Ministro do Trabalho e da Solidariedade

Rec. n.º 16/A/00
Proc.: R-2945/92
Data: 2000-02-25
Área: A 3

Assunto: SEGURANÇA SOCIAL. PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA. EX-CÔNJUGE SEM DIREITO A ALIMENTOS.

Sequência: Não acatada

1. A Senhora… dirigiu-me uma reclamação com fundamento no facto de as prestações que auferia por morte de … terem sido reduzidas, por força da atribuição de prestações de igual natureza à Senhora …, não preenchendo esta, de acordo com a reclamante, os requisitos legalmente exigidos para a atribuição do subsídio por morte e da pensão de sobrevivência.

2. Na verdade, analisada a questão suscitada, concluiu-se que assistia razão à reclamante.
Isto porque, por um lado, o direito a alimentos apenas fora judicialmente reconhecido à Senhora … na vigência do casamento, não se tratando, portanto, da obrigação de alimentos a que se refere o art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, que apenas poderá existir entre ex-cônjuges ou separados judicialmente;
E, por outro lado, porque, de acordo com aquela mesma disposição legal, se tornava necessário proceder à prova de que, à data da morte do beneficiário, aquela se encontrava efectivamente a receber pensão de alimentos, prova essa que não havia sido exigida pelo Centro Nacional de Pensões.

3. Assim sendo, foi solicitada ao Senhor Presidente do Conselho Directivo do Centro Nacional de Pensões, através de ofício de 24 de Janeiro de 1995, informação quanto à disponibilidade para promover a revisão do processo.

4. Todavia, aquele Centro veio sustentar, em resposta efectuada através de ofício de 3 de Abril de 1996, o entendimento de que, após o divórcio, se manteve a obrigação de alimentos atribuída à Senhora … na constância do casamento e a sentença judicial que os havia fixado constituía prova bastante desse direito, razão porque se pronunciou negativamente quanto àquela possibilidade.

5. O parecer que sustentou aquela decisão era, no entanto, manifestamente improcedente.
Com efeito, o entendimento constante desse parecer não só revela uma evidente contradição com o essencial dos regimes das obrigações alimentícias, como, também, com posições anteriormente assumidas pelo Centro Nacional de Pensões.
Sendo que, para além disso, é omissa qualquer referência relativa à prova de que o cônjuge divorciado, à data da morte, estava a receber pensão de alimentos.

6. Atentas essas circunstâncias, dirigi, em 9 de Junho de 1997, ao Senhor Presidente do Conselho Directivo do Centro Nacional de Pensões a Recomendação n.º 44/A/97, cuja cópia se junta.

7. O Centro Nacional de Pensões continuou, no entanto, a manter a sua indisponibilidade para promover a revisão do processo.
No entanto, não se pronuncia, mais uma vez, quanto às questões de fundo que suscitei a propósito da situação sub judice, como pode verificar-se pelo teor do ofício de 23 de Julho de 1997, (cuja cópia se junta) através do qual comunicou a decisão de não acatar a recomendação.

8. Pelo que, não pude deixar de reiterar a recomendação anteriormente formulada, o que fiz através do ofício de 2 de Setembro de 1997, cuja cópia se junta.

9. No entanto, o Centro Nacional de Pensões manteve a sua decisão de não acatar a recomendação, apesar de, conforme resulta do ofício de 19 de Março de 1998 (cuja cópia se junta) continuar a não se pronunciar quanto às questões de fundo que se suscitavam a propósito da situação em apreço.

10. Na verdade, estando em causa o preenchimento dos dois requisitos previstos no art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, aquele Centro limitou-se, a explicitar as razões pelas quais considerou provado o recebimento efectivo por parte da Sra. … da pensão de alimentos à data da morte do ex-marido …, sendo que, à semelhança do que aconteceu anteriormente, desconheceu objectivamente as razões que aduzi para demonstrar diferente natureza da obrigação alimentícia existente na constância do matrimónio e a que pode subsistir entre ex-cônjuges.

11. Importa, pois, salientar, antes de mais, que se mantêm os argumentos que me levaram a considerar não estar preenchido o requisito da existência da obrigação da prestação de alimentos à Senhora… .

12. Mantendo-se esse entendimento e sem prejuízo do mesmo, passa-se, agora, a apreciar a questão relativa aos elementos que, de acordo com aquele Centro, integraram o processo probatório tendente à comprovação do recebimento efectivo de uma pensão de alimentos por parte daquela beneficiária à data da morte.

13. A propósito desta matéria, aquele Centro informou que aquele processo se baseou numa presunção fundada na fixação judicial de uma pensão de alimentos “definitivos” e numa declaração expressa da interessada, acrescentando-se que, para além disso, a viúva não fizera prova em contrário.

14. Se se atentar nesses elementos, bastaria, se outra razão não houvesse, a manifesta insuficiência da prova produzida para fundamentar a alteração por mim recomendada.

15. Isto porque, a prova do recebimento efectivo da pensão de alimentos competia à interessada …, conforme decorre do art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil; não fazendo, pois, qualquer sentido invocar que, no âmbito do processo de atribuição das prestações em causa a viúva, …, não havia feito prova do contrário.

16. Acresce que, nesta matéria, não existe qualquer presunção legal que legitime a ilação tirada pelo Centro Nacional de Pensões.
Com efeito, o legislador ao autonomizar, no art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Setembro, os dois requisitos cumulativos, partiu, aliás, do pressuposto exactamente contrário, isto é, de que a verificação do primeiro – existência de uma decisão judicial – não significava, necessariamente, a verificação do segundo – recebimento efectivo da pensão nela fixada à data da morte.
A presunção invocada pelo Centro Nacional de Pensões, para além de, por natureza, não constituir, em si própria, um meio de prova, atentas as razões atrás referidas, não podia, nem devia, portanto, ter sido estabelecida.

17. Verifica-se, pois, que o único meio de prova que sustentou a decisão do Centro Nacional de Pensões foi a declaração da interessada. Ora, essa declaração é manifestamente insuficiente em ordem a demonstrar a realidade cuja verificação se tornava necessário comprovar.

18. Era, pois, imperativo concluir que a atribuição das prestações por morte à Sra. … teve lugar sem que se verificasse nenhum dos requisitos previstos no art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Setembro, pelo que a decisão que a determinou foi afectada por vício de violação de lei.

19. Assim sendo, atenta a indisponibilidade reiterada pelo Centro Nacional de Pensões para promover a revisão do processo, dirigi a Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais a Recomendação n.º 54/A/99, através de ofício de 18 de Junho de 1999, cuja cópia se junta.

20. No entanto, apesar de, como referi, ter dirigido a recomendação a Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais, a resposta à mesma veio a ser efectuada através de ofício de 23 de Agosto de 1999, cuja cópia se junta, assinado pelo respectivo Chefe de Gabinete do Senhor Secretário de Estado.

21. Nesse ofício começa por informar-se que o Senhor Secretário de Estado havia encarregado o Senhor Chefe de Gabinete de me transmitir a recomendação em causa iria ser remetida ao Centro Nacional de Pensões, em razão da sua competência.

22. Para além disso, de acordo com o teor desse ofício, foi o Senhor Chefe de Gabinete também encarregado de me informar que o Centro Nacional de Pensões é uma instituição da Segurança Social de âmbito nacional, dotada de personalidade jurídica e de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, não estando dependente hierarquicamente do Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais, conforme resulta do art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 96/92, de 23 de Maio, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 6/98, de 13 de Janeiro.

23. Finalmente, conclui-se referindo que, nos termos do art.º 40.º, n.º 1, da Lei n.º 28/84 e art.º 51.º, als. b) e f) do ETAF, aprovado pelo Dec-Lei n.º 29/84, de 27 de Abril, compete aos Tribunais Administrativos a apreciação contenciosa dos actos de indeferimento ou não reconhecimento de direitos relativos a prestações da segurança social.

24. Esta posição ora manifestada pelo Senhor Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais causou-me alguma estranheza porquanto, sendo certo que já anteriormente dirigira diversas recomendações em que se questionavam actos do Centro Nacional de Pensões, o Senhor Secretário de Estado, nas respostas às mesmas, nunca invocou tais argumentos.

25. Mas, para além disso, fica por compreender qual o objectivo da remessa da recomendação ao Centro Nacional de Pensões.
Com efeito, da mera leitura da mesma se constataria imediatamente que aquele Centro já se havia pronunciado, por duas vezes, quanto à situação em causa e se manifestara negativamente quanto à possibilidade de promover a revisão do processo.
Ora, assim sendo, voltar a suscitar junto daquele organismo a mesma questão era previsivelmente inútil, como, aliás, se veio a demonstrar já que, apesar de decorridos praticamente oito meses, não se verificou qualquer resposta por parte do Centro Nacional de Pensões.

26. Acresce, porém, que a posição ora adoptada pelo Senhor Secretário de Estado, para além do mais, carece totalmente de fundamentação.

27.Começando pelo último dos argumentos aduzidos, parece, desde logo, esquecer-se que o Provedor de Justiça é um órgão do Estado consagrado no art.º 23.º da Constituição da República Portuguesa e que, de acordo com o n.º 2 deste artigo, a respectiva actividade é independente dos meios graciosos e contenciosos previstos na Constituição e nas leis.
Sendo que, resulta, também, explicitamente, do art.º 21.º, n.º 2 da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, Estatuto do Provedor de Justiça, que a intervenção do Provedor não é limitada pela utilização de meios graciosos e contenciosos previstos na Constituição e nas leis, nem pela pendência desses meios.

28. Já quanto ao primeiro dos argumentos aduzidos, importa ter em conta que se é certo que o Centro Nacional de Pensões é uma instituição da Segurança Social de âmbito nacional, dotada de personalidade jurídica e de autonomia administrativa, financeira e patrimonial, não estando dependente hierarquicamente do Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais, também é certo que a superintendência a que estão sujeitos os serviços da administração indirecta do Estado se traduz em poder de orientação, no âmbito do qual se integra, naturalmente, o poder de definir directivas, orientações ou recomendações quanto à forma de desempenho de certas atribuições.

29. Ora da definição de tais directivas ou orientações poderá resultar a alteração de casos concretos.

30. Não se ignora que o que está em causa neste processo é a alteração da decisão do Centro Nacional de Pensões no que respeita à pensão de sobrevivência da reclamante. De todo o modo, nada impedia o Senhor Secretário de Estado de conhecer o assunto para definir orientações para este tipo de casos.

31. Até porque, como se sabe, é frequente não só os serviços da administração indirecta solicitarem orientações concretas àquela Secretaria de Estado, como, também, esta prestá-las mesmo na ausência de solicitação do órgão visado.

32. É pois, neste contexto, em que a resposta do Senhor Secretário de Estado da Segurança Social e das Relações Laborais, ao limitar-se a aduzir as considerações acima expostas, sem incluir qualquer posição quanto ao mérito da questão apresentada, é, objectivamente, violadora do dever de cooperação previsto, desde logo, no art.º 23.º, n.º 4, da Constituição e no art.º 29.º, n.º 1, do Estatuto do Provedor de Justiça, pelo que me dirijo a Vossa Excelência.

33. Na verdade, como demonstrei, o Centro Nacional de Pensões pagou uma pensão de sobrevivência a quem não tinha direito a recebê-la e continua a pagar uma pensão de montante inferior ao devido a quem a ela tem legítimo direito.

Atento o exposto, RECOMENDO

a Vossa Excelência que desenvolva as diligências julgadas adequadas para que seja transmitida ao Centro Nacional de Pensões uma orientação no sentido de os actos de atribuição à Senhora … das prestações por morte de … serem alterados de modo a que os respectivos valores coincidam com os inicialmente fixados, sem prejuízo da competente actualização.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL