Presidente da Câmara Municipal de Alijó
R-3246/97
N.º 93/A/99
1999.12.23
Área: A1
Assunto:DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS – PROPRIEDADE PRIVADA – RESTRIÇÕES – ABASTECIMENTO DE ÁGUA – MUNICÍPIO – INDEMNIZACAO.
Sequência:Acatada
I-Exposição dos Motivos
1º-Da reclamação
1. Foi solicitada pelo Exmo. Senhor … a minha intervenção junto da Câmara Municipal de Alijó.
2. Alegava o reclamante ter adquirido, em 1997, um prédio rústico sito na freguesia de Favaios, concelho de Alijó, a fim de nele proceder ao plantio de vinha. Iniciados os trabalhos agrícolas, verificou o reclamante a existência de uma conduta subterrânea destinada ao abastecimento público de água à aldeia de Vilarinho de Cotas, o que acarretou a impossibilidade de se proceder à cultura de vinha em parte do referido prédio.
3. Informou ainda o reclamante que a Câmara Municipal de Alijó teria, inicialmente, demonstrado disponibilidade para prestar uma indemnização com fundamento na diminuição de valor do prédio decorrente da impossibilidade de plantio de vinha. Contudo, a posição desse município foi, entretanto, inflectida.
2º-Da instrução
4. No âmbito da instrução do presente processo, e em cumprimento do disposto no artigo 34º do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei nº 9/91, de 9 de Abril, foram solicitados esclarecimentos a esse órgão autárquico acerca da situação denunciada e da possibilidade do indemnização ou aquisição da parte do terreno em causa.
5. Através dos ofícios de V. Exa., com data de …, foi verificado o seguinte:
a) a conduta para abastecimento de água teria sido instalada há cerca de dez anos;
b) a servidão daí resultante não foi constituída por acto do Governo, nem registada junto da competente conservatória do registo predial;
c) o anterior proprietário do prédio, que o vendeu ao reclamante, teria consentido verbalmente na constituição da serventia estabelecida pela instalação da conduta;
d) a ponderação do eventual pagamento da indemnização ao reclamante deveu-se ao facto de estar a ser construída uma segunda conduta para abastecimento de água a Vilarinho de Cotas;
e) só no caso de esta nova conduta estar a ser instalada no terreno do reclamante teria este direito a ser indemnizado, o que se apurou não corresponder à realidade;
f) entende o município de Alijó que o reclamante não tem direito a qualquer indemnização por não ser proprietário do prédio à data de instalação da conduta, devendo, caso se julgue lesado nos direitos que lhe assistem, lançar mão da competente acção judicial.
3º-Da aplicação do direito
6. O direito de propriedade privada, consagrado no artigo 62º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, assume natureza análoga à dos direitos liberdades e garantias, beneficiando do respectivo regime constitucional (artigos 17º e 18º da CRP). Atendendo à natureza do direito de propriedade, estabelece o Código Civil que o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem (artigo 1305º), não sendo permitida a constituição de restrições senão nos casos previstos na Lei (artigo 1306º). As servidões administrativas, ainda que prosseguindo um fim de utilidade pública, representam restrições ao direito de propriedade, pelo que o seu conteúdo se encontra legalmente previsto e a respectiva constituição necessita efectuar-se de acordo com as formas previstas na Lei.
7. Nos termos do estabelecido no artigo 5º do Decreto-Lei nº 34.021, de 11 de Outubro de 1944, as servidões administrativas com vista ao abastecimento de águas potáveis a aglomerados populacionais deverão ser constituídas através de acto do Governo.
8. Mais se estabelece no Decreto-Lei nº 181/70, de 28 de Abril, o procedimento a observar para a constituição de servidões que necessitam da prática de um acto da Administração a fim de determinar a respectiva área e os encargos impostos. Do disposto no artigo 2º, nº 1, alínea u), do Código do Registo Predial, resulta ainda a obrigatoriedade de a servidão ser submetida a registo junto da conservatória do registo predial.
9. Nos termos do regime estabelecido pelos diplomas supra citados, a Câmara Municipal de Alijó deveria ter obtido aprovação governamental para o projecto de abastecimento de água potável à aldeia de Vilarinho de Cotas. Posteriormente, o acto administrativo de constituição da servidão necessitaria ser precedido de aviso público, sendo facultada aos interessados audiência prévia e a possibilidade de apresentar reclamações.
10. Diferentemente, é alegado o consentimento verbal do anterior proprietário do para a instalação da conduta e consequente constituição da serventia em causa. A confirmação destes factos, contestados pelo reclamante, caberia ao município de Alijó, de acordo com as regras do ónus da prova resultantes do artigo 342º do Código Civil, sendo que nenhum outro elemento foi trazido à instrução do presente processo para além do alegado por V. Exa.
11. De qualquer modo, o eventual consentimento do anterior proprietário do prédio reclamado para a constituição da servidão nunca seria oponível ao reclamante, visto não ter sido respeitado o regime legal aplicável, representando tão só um acto de mera tolerância, sem qualquer efeito real ou susceptível de vincular o reclamante.
12. Não tendo esse órgão autárquico dado cumprimento às normas respeitantes à regular constituição de servidão administrativa, a mesma deverá considerar-se inexistente, não podendo produzir quaisquer efeitos jurídico-administrativos oponíveis a terceiros.
13. E, não obstante a natureza imperativa do citado regime legal, nem se poderia alegar a constituição de servidão pelo decurso do tempo, uma vez que, nos termos do disposto nos artigos nos 1293º e 1548º do Código Civil, as servidões não aparentes não são susceptíveis de constituição por usucapião. No artigo 1548º, nº 2, considera-se servidão não aparente a que se não revela por sinais visíveis e permanentes, como é o caso da conduta reclamada, instalada no subsolo.
14. Do antecedente resulta que a conduta da Câmara Municipal de Alijó se traduziu numa operação material, executada à margem das normas e procedimentos aplicáveis à constituição de uma servidão administrativa desta natureza.
II-Conclusões
Em face do exposto, e no exercício da atribuição constitucional que me é confiada para a prevenção das injustiças e ilegalidades (artigo 23º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa), RECOMENDO
1º Que esse órgão autárquico promova a constituição da servidão administrativa resultante da instalação de conduta para o abastecimento de água à aldeia de Vilarinho de Cotas em conformidade com o regime aplicável.
2º Que o reclamante seja indemnizado pelos prejuízos que a actuação ilícita da Câmara Municipal de Alijó tenha dado causa, designadamente a impossibilidade de cultivo de parte do prédio onde se encontra instalada a conduta.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
José Menéres Pimentel