Presidente do Instituto da Água
Núcleo de Acompanhamento das Obras de Saneamento da Costa do Estoril

Rec. n.º 50/A/00
Proc. R-2031/00
Data: 2000-06-08
Área: A2

Assunto: URBANISMO E HABITAÇÃO. OBRAS PARTICULARES. VIOLAÇÃO DO PLANO DIRECTOR MUNICIPAL. DEMOLIÇÃO. DANOS. INDEMNIZAÇÃO.

Sequência: Não Acatada

I – Exposição de motivos

O presente processo foi instaurado com base na reclamação apresentada pela Senhora …, residente na Rua …, em São João do Estoril.

A reclamante veio solicitar a minha intervenção pelo facto de, decorrido mais de um ano sobre a realização da audiência escrita no âmbito do processo n.º …, o INAG não a ter ainda notificado da decisão final.

II – Dos factos

No ano de 1993 as obras de construção do colector afluente à caixa 132 do Interceptor Geral da 1.ª Fase do Sistema de Saneamento da Costa do Estoril, levadas a cabo na Rua …, em São João do Estoril, provocaram danos no imóvel propriedade da reclamante.

Em Julho de 1993, a reclamante, em carta dirigida à Comissão de Vistorias da Consulgal, Lda., denunciou a existência de danos na habitação que atribuiu à construção do referido colector.
Por carta de 8 de Julho de 1993, a Consulgal informou da necessidade da marcação de uma vistoria ao imóvel, solicitando à reclamante que entrasse em contacto telefónico com os seus serviços a fim de aquela ser agendada.
Em 15 de Julho de 1993 é realizada a vistoria que identifica a existência de diversos danos.

Em Agosto de 1993 e em 7 de Setembro do mesmo ano, a reclamante denuncia à Consulgal a ocorrência de novos danos.
Em 30/11/93 a reclamante informa a Consulgal de que o empreiteiro havia reparado o muro do prédio, mas que não tinha procedido à reparação da racha no lintel da fachada.

As obras de construção daquele colector ficaram concluídas em 25/07/94.
Por carta de 20/05/97 dirigida à Consulgal, a reclamante requer a realização de obras de reparação do prédio, uma vez que as de construção do colector estavam concluídas há muito.
Por carta de 27 de Junho de 1997, a Consulgal informa que o assunto deverá ser tratado com o INAG, “pedindo desculpa pelo atraso nesta
informação”.

Em 27 de Agosto de 1997 a reclamante solicita ao INAG a resolução do assunto.

Em 19 de Janeiro de 1999 a reclamante insiste junto do INAG.

Por ofício de 11/02/99, o INAG acusa a recepção das cartas de 27/08/1997 e 19/01/99, informa que finalmente foram encontrados pelo Grupo de Vistorias da Consulgal alguns elementos documentais respeitantes ao assunto e “roga” à reclamante que aguarde por mais algum tempo para apreciação do assunto.

Em 22/03/99, por ofício, é a reclamante notificada nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 70.º e n.ºs 1 e 2 do artigo 101.º, do Código do Procedimento Administrativo, para exercer o seu direito de audiência prévia sobre projecto de decisão que conclui pela prescrição do direito de indemnizar.

A reclamante responde em 5 de Abril de 1999.
Pelo ofício de 23/04/99, o INAG remete à reclamante cópia do relatório da vistoria efectuada em 15 de Setembro de 1993.

Pelo n/ ofício de 19 de Maio de 2000, solicitou-se ao INAG a remessa de cópia de todos os elementos relevantes relacionados com o processo em causa.

Dos elementos enviados pelo INAG a coberto do ofício de 2000.05.23, para além da documentação já referida anteriormente, recebemos ainda:

a) As informações n.º …/1999 e n.º …/1999, com a proposta de decisão final e despacho de 21/12/99, do Conselho Administrativo do INAG;
b) Cópia da notificação da decisão final, remetida por correio registado, em 11/01/2000;
c) Cópia da notificação da decisão final, datada de 4/02/2000, remetida por correio normal, uma vez que a anterior fora devolvida.

III – Da notificação

Há que dar razão à reclamante quando alega que nunca mais fora contactada pelo INAG, isto apesar dos documentos referidos em b) e c) do ponto 17 supra.

Efectivamente, ambas as notificações foram remetidas para o n.º…. da Rua …, quando o número de polícia correcto é o ……
Assim, deverá o INAG proceder à notificação da requerente, comunicando a decisão final para a sua morada correcta.

IV – Da decisão final

Por despacho do Conselho Administrativo do INAG, de 21/12/99, exarado nas informações n.º …/1999 e n.º …/1999, foi indeferida a pretensão da reclamante de ser indemnizada dos danos sofridos na sua habitação, por considerar prescrito o respectivo direito.

Em síntese, o INAG considera que, não tendo a interessada reclamado judicialmente a indemnização pelos danos sofridos, no prazo de 3 anos contados a partir da data em que tomou conhecimento dos mesmos em 01/07/93, como impõe o art. 498.º do Código Civil, houve desinteresse da sua parte, pelo que o decurso do tempo extinguiu a obrigação de indemnizar.
Invocando o INAG em seu benefício a prescrição, haverá que averiguar se, efectivamente, o direito da titular à indemnização prescreveu ou não.

V – Da apreciação da prescrição do direito da reclamante

Sendo certo que o n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil impõe que o início da contagem do prazo se faça independentemente do conhecimento da pessoa do responsável, há contudo que interpretar habilmente esta parte da norma, sob pena de se alcançarem efeitos que o legislador não pretendia.

Se considerarmos que, com a prescrição, a lei pretende não só proteger a segurança jurídica mas também sancionar a incúria ou negligência do titular do direito de indemnização em identificar o responsável, sempre que fique demonstrado que não houve aquela negligência, o prazo prescricional não começa a correr. Como escreve o Prof. Vaz Serra: “…o prazo de prescrição não começa a correr enquanto a pessoa do responsável não for conhecida do lesado; se este não sabe, sem culpa sua, quem é o responsável, não lhe é exigível que proponha uma acção de indemnização ou de declaração do seu direito de indemnização” (Ver Legisl. e Jurisp. – Ano 106.º – pág. 347).

Ora, no caso em apreço, não restam dúvidas de que a reclamante agiu de forma diligente a fim de identificar o responsável, tendo logo em 01/07/93 contactado a Consulgal que ainda em Setembro desse ano procedeu a uma vistoria ao imóvel para levantamento dos danos. O comportamento da Consulgal convenceu a reclamante que estava a lidar com pessoas de bem e que, por esse motivo, os danos iriam ser reparados.

Nunca a Consulgal informou a reclamante que deveria dirigir-se ao INAG. Só veio a fazê-lo em 27 de Junho de 1997, após a carta da Senhora …, de 20 de Maio de 1997.

Assim, só em 27 de Julho de 1997 é que a ora reclamante é informada acerca da identidade do responsável.
Logo, como é defendido jurisprudencialmente (Cfr. Ac. da Relação de Évora, de 1 de Julho de 1997, Recurso de Apelação Cível n.º 618/96, 3.ª Secção) e doutrinariamente, só a partir desta data é que teria começado a correr o prazo de prescrição previsto no artigo 498.º do Código Civil.

Também o Dr. J.G. de Sá Carneiro in Rev. dos Tribunais – Ano 86 – pág. 160 – defende que o conhecimento da pessoa do responsável “é essencial para possibilitar o exercício do direito”, pelo que só a partir do momento desse conhecimento é que o prazo de prescrição começa a correr – cfr. artigo 306.º n.º 1 do C.C., que sob a epígrafe – Início do curso da prescrição – dispõe: ” 1. O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido;…”.

Assim, não se nos afigura prescrito o direito da reclamante como pretende o INAG.
Mas ainda que consideremos que a reclamante tomou conhecimento da pessoa do responsável em 27 de Julho de 1997, será que o prazo prescricional começou a correr a partir daquela data?

Após a carta que a reclamante remeteu ao INAG, em 27 de Agosto de 1997, tiveram lugar diversos contactos quer telefónicos quer pessoais com representantes daquele Instituto, que também terão feito crer à reclamante que a situação se iria resolver.

Só em 11 de Fevereiro de 1999, após a insistência por escrito, de 19/01/99, na qual a reclamante informava da sua disposição para avançar para outras formas de fazer valer os seus direitos é que o INAG respondeu por escrito e, ainda assim, solicitando-lhe que aguardasse “por mais algum tempo”. Isto é, voluntariamente ou não, o INAG contribuiu, com a sua conduta, para que a reclamante não recorresse de imediato à via judicial.

Logo, constituirá uma ofensa ao princípio da boa fé a alegação da prescrição por parte do INAG. Efectivamente, não nos parece legítimo que o Instituto da Água possa exercer o que considera ser o seu direito contrariando a sua conduta anterior em que a reclamante confiou.

Entendemos, nestes termos, que só com a notificação à reclamante da decisão final sobre a sua pretensão, é que começará a correr o prazo de prescrição.

Face ao exposto, RECOMENDO:

Seja revogado o despacho do Conselho Administrativo do INAG, de 21/12/99;

Se proceda à apreciação da questão de fundo – relação obras/danos na moradia da reclamante – cuja análise foi prejudicada pelo facto de ter esse Instituto considerado extinto o direito da reclamante;

Seja a reclamante notificada da decisão que vier a ser proferida a fim de, se assim o entender, poder exercer o seu direito judicialmente, caso esse Instituto entenda não a ressarcir pelos danos causados.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL