Ministro da Defesa Nacional

Rec. n.º 11/B/00
Proc.: R-712/00
Data: 2000-03-27
Área: A 6

Assunto: Forças Armadas e Forças de Segurança – Deficiente.

Sequência: Não Acatada

I- Exposição de motivos

Em queixa que me foi dirigida, contestava-se a justiça da resolução de um caso concreto, em que o interessado tinha provado todos os requisitos necessários à qualificação como equiparado a deficiente das Forças Armadas (DFA), nos termos do art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 319/84, de 1 de Outubro, sendo que tal qualificação apenas lhe não teria sido concedida devido à verificação do prazo de caducidade três meses, previsto no art.º 2.º, n.º 3, do mesmo diploma para requerer a mesma, mau grado a sua posterior reabertura por mais 90 dias pelo Decreto-Lei n.º 267/88, de 1 de Agosto.
Apesar de não ter dado provimento a esta queixa, no sentido de considerar inconstitucional a fixação do prazo de caducidade referido, entendi apurar se seria ou não conveniente sensibilizar Vossa Excelência para a alteração da norma em questão.
Devo preliminarmente fazer notar que recentemente tive ocasião de solicitar ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 319/84, na parte em que restringe o acesso a estes benefícios a cidadãos portugueses. Apesar de ter caducado a possibilidade de se requerer a equiparação aí prevista, a declaração de inconstitucionalidade mantém no entanto o seu interesse, na medida em que evita a perda de benefícios daquele diploma decorrentes para quem venha a perder a nacionalidade portuguesa.
Ouvida a Associação de Deficientes das Forças Armadas (ADFA), fui informado de que existirá cerca de uma dezena de casos de pessoas em idênticas condições às do que me foi presente, com processos concluídos e prova feita dos requisitos necessários à qualificação como DFA, apenas não a obtendo devido à referida caducidade.

Igualmente me foi referido existir ainda um número indeterminado de pessoas em situação de poder requerer a qualificação como DFA, ao abrigo daquele diploma, e que não o fizeram, quer por desconhecimento dessa possibilidade, sendo na maioria pessoas que ficaram nas ex-colónias, quer por dificuldade grave na deslocação a Portugal para instruírem o processo.
Refira-se ainda que, a acrescer ao referido, existem outros motivos que impossibilitaram o aproveitamento dos dois períodos para apresentação de requerimentos, quais sejam a maior dificuldade na obtenção de elementos probatórios dos acidentes, quer pela distância geográfica, quer pela natureza da actividade no âmbito da qual foi provocada a deficiência, muitas vezes enquadrada de modo informal pela instituição militar, bem como o facto de porventura se encontrar por definir a exigida nacionalidade portuguesa.

II- Do direito

O Decreto-Lei n.º 43/76 de 20 de Janeiro manifestou de forma particular a responsabilidade do Estado pelo apoio aos cidadãos que se deficientaram ao seu serviço nas Forças Armadas.
Por apenas prever no seu âmbito os cidadãos que pertencessem às Forças Armadas, veio o Decreto-Lei n.º 319/84, de 1 de Outubro, proceder ao alargamento daquele estatuto àqueles ” elementos de diversas corporações de segurança e similares existentes nos ex-territórios do ultramar e outros civis, que, comandados, enquadrados ou integrados nas Forças Armadas, actuavam ao lado dos militares em operações de campanha ou de manutenção da ordem pública.”
No n.º 3 do art.º 2.º deste diploma fixou-se o prazo no qual os interessados deviam requerer a sua qualificação como DFA.
Por se ter verificado a escassez de tal prazo, atendendo além do mais ao facto de a legislação em causa só ser aplicável a cidadãos portugueses, sendo certo que muitos dos casos abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 319/84 são de cidadãos originários dos ex-territórios ultramarinos cuja nacionalidade poderia ainda não estar definida, veio o Decreto-Lei 267/88, de 1 de Agosto, promover a abertura de um prazo adicional de três meses. Esta possibilidade foi decerto motivada pela existência de múltiplas reclamações devidas à exiguidade do prazo e às injustiças originadas pelo referido prazo, conforme refere o preâmbulo deste diploma.

Contudo, verifica-se que persistem situações de injustiça originadas pela caducidade do referido prazo, conforme referido acima.
Sucede ainda que não se compreende que no caso dos militares não exista prazo para requerer a qualificação como DFA, ao passo que no caso de pessoas que se tornaram deficientes em idênticas circunstâncias e condições, excepto a de não serem militares mas agentes das forças de segurança ou civis por aqueles enquadrados, já se faça depender tal qualificação do cumprimento de um estreitíssimo prazo, sob pena de caducidade.
Noto, como referi acima, que persistem situações de pessoas com inegável direito moral de reparação nacional, devendo beneficiar do conjunto de direitos e regalias que o estatuto de DFA proporciona e que por motivos meramente formais se vêem forçadas a sobreviver em situações económicas e sociais pouco dignas e com escassas possibilidades de integração social.
Se se pode dizer que o Decreto-Lei n.º 43/76 se aplica não só ao passado mas também ao futuro, sendo um diploma de vocação genérica e permanente, enquanto o regime do Decreto-Lei n.º 319/84 se aplica apenas a factos passados, sendo possível o esgotamento e determinação do seu universo, nem por isso é defensável a adequação da imposição de um prazo de caducidade neste caso, já que é certo que o primeiro dos diplomas referidos não fixa qualquer prazo de caducidade para situações passadas ou mesmo para as futuras, a partir da sua verificação. Não esqueço que a fixação de um prazo pode contribuir para uma maior segurança na apreciação dos factos, também contribuindo para fixar o universo dos beneficiários da norma. No entanto, a circunstância de sempre caber ao requerente a prova dos factos que alega, à maior dilação que lhe seja imputável corresponderá em regra maior dificuldade de ser produzida a prova exigida. Creio que neste aspecto em particular, o Estado português só lucrará em honrar aqueles que ao seu serviço e em situações muito especiais sofreram lesões incapacitantes.

A eliminação do prazo previsto no Decreto-Lei n.º 319/84 é assim, mais do que justa, conveniente para os interesses do Estado. Acrescento que a verificar-se, tal medida resolverá também uma eventual omissão resultante da decisão que o Tribunal Constitucional venha a proferir de provimento do pedido que formulei solicitando a declaração de inconstitucionalidade da restrição da qualidade de DFA ou equiparado a cidadãos nacionais. É que, declarada essa inconstitucionalidade, ela apenas aproveita aos cidadãos estrangeiros que eram portugueses à data de publicação do Decreto-Lei n.º 319/84 ou da do Decreto-Lei 267/88, apenas tendo perdido a nacionalidade depois. Quanto aos que, sendo estrangeiros na mesma altura, não requereram a equiparação no devido tempo por não possuírem o requisito da nacionalidade, ver-lhe-ão novamente vedada essa possibilidade, agora pelo decurso do prazo.
Para cúmulo, veja-se que da decisão de provimento do meu pedido de fiscalização da constitucionalidade, que se deseja, resultará que quem tenha perdido a nacionalidade portuguesa antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 43/76 poderá ser amanhã reconhecido como DFA e não como equiparado, se for caso disso, pelo simples facto da existência do prazo em questão.

Em face do exposto ,RECOMENDO

1.º Que a equiparação estabelecida pelo art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 319/84, da situação dos não militares que se deficientaram em idênticas condições e circunstâncias que os militares, ao regime previsto no Decreto-Lei n.º 43/76, seja feita sem dependência de prazo de caducidade, revogando-se a disposição do n.º 3 do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 319/84, ou, caso assim não se entenda embora se não prefira,
2.º Que seja estabelecido um novo prazo para requerer a qualificação como equiparado a DFA, nos termos do art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 319/84, o qual não deverá ser inferior a 6 meses, devendo promover-se uma adequada divulgação do mesmo, nomeadamente através da rede diplomática e consular portuguesa nos antigos territórios do ultramar.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL