Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas
Rec. n.º 23/B/00
Proc.: R-4742/98
Data: 28/12/00
Área: A 6
Assunto: DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS. EXPROPRIAÇÕES. REFORMA AGRÁRIA. INDEMNIZAÇÃO.
Sequência: Parcialmente acatada.
1. Entende esse Ministério da Agricultura, numa interpretação dos preceitos legais aplicáveis que me permito nesta sede não apoiar, que as indemnizações definitivas no âmbito da reforma agrária, na circunstância em que os bens nelas englobados foram objecto de posterior devolução, serão sempre apenas atribuídas às pessoas que, à data da expropriação, nacionalização ou ocupação daqueles bens, tinham, sobre estes, a titularidade dos direitos pertinentes para a aplicação do quadro normativo em apreço, não atendendo a Administração, na aplicação que faz daquela legislação, às posteriores alterações relativas à titularidade dos direitos em causa, v. g. por via da compra e venda dos bens ou da respectiva transmissão por morte.
Esta interpretação da lei, que se concede, na maior parte dos casos concretos, poder não acarretar quaisquer consequências, permitirá, no entanto (e foi possível a este Órgão do Estado verificar a existência de situações concretas no sentido a seguir apontado), que alguns dos titulares dos direitos protegidos no âmbito da mencionada legislação – precisamente os que não eram titulares à data da expropriação, nacionalização ou ocupação dos bens mas que, em virtude da aquisição dos direitos aqui em foco, acabaram por sê-lo ainda durante o período anterior à devolução daqueles -, se vejam impossibilitados de requerer a atribuição da indemnização definitiva devida sobre aqueles bens, pelo tempo em que, já titulares de direitos sobre os mesmos, estes se encontravam ainda ocupados. E isto na medida em que, conforme já explicitado, entende esse Ministério que os processos de indemnização definitiva apenas podem ter como titulares os titulares dos direitos sobre os bens à data da respectiva expropriação, nacionalização ou ocupação, considerando-se o Governo alheio às modificações que, ainda no período da ocupação, possam eventualmente ter moldado a situação jurídica dos bens em causa, e ocasionado o aparecimento de sucessivos titulares dos mesmos direitos sobre os mesmos bens, até à devolução destes.
Serve assim o presente para comunicar a Vossa Excelência o meu desacordo relativamente à posição que esse Ministério assume quanto à questão colocada, não só na medida em que a legislação que lhe é aplicável não levará à interpretação que lhe é dada pelo Governo, restringindo esta onde aquela o não faz, como pelo facto de a solução por que enveredou esse Ministério potenciar, aplicada a determinados casos concretos, situações de manifesta injustiça.
2. Assim, refere o art.º 3.º, n.º 1, alínea c), do decreto-lei n.º 199/88, de 31 de Maio, que as indemnizações definitivas visam compensar “a privação temporária do uso e fruição dos bens indicados no artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e c) (do diploma, na redacção conferida pelo art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 199/91, de 29 de Maio), no caso de devolução desses bens em momento ulterior ao da sua nacionalização ou expropriação”. O mesmo diploma, desta feita na redacção que lhe foi dada pelo art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 38/95, de 14 de Fevereiro, estabelece, no seu art.º 5.º, n.º 1, que “a indemnização pela privação temporária do uso e fruição prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 3.º corresponderá ao valor do rendimento líquido dos bens durante o período em que o seu titular tiver ficado privado do respectivo uso e fruição, tendo em conta a exploração praticada nos prédios rústicos à data da sua expropriação ou nacionalização, ou da sua ocupação, no caso de esta a ter precedido”. Da mesma forma, dispõe o art.º 14.º, n.º 1, do diploma (após a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 38/95) que “os proprietários ou titulares de outros direitos reais de gozo sobre bens nacionalizados ou expropriados a quem tenham sido devolvidos esses bens em data posterior à da ocupação, nacionalização ou expropriação terão direito a uma indemnização pela privação temporária de uso e fruição dos bens devolvidos”.
A Portaria n.º 197-A/95, de 17 de Março, concretizando os princípios acima definidos, prescreve, no seu art.º 2.º, n.º 1, que “o valor definitivo da indemnização pela privação temporária do uso e fruição do património fundiário expropriado, nacionalizado ou meramente ocupado e posteriormente devolvido, será calculado com base nos rendimentos líquidos médios, já actualizados (…), multiplicados pelo número de anos em que se verificou a privação efectiva dos bens, contados desde a data da ocupação até à sua posterior posse ou detenção pelo ex-titulares (…)”.
3. A análise do teor dos preceitos que importarão para a apreciação da presente situação, acima transcritos, levará às seguintes conclusões. Antes de mais, que serão indemnizandos, no âmbito do referido diploma, os titulares do direito de uso e fruição sobre os prédios expropriados ou nacionalizados ao abrigo da legislação sobre reforma agrária, ou apenas ocupados, nos termos aí explicitados, quando os mesmos foram posteriormente objecto de devolução. Por outro lado, que a indemnização corresponderá ao valor do rendimento líquido dos bens, precisamente durante o período em que os respectivos titulares ficaram privados daquele uso e fruição. Finalmente, que o referido cálculo da indemnização terá por base a exploração praticada nos prédios à data da sua expropriação ou nacionalização, ou da sua ocupação se esta for anterior.
Não se revelará, desta forma, rigorosa a conclusão contida em informações desse Ministério, cujas cópias constam do presente processo, quando nelas se afirma que “o DL 199/88 no art.º 3.º n.º 1 e n.º 2 prevê a indemnização dos titulares dos direitos à data das ocupações” (sublinhado nosso), já que o que se reportará à data das ocupações serão os valores da exploração praticada nos prédios, para efeitos do cálculo das indemnizações, e não os titulares dos direitos protegidos. Pelo que a lei não exclui a circunstância de a titularidade do direito à indemnização aqui em causa poder vir a pertencer ou também a pertencer a outras pessoas que não os titulares daquele direito à data da expropriação, nacionalização ou ocupação, pessoas essas que terão, em momento ainda anterior à devolução, adquirido por qualquer forma, e mesmo conhecendo a situação de ocupação dos prédios, o direito em foco. Estas pessoas terão estado igualmente privadas do uso e fruição dos bens até à respectiva devolução, não afastando a lei a possibilidade de também elas poderem vir a ser indemnizadas, relativamente ao período em que, desde a data da aquisição do direito ao uso e fruição dos bens até à devolução destes, não o puderam exercer em virtude da ocupação.
O conceito de “pessoa” ou de “interessado” a que se refere a legislação, no art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 199/88 ou no art.º 6.º da Portaria n.º 197-A/95, não inviabiliza, decerto, que no mesmo se incluam todos os hipotéticos cidadãos que, durante a ocupação dos bens, possam ter sido titulares dos direitos sobre estes e protegidos no âmbito da referida legislação. Aliás, a lei não parece circunscrever tal conceito ao de titular dos direitos sobre os bens, possibilitando que o mesmo abranja todos os eventuais indemnizandos, nos termos mencionados. Note-se que, até olhando à sistematização da lei, tais dispositivos aparecem no capítulo relativo ao processo para determinação do valor das indemnizações, e não na parte relativa à determinação dos destinatários da lei, na perspectiva dos titulares do direito à indemnização na mesma prevista.
4. Deste modo, nenhuma razão se vislumbra, mormente no âmbito da legislação aplicável, para não serem indemnizados, ao abrigo da mesma, todos os sucessivos titulares do direito de uso e fruição sobre o mesmo bem, cada qual pelo período em que, durante a ocupação daquele, cada um dos então titulares esteve efectivamente privado daquele exercício. A não ser assim, alguns destes titulares ficariam obviamente prejudicados, não lhes sendo atribuída a indemnização concreta que a lei lhes garante pela privação do uso e fruição sobre os bens certos e determinados que lhes foram, em determinado momento e por qualquer via legal possível, afectos, e pelo período em que, já titulares daqueles direitos, não os puderam exercer.
Tendo em atenção que a legislação em análise visa precisamente compensar os seus destinatários pelos danos causados na sua esfera jurídica pela ocupação, durante um determinado período de tempo, dos bens em causa, dano esse que corresponde, na situação de ocupação, a um dano continuado, mal seria que a lei não indemnizasse, para além dos que o detinham à data da expropriação, nacionalização ou ocupação, todos os eventuais sucessivos titulares do direito de uso e fruição sobre aqueles bens, pelo período de tempo em que cada um deles veio a estar efectivamente privado do seu exercício (sendo que, por exemplo, no caso da aquisição por via sucessória, os efeitos de uma eventual adjudicação de bens no âmbito de um acordo de partilhas, retroagem à data da abertura da herança).
5. Face ao que fica exposto, e ao abrigo do disposto no art.º 20.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 9/91, de 09 de Abril, RECOMENDO
a Vossa Excelência que os art.ºs 3.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 199/88, de 31 de Maio, 5.º, n.º 1, e 14.º, n.º 1, do mesmo diploma, desta feita na redacção que lhe foi dada pelo art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 38/95, de 14 de Fevereiro, e 2.º, n.º 1, da Portaria n.º 197-A/95, de 17 de Março, sejam interpretados no sentido de englobarem, na atribuição da indemnização aí consignada, não apenas os titulares dos direitos em causa à data da expropriação, nacionalização ou ocupação dos bens, mas todos os sucessivos titulares desses mesmos direitos, que os tenham adquirido, por qualquer via legal possível, no lapso de tempo que medeia a expropriação, nacionalização ou ocupação e a devolução, e pelo período em que cada um deles esteve efectivamente privado desse exercício.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
H. NASCIMENTO RODRIGUES