Secretário de Estado da Segurança Social
Rec. n.º 7/A/00
Proc.:R-3575/97
Data:2000.01.27
Área : A 3
Assunto: SEGURANÇA SOCIAL. PENSÃO DE INVALIDEZ. ACIDENTE DE TRABALHO.
Sequência: Não Acatada
1. O senhor …, beneficiário n.º … dirigiu-me uma reclamação referente à decisão que indeferiu a atribuição da pensão de invalidez.
2. O reclamante esteve de baixa por doença desde o dia 4 de Março de 1990 até ao dia 7 de Março de 1993, vindo a ser submetido a um processo de verificação de incapacidades permanentes no âmbito do qual, em 18 de Fevereiro de 1993, foi considerado apto.
Tendo recorrido dessa deliberação da Comissão de Verificação de Incapacidades Permanentes, o reclamante veio a ser considerado definitivamente incapaz para o exercício da sua profissão, por deliberação da Comissão de Recurso de 27 de Julho do mesmo ano, com efeitos ao referido dia 7 de Março.
Recentemente, o interessado foi, de novo, avaliado por junta médica que manteve o teor das deliberações anteriores.
3. Na deliberação da Comissão de Recurso considerou-se que o motivo principal causador da incapacidade fora a “…amputação do polegar e indicador da mão direita e rigidez na mão esquerda por secções tendinosas e nervosas.”.
4. Porém, nessa deliberação, também se concluiu que a invalidez resultara de acidente de trabalho, pelo que a pensão de invalidez não deveria ser atribuída ao reclamante.
5. O exponente veio contrapor que a origem da incapacidade definitiva para o exercício da sua profissão decorria não da doença considerada, mas de outras, nomeadamente “problemas de coluna e olhos”, ao mesmo tempo que questionava a origem da incapacidade diagnosticada pela Comissão de Recurso salientando que a amputação do polegar e indicador da mão direita ocorrida em Outubro de 1952 e a amputação da última falange do dedo médio da mão esquerda ocorrida no Verão de 1976, não o haviam impedido de continuar a trabalhar normalmente até 4 de Março de 1990.
6. Por força da incapacidade resultante do acidente ocorrido em 1952 (incapacidade de 40% da mão direita) o reclamante encontra-se a receber uma pensão de 15 120$00 e, da incapacidade resultante do acidente ocorrido em 1976 (incapacidade de 1% da mão esquerda) recebeu uma indemnização no valor de 5 000$50.
7. O indeferimento da atribuição da pensão de invalidez fundamentou-se, pois, no disposto no art.º 77.º, n.º 1, do Decreto n.º 45 266, de 23 de Setembro de 1963, em vigor ao tempo da junta de recurso, de acordo com o qual não tinham direito à pensão de invalidez os beneficiários definitivamente incapacitados para trabalhar na sua profissão em resultado de doença ou acidente que estivessem a coberto de legislação especial sobre acidentes de trabalho.
8. A situação objecto da exposição foi apreciada no âmbito desta Provedoria de Justiça, tendo-se concluído que o indeferimento da atribuição da pensão de invalidez carecia, efectivamente, de fundamento legal.
9. Nessa medida, foi solicitada ao Centro Nacional de Pensões, através do ofício n.º …, de 27 de Abril de 1999, informação quanto à disponibilidade para promover a revisão do processo de atribuição da pensão de invalidez ao beneficiário.
10. Na resposta àquele ofício, veiculada através do ofício n.º …, o Centro Nacional de Pensões veio a manifestar-se negativamente quanto àquela possibilidade.
Todavia, se se atentar no teor desse ofício, facilmente se verifica que a posição do Centro Nacional de Pensões se manteve sem que se tivesse, sequer, contraposto qualquer argumento às razões aduzidas por esta Provedoria de Justiça.Com efeito, o Centro Nacional de Pensões limita-se a reproduzir alguns elementos de facto já conhecidos, insistindo, nomeadamente, na natureza infortunística dos incidentes que vitimaram o exponente em 1953 e 1976.
11. Ora, essa natureza dos acidentes em causa não estava em causa, nem esta Provedoria de Justiça a questionou no entendimento transmitido ao Centro Nacional de Pensões.
12. O que estava, efectivamente em causa, era saber se, apesar da natureza desses acidentes, se haviam verificado os pressupostos que fundamentaram a decisão da Comissão de Recurso, isto é, se a incapacidade permanente por ela verificada resultara imediatamente dos acidentes de trabalho e se essa incapacidade estava a coberto da legislação relativa a esse tipo de acidente.
13. Isto, porque, atentos os elementos disponíveis e, designadamente, os de natureza médica integrantes do processo de verificação de incapacidades permanentes, não estava comprovada a verificação de nenhum desses pressupostos.
14. Na verdade, atentas as circunstâncias de facto acima referenciadas, a identificação das razões determinantes da incapacidade permanente (e definitiva) reconhecida ao beneficiário, tinha, necessariamente, que passar por uma avaliação que permitisse esclarecer:
– se essa incapacidade resultara imediatamente dos acidentes de trabalho;
– ou, se resultara de um agravamento, recidiva ou recaída da incapacidade reconhecida ao exponente na sequência desses acidentes.
15. Para além das circunstâncias de facto que caracterizam o caso em apreço, outra razão aconselhava, também, esse esclarecimento.
É que, conforme resulta de informação do médico de família do exponente, as lesões resultantes dos acidentes acima referenciados, embora por si só já fossem incapacitantes, com o decorrer dos anos e da patologia associada – cervicobraquialgias e lombalgias – tornaram-se ainda mais incapacitantes.
Sendo que, ainda de acordo com o parecer desse médico, essa evolução, para quem trabalha na arte de ourivesaria, como o exponente, é drasticamente limitativa.
16. Suscitava-se, pois, antes de mais, a questão de saber se a avaliação tendente a promover esse esclarecimento havia sido feita pela Comissão de Recurso.
17. Nessa medida, foram solicitadas informações complementares ao Serviço Sub–Regional do Porto do Centro Regional de Segurança Social do Norte, o qual veio responder o seguinte: “O Presidente da C.R.I.P. reafirma que à data do respectivo recurso em 1993, a incapacidade definitiva para a sua profissão foi considerada pelas queixas do doente referentes à deformidade e dificuldade existente nas suas mãos e motivadas pelas lesões provocadas por acidente de trabalho. As queixas do foro oftalmológico e da coluna vertebral não foram consideradas como incapacitantes para o mesmo efeito.
No que diz respeito ao possível agravamento da situação clínica em relação às lesões iniciais, não existem elementos que possibilitem essa comparação, pois só a Companhia Seguradora é possuidora desses dados”.
18. Presente essa informação, verifica-se que o próprio serviço de verificação de incapacidades permanentes reconhece:
– não ter procedido a uma avaliação da evolução da situação clínica do beneficiário que permitisse determinar se a situação incapacitante reconhecida na sequência dos acidentes de trabalho era a mesma que fora reconhecida no âmbito do processo de verificação de incapacidades permanentes levado a cabo;
– não dispor de elementos que permitissem determinar se se havia verificado um agravamento da situação clínica do beneficiário.
19. Consequentemente, também, não podia aquela Comissão de Recurso saber se, durante o período que mediou entre o primeiro daqueles acidentes (o mais grave) e a data em que teve lugar o processo de verificação de incapacidades, se havia verificado uma modificação da capacidade de ganho do beneficiário.
20. O parecer elaborado pelo médico de família do reclamante, dá, no entanto, conta de uma evolução da situação clínica do exponente durante aquele período. Evolução essa que, conforme referido, se traduziu num agravamento das lesões decorrentes dos acidentes de trabalho, as quais se tornam mais incapacitantes e drasticamente limitativas para quem, como o reclamante trabalhava na arte de ourivesaria.
Saliente-se, aliás, que o reclamante continuou a desenvolver esta arte mesmo depois daqueles acidentes (ocorridos, como se disse, em 1953 e 1976) pelo que a incapacidade não poderia resultar, apenas, dos mesmos.
21. Verifica-se, pois, que o único elemento de natureza médica constante no processo que incluiu uma ponderação da evolução da situação clínica do reclamante, contraria o primeiro pressuposto em que se baseou a decisão de indeferimento da atribuição da pensão de invalidez.
22. Isto porque, segundo o mesmo não foi a mesma incapacidade que se verificava após a ocorrência dos acidentes de trabalho, mas o agravamento dessa incapacidade que determinou a modificação da capacidade de ganho do reclamante e foi esta modificação que levou ao reconhecimento da incapacidade como permanente e definitiva.
23. Ora, assim sendo, também o segundo pressuposto em que assentou a decisão da Comissão de Recurso deixa de ter qualquer fundamento, uma vez que, como demonstrarei, à data da verificação da incapacidade permanente, o reclamante não estava já a coberto de legislação especial sobre acidentes de trabalho.
24. Com efeito, de acordo com o disposto no art.º 24.º da Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936, em vigor na data em que ocorreu o primeiro dos acidentes de trabalho referidos, o exponente apenas poderia ter requerido a revisão da pensão que lhe foi atribuída, com base na modificação na capacidade geral de ganho, no prazo de cinco anos a contar da data da homologação do acordo ou do trânsito em julgado da sentença.
25. Da mesma forma, no que diz respeito ao segundo acidente, de acordo com o disposto na Base XXII, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, as prestações podiam ser revistas e aumentadas se a revisão fosse requerida no prazo de dez anos posteriores à data da fixação da pensão, com fundamento na modificação da capacidade de ganho da vítima, proveniente de agravamento, recidiva ou recaída.
26. Na verdade, é genericamente reconhecido pela jurisprudência ( Ac. RE, de 23.4.1985, Col. Jur., 1985; Ac. RP, de 20.7.87, BMJ, 366-552; Ac. RE, de 24.3.1988, Col. Jur., 1988, 2.º – 291), que a protecção jurídica dos sinistrados cuja situação se degrade e provoque a modificação da capacidade de ganho, em sede de processo de acidente de trabalho, é limitada em função do tempo.
27. Ora, no caso em análise, embora as lesões do exponente tenham tido origem em acidentes de trabalho, a incapacidade permanente verificada pela Comissão de Recurso não estava já a coberto de legislação especial sobre acidentes de trabalho, porque a protecção jurídica que o instituto da revisão pretende acautelar já não era susceptível de ser efectivada.
Razão pela qual o exponente não podia ser considerado abrangido pela exclusão prevista no art.º 77.º, n.º 1, do Decreto n.º 45266, de 23 de Setembro de 1963.
28. De outro modo, o beneficiário, apesar de definitivamente incapacitado, estaria simultaneamente impossibilitado de requerer a revisão da pensão por acidente de trabalho e de receber a pensão de invalidez.
29. A interpretação que leve a tal conclusão não estaria, certamente, no espírito do legislador, porquanto a limitação temporal da possibilidade de revisão da pensão, com base na modificação da capacidade de ganho resultante do agravamento, recidiva ou recaída de incapacidade resultante de acidente de trabalho, prende-se, apenas, com razões de segurança jurídica.
30. Não pode, pois, admitir-se que o legislador ao acautelar essa ordem de razões o fazia com prejuízo da protecção devida aos beneficiários face à eventualidade invalidez.
31. Uma tal interpretação seria, para além do mais, violadora do princípio de justiça e dos princípios insertos no art.º 63.º, n.ºs 1 e 3 da Constituição da República Portuguesa.
32. Refira-se, aliás, a este propósito, que o próprio Serviço Sub-Regional do Porto veio a remeter, um parecer em que se refere: – “A questão jurídica consiste em determinar, face aos prazos de revisão de pensão por acidente de trabalho, já escoados quando do requerimento da pensão por invalidez, se a incapacidade, embora no âmbito da infortunística laboral, é capaz de fundamentar atribuição de pensão de invalidez, precisamente por se ter esgotado o prazo de revisão da pensão por acidente.
Nesta óptica, já não havendo cobertura do caso pela legislação específica laboral, não haveria lugar à exclusão de atribuição de pensão de invalidez, pese a causa da invalidez, afastando-se a previsão do art.º 77.º, n.º 1, do Decreto 45 266 de 23 de Setembro de 1963.
Aparentemente, tal argumento, parece lógico e representaria uma maior justiça na protecção a situações como as do beneficiário em causa.
Há que ponderar, contudo, que ao interessado compete requerer, em tempo, revisão de pensão por acidente e que não o tendo feito, só a ele se pode imputar o prejuízo emergente.
O ónus de requerer, exercendo o direito de revisão, não incumbe à Segurança Social nem esta pode deixar de cumprir a lei expressa fazendo interpretação ab–rogatória”.
33. Presente o teor do parecer, verifica-se que o próprio Serviço Sub-Regional do Porto reconhece que o reclamante não se encontrava já a coberto de legislação especial sobre acidentes de trabalho.
34. Diga-se, no entanto, quanto à reserva aduzida pelo Serviço Sub-Regional a propósito do ónus relativo à instauração do processo de revisão, que não é legítimo imputar, agora, a culpa pela falta de protecção ao beneficiário no âmbito da legislação relativa aos acidentes de trabalho a uma eventual conduta menos diligente por parte deste.
35. Na verdade, sabendo-se que o acidente de trabalho do qual decorreram as lesões mais incapacitantes ocorreu há 43 anos e que, após a respectiva ocorrência, o reclamante ainda trabalhou durante 41 anos, pretender situar esse agravamento nos cinco anos posteriores à data do acidente, sem qualquer fundamento que possa sustentar essa afirmação, é manifestamente violador do princípio da boa fé.
36. Verifica-se, pois, que os pressupostos em que se baseou a deliberação da Comissão de Recurso se não verificavam, pelo que, a exclusão da atribuição da pensão de invalidez ao exponente por força do disposto no art.º 77.º, n.º 1, do Decreto n.º 45 266, de 23 de Setembro de 1963, carece de qualquer fundamento legal.
Em face do exposto, RECOMENDO
que seja transmitida ao Centro Nacional de Pensões orientação no sentido de promover a revisão do processo em causa e revogar o acto de indeferimento da atribuição da pensão de invalidez.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
JOSÉ MENÉRES PIMENTEL