise do processo organizado na Secretaria Regional da Habitação e Equipamentos revelou que somente foi tida em consideração a idade em anos completos devendo concluir-se, pois, ter sido este o entendimento dos serviços. Em conclusão: as referências às idades reportam-se a anos completos não sendo contabilizados, para efeitos de aplicação do Decreto Legislativo Regional n.º 16/A/90, de 8 de Agosto, períodos de tempo intermédios inferiores a doze meses.
Registe-se, igualmente, que em face do teor do número 3 do artigo 21.º (“os candidatos ao apoio supletivo devem formalizar os seus pedidos logo no início da instrução do respectivo processo (…) de modo que a decisão sobre o apoio supletivo seja simultânea com a atribuição dos benefícios financeiros previstos neste diploma e destinados à aquisição ou construção de casa própria”) parece dever concluir-se que a data relevante para a fixação dos critérios de atribuição do apoio supletivo a jovens é a data do início da instrução dos processos de atribuição dos benefícios financeiros para a construção ou aquisição de habitação. Aliás, o despacho de 20/08/96 da senhora Directora Regional de Habitação (“(…) o requerente (…) não tem direito a apoio supletivo, por não reunir as condições para beneficiar do respectivo apoio (…) porquanto à data da entrega do processo a soma das idades do casal ultrapassava os 60 anos”) revela inequivocamente que assim é. Temos pois que a data relevante para efeitos de verificação dos requisitos é a data da entrega do requerimento que desencadeou o processo.
Sabendo que o Senhor … nasceu em 13/12/60 e a mulher, Senhora …, nasceu em 07/03/63 e atendendo ao facto da entrega do pedido de admissão ao Programa de Apoio à Aquisição de Casa Própria na Delegação da Ilha Terceira da Secretaria Regional da Habitação e Obras Públicas ter ocorrido em 16/09/92, facilmente se conclui que à data da entrega do processo a soma das idades dos membros do casal não ultrapassava os 60 anos:
13/12/60 – 16/09/92 = 31 anos
07/03/63 – 16/09/92 = 29 anos
Soma das idades = 60 anos
Como é bom de ver, o despacho de 20/08/96 da senhora Directora Regional de Habitação radicou num erro uma vez que à data da entrega do processo (16/09/92) a soma das idades do casal não ultrapassava os 60 anos.
Na ausência de solução expressa relativamente às situações de alteração dos pressupostos de facto verificada no decurso do processo administrativo de concessão de apoio parece ser de aplicar ao presente caso, mutatis mutandi, o raciocínio inerente ao princípio da irrelevância da alteração legislativa dos requisitos ou condições dos concursos posterior à abertura deste, de que fala o Supremo Tribunal Administrativo(1). Não colhe, pois, o argumento da alteração dos requisitos de facto verificada no decurso da instrução do processo após este ter sido desencadeado para justificar a não atribuição do apoio supletivo a jovens. Pese embora reconhecer a insuficiência(2) da distinção entre meras expectativas e direitos adquiridos, sempre se dirá que o apoio financeiro à aquisição assume contornos substancialmente diferentes do apoio a jovens: naquele, a Administração pondera a composição do agregado familiar, o seu rendimento mensal ilíquido e a área da habitação (artigo 6.º, n.º 2 ex vi artigo 9.º, n.º 1) e decide; neste, diferentemente, o apoio é supletivo – pressupõe sempre um apoio prévio para construção ou aquisição – mas a sua atribuição é automática em face da verificação dos requisitos de facto relativos à soma das idades dos membros do casal. Assim, a alteração dos pressupostos de facto posterior à entrega é, para efeitos da configuração da situação fáctica de que depende a aplicação da norma, irrelevante.
É igualmente certo que o artigo 21.º , n.º 1, condiciona às disponibilidades orçamentais da Região a atribuição do apoio supletivo a jovens. Mas aqui existe um verdadeiro direito (e não uma mera expectativa) o qual, no entanto, pode ver a sua concretização limitada ou mesmo inviabilizada por insuficiência orçamental. Nas situações de apoio supletivo a jovens as disponibilidades orçamentais correspondem à facti species, à previsão ou aos pressupostos de aplicação da norma. Dito de outra forma: estas “regras são pois de aplicação condicionada, mas imperativas quando efectivamente se verifiquem os seus pressupostos”(3).
Chegados aqui importa referir que foi absolutamente ilegal a decisão de reter todo o processo (note-se que a informação n.º 414/DIT, de 24/07/95, refere que “este processo só agora é proposto a despacho superior em virtude das dificuldades de disponibilidade financeira que afectaram a Região nos anos transactos”) com esta justificação uma vez que apenas o apoio supletivo a jovens estava condicionado à verificação de disponibilidade orçamental, e não o apoio financeiro à aquisição.
Em suma:
1. A Administração Regional dos Açores reconheceu o direito do Senhor … ser beneficiado pelo apoio financeiro à aquisição, nos termos do Decreto Legislativo Regional n.º 16/A/90, de 8 de Agosto, na percentagem de 75%;
2.Consequentemente, em 19/12/95 foi publicada a Portaria EP/DRH/95/45, de 24 de Outubro de 1995, que atribuiu um subsídio no valor de 1 163 000$00 ao Senhor …;
Em 20/08/96, foi indeferido o pedido de apoio supletivo a jovens com base no argumento segundo o qual em 16/09/92 a soma das idades do casal havia ultrapassado, à data do pedido, os 60 anos;
Esta decisão radicou num erro de facto quanto aos pressupostos;
Em 13/04/98, foi reiterado o indeferimento do pedido de apoio supletivo a jovens com base, entre outros argumentos, no facto de na altura da concessão do apoio financeiro à aquisição a soma das idades do casal ser superior a 60 anos.
Defendo, como deixei exposto, que a data relevante para efeitos de verificação dos requisitos do casal requerente é a data da entrega do requerimento que desencadeou o processo. Mas, ainda que se entendesse de outra forma, verifica-se que se a Administração Regional dos Açores tivesse decidido de forma célere e eficiente (entendendo como tal uma decisão no prazo de 86 dias) o casal requerente teria beneficiado do apoio financeiro à aquisição na percentagem de 100% e teria recebido, cumulativamente, o apoio supletivo a jovens.
Por este facto, Vossa Excelência certamente compreende a irrazoabilidade do argumento apresentado pelo ofício n.º …, de …/…/98:
O pedido foi feito em 16/09/92;
O cônjuge marido celebra o seu aniversário em 13 de Dezembro;
Se tivesse havido decisão até 12/12/92, a Administração teria reconhecido o direito do casal de beneficiar do apoio supletivo a jovens;
Uma vez que a decisão foi tomada em data posterior, foi inviabilizada a pretensão.
O prazo geral para a conclusão dos procedimentos administrativos é de 90 dias (artigo 58.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo). Mas, a ser entendido que o seu cumprimento integral (até 16/12/92) conduziria à perda do benefício por quatro dias então estar-se-ia certamente no âmbito de circunstâncias excepcionais (artigo 58.º, n.º 1, in fine, do mesmo diploma) que imporiam que a Administração decidisse em 86 dias.
Pelas razões que deixei expostas, RECOMENDO:
que seja reapreciado, à luz das considerações que aqui deixei feitas, o processo do Senhor …;
que seja atribuído apoio financeiro ao interessado, a título de apoio supletivo a jovens, a acrescer ao apoio já concedido.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
JOSÉ MENÉRES PIMENTEL
__________________________________
(1) Cf. Acórdão de 29/03/84, proferido no processo n.º 18513.
(2) Uma vez que, como reconhece OLIVEIRA ASCENSÃO, “há numerosas situações que não recebem nenhum esclarecimento desta noção” (O Direito, Introdução e Teoria Geral, 3.ª edição, Fund. Gulbenkian, Lisboa, 1983, p. 389).
(3) Ibidem, p. 425.