Presidente da Câmara Municipal de Marco de Canaveses
Rec. n.º 12/B/00
Proc.R-2186/99
Data:29-03-00
Área:A 6
Assunto: DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS. AUTARQUIAS LOCAIS. ALTERAÇÃO DO CÓDIGO DAS POSTURAS. MERCADOS E FEIRAS.
Sequência: Acatada parcialmente
Chegou ao meu conhecimento o teor do art.º 264.º do Código de Posturas desse município. No seu n.º 1 prevê-se a aplicação de pena de expulsão dos lugares dos terrados das feiras e mercados a quem pratique alguma das infracções aí elencadas. No n.º 2 do mesmo artigo atribuem-se efeitos perpétuos a esta sanção, já que se determina que “os infractores não poderão, futuramente, arrematar ou adquirir quaisquer lugares de terrado das feiras e mercados, …, assim como não poderão ser empregados de qualquer rematante de lugares de mercados ou feiras.”
Está assim em causa quer a liberdade de iniciativa económica, quer a de exercício de profissão, restringidas por efeito da aplicação destas sanções.
Um inquestionável princípio geral das restrições dos direitos, liberdades e garantias, expresso pelo art.º 18.º da Constituição, é naturalmente o da sua necessidade, adequação e proporcionalidade aos fins que visa proteger. Neste caso, quer o tipo de sanção, quer a sua conformação, rectius duração, devem obedecer a este princípio, não havendo lugar para a previsão de sanções manifestamente excessivas ou desadequadas à censurabilidade do facto e do seu agente.
Nos termos do art.º 2º do Código de Posturas Municipais, a violação das normas dele constantes constituem contra-ordenação, punidas com coima, coima esta que se traduz na obrigação do pagamento de certa quantia.
De modo bastante anómalo, para as infracções previstas nas várias alíneas do n.º 1 do art.º 264.º não está prevista qualquer sanção pecuniária. Tal basta para se considerar a inconstitucionalidade de tal norma, já que a Constituição apenas prevê como formas de direito sancionatório o direito penal, o contra-ordenacional e o disciplinar. Não estando em causa este último, por nenhum poder de direcção, público ou privado, ou subordinação jurídica existir no caso regulado pela norma, afastada a hipótese da contra-ordenação pela inexistência de coima, não sendo viável considerar a via do direito penal, por manifestamente carecer de competência essa autarquia para estabelecer penas e definir crimes, necessário se torna concluir que estamos perante um quarto género, não constitucionalmente admitido excepto por autorização parlamentar.
Em caso idêntico já o Tribunal Constitucional teve a oportunidade de se pronunciar, declarando com força obrigatória geral a inconstitucionaldade da criação da medida de inibição do uso do cheque, também por não ser reconduzível a nenhum dos géneros sancionatórios admitidos pela Constituição (cfr. acórdão 430/91, publicado no DR, I-A, 1991.12.07).
Necessário se torna, assim, que seja alterada a punição prevista para as situações elencadas no art.º 264.º do código de posturas, postulando-se a título principal uma coima e, querendo, a título acessório sanções do género das actualmente existentes.
Esta última situação só é possível porque, admitindo que se trata da previsão de uma contra-ordenação, é manifestamente necessário integrar as disposições punitivas do código de posturas no quadro do regime geral das contra ordenações, regulado pelo Decreto-Lei nº 433/89, de 27 de Outubro. Este diploma prevê no art.º 21º a possibilidade de a lei cominar simultaneamente com a coima outras sanções acessórias, entre elas, a interdição de exercer uma profissão ou uma actividade. O nº 2 do citado artigo refere ainda que esta sanção tem a duração máxima de dois anos. Desta forma, será sempre impossível o estabelecimento de uma sanção perpétua, como a actualmente existente, o que, mesmo a admitir-se posição contrária à que defendo, sempre feriria a norma de ilegalidade, já que não pode presumir-se que a limitação estabelecida a uma sanção acessória não seja aplicável a uma sanção principal.
Como terceiro elemento que impõe a imediata alteração da disposição em causa, está a ausência de qualquer previsão que permita afeiçoar a gravidade da sanção à da infracção, em termos de necessidade, adequação e proporcionalidade. A norma actualmente existente pune com a mesma sanção, a da expulsão e interdição perpétuas, actos que podem revestir gravidade muito distinta, quer em termos dos contornos do próprio facto quer do grau de censurabilidade do agente.
Ora, em todo o direito sancionatório a proporção entre acto culposo e sanção é inultrapassável, já que se está a restringir o gozo ou exercício de direitos fundamentais.
Nestes termos, a previsão da coima e da eventual sanção acessória deve ser feita de modo a possibilitar essa adequação, designadamente não se devendo prever nem uma quantia nem um período de inabilitação fixos, mas sim numa moldura que permita uma efectiva justiça no caso concreto.
Face ao exposto, nos termos do art.º 20.º, n.º 1, b), da Lei nº 9/91, de 9 de Abril, RECOMENDO à Câmara Municipal de Marco de Canaveses, na pessoa de V. Ex.ª,
1. que promova a rápida alteração do art.º 264.º, n.ºs 1 e 2, do código de posturas desse município, estabelecendo como sanção a título principal uma coima de valor variável e, eventualmente, uma sanção acessória do género da actualmente prevista, com uma moldura temporal que permita uma adequação da pena à gravidade da infracção praticada e à culpa demonstrada pelo seu agente, sem nunca exceder o limite de dois anos;
2. que caso tenha sido aplicada a medida sancionatória actualmente prevista não sejam repercutidos os seus efeitos senão nos dois anos imediatos.
Nos termos do art.º 38.º, n.º 2, da mesma Lei, aguardo a resposta de V. Ex.ª no prazo aí estipulado. Caso a resposta não seja satisfatória, ver-me-ei forçado a utilizar os meios que a Constituição me fornece no seu art.º 281.º, n.º 2, d), requerendo ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade da norma em causa.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
JOSÉ MENÉRES PIMENTEL