Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas
Rec. n.º 68/A/00
Proc.: R-995/96
Data: 16-11-2000
Área: A 2
Assunto: FISCALIDADE. REFORMA DA POLÍTICA AGRÍCOLA COMUM. COBRANÇA DE TAXAS. REEMBOLSO DAS QUANTIAS PAGAS.
Sequência: Não Acatada
1. A Provedoria de Justiça recebeu uma reclamação apresentada pela Federação das Associações dos Agricultores de Entre-Douro e Minho – FANORTE, contestando o facto de estarem a ser cobradas taxas a título de preenchimento dos formulários necessários à concretização das candidaturas às ajudas no âmbito da Reforma da Política Agrícola Comum, por entidades com quem foram celebrados protocolos para efeitos de recepção das referidas candidaturas.
2. Nos termos e ao abrigo do Despacho Normativo n.º 28/96, de 19 de Agosto, foram celebrados protocolos entre os organismos centrais do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, designadamente, entre o INGA – Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola e determinadas entidades, com vista à transferência para estas de actividades do Estado, com referência à execução dos regimes de ajuda comunitária em vigor.
3. Nesses protocolos, celebrados entre o INGA e várias Associações e Confederações de Agricultores e homologados por Sua Excelência o Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, não estava contemplada qualquer possibilidade de cobrança de verbas relativamente à situação de agricultores com dificuldades no preenchimento dos formulários de candidaturas a subsídios à agricultura.
4. Solicitadas informações ao Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, sob a dependência do qual se encontra o Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola, responsável pela celebração dos protocolos com as entidades receptoras, veio esclarecer-se que, apesar de não existir qualquer taxa de serviço fixada para a recepção de candidaturas, seja para que entidade for, muitos agricultores têm revelado grandes dificuldades em preencher os formulários necessários à apresentação das suas candidaturas pelo que muitas das entidades receptoras prestam um serviço adicional aos agricultores que consiste no preenchimento dos respectivos documentos.
5. Desta forma, defendeu-se a legalidade da cobrança de “taxas de serviço” , porquanto:
– “Trata-se efectivamente, de um serviço facultativo a que os agricultores não são obrigados a recorrer,
– O próprio recurso a essas entidades como postos de recepção é facultativo, já que, quer os serviços oficiais, quer outras entidades (como a FANORTE) recebem essa documentação e prestam esse serviço sem qualquer remuneração.
– Esse procedimento é generalizado na sociedade portuguesa, verificando-se que existem numerosas agências e agentes de tratamento de documentação a que os cidadãos podem recorrer voluntariamente para que o preenchimento de formulários e execução de procedimentos burocráticos, em processos tão simples como a obtenção de um bilhete de identidade, uma carta de condução, um passaporte, etc.”
6. Porém, salvo o devido respeito por entendimento diverso, tal argumentação não só é insuficiente, como também é desadequada para legitimar a cobrança das referidas taxas ou comissões:
7. Na verdade, e procurando agora analisar separadamente os argumentos avançados pelo Ministério, não pode deixar de referir-se que:
– Não obstante tratar-se de um serviço ao qual os agricultores não estão obrigados a recorrer, porque podem optar por preencher eles próprios os formulários sem recorrer aos serviços de terceiros, o facto é que as candidaturas terão que ser apresentadas correctamente preenchidas, sob pena da não concessão dos subsídios a que se candidatam e, como se sabe, existe um grande número de agricultores que não se encontra minimamente preparado para este tipo de “funções burocráticas”, pelo que não parece lícito que o Estado se possa eximir da sua obrigação de suprir essa falta de preparação dos agricultores, recorrendo à celebração de protocolos com determinadas entidades;
– O facto de existirem certas entidades como a FANORTE que prestam essas funções gratuitamente, isto é, sem quaisquer contrapartidas, é uma atitude meritória, mas que não poderá ser legitimamente invocada para justificar que outras entidades com quem o Estado celebrou protocolos para desempenharem essas funções que lhe estão institucionalmente cometidas – com financiamento eventualmente proveniente dos cofres do Estado ou da Comunidade Europeia – os não prestem também a título gratuito;
– Do mesmo modo haverá que considerar que a circunstância de os serviços oficiais prestarem aquelas funções a título meramente gracioso, consubstancia uma forma de actuação louvável da parte do Estado, que apenas reforça o entendimento de que as entidades com as quais o Estado entendeu celebrar protocolos de recepção de candidaturas, para prossecução dos fins que lhe estão cometidos, devem prestar os mesmos serviços, pela mesma forma, nas mesmas condições e com idênticos encargos para os agricultores.
– Finalmente, no que respeita ao contraponto feito com a actividade desenvolvida pelas agências privadas que prestam serviços aos utentes de serviços públicos, ter-se-á que rejeitar liminarmente qualquer termo de comparação, porquanto tal actividade é exercida no âmbito da plena autonomia privada e contratual, já que aquelas agências não celebraram qualquer protocolo com o Estado português que justifique a sujeição aos mesmos princípios e a vinculação aos mesmos fins a que aquele se encontra sujeito e, como tal, não recebem quaisquer contrapartidas, adquirindo assim tal relação uma feição puramente jusprivada, apenas com repercussão entre particulares.
8. Deste modo, falecem os argumentos inicialmente expendidos pelo Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas para justificar a cobrança aos agricultores das taxas em causa.
9. Mais tarde, porém, veio o Ministério, por intermédio do INGA – Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola, rever de algum modo a sua posição, mitigando o entendimento anteriormente apresentado, no sentido de considerar que “Relativamente à prestação de serviços de recepção de candidaturas entende-se que esta deverá ser gratuita quando a intervenção das Entidades Credenciadas se resuma à recolha do pedido de ajuda correctamente preenchido pelo requerente”, ou seja, apenas a recepção activa de candidaturas, que pressupõe uma actividade positiva por parte daquelas entidades, legitimaria a cobrança de comissões por esses serviços.
10. Contudo, a alteração parcial da posição manifestada pelo Ministério não é suficiente para acautelar os direitos que se julga deverem assistir aos agricultores, designadamente, quanto aos serviços de fornecimento de informações e esclarecimentos, que legitimamente podem esperar que o Estado lhes assegure, seja directamente, através dos seus serviços oficiais, seja por intermédio de entidades nas quais delegou o desempenho dessas suas funções.
11. É que os serviços a que nos estamos a reportar – cuja prestação (sem quaisquer contrapartidas que não seja o financiamento que recebem do próprio Estado) é obrigatória nos termos dos protocolos celebrados entre o INGA e diversas entidades, – extravasam de forma flagrante do simples recebimento de candidaturas.
Pelo contrário, devem abranger toda e qualquer actividade prestada no sentido do cabal esclarecimento dos agricultores quanto a dúvidas que lhes sejam colocadas, e quanto à prestação de informações rigorosas e criteriosas sobre os procedimentos a adoptar.
Devem também, sempre que tal se justifique e seja solicitado aos serviços responsáveis, perante a manifesta falta de preparação para o preenchimento dos formulários, os próprios serviços expressar a vontade dos agricultores que não conseguiram, por si, traduzi-la suficientemente no preenchimento individual dos formulários.
12. Aliás – sempre se diga, no seguimento do que estipula o Despacho Normativo nº 28/96, supra mencionado – dos protocolos celebrados com as várias entidades receptoras consta como obrigação comum a prestação de informações e de esclarecimentos essenciais à correcta e atempada preparação de cada uma das candidaturas, bem como receber os apoios financeiros que lhes sejam devidamente apresentados pelos interessados, procedendo de forma sistemática a um controlo administrativo, que se consubstancia na verificação da conformidade dos elementos declarados com a realidade, de modo a prevenir erros e evitar a apresentação de candidaturas incorrectamente formuladas que possam conduzir à não concessão dos subsídios pretendidos (cfr. art.º 5.º do referido Despacho Normativo).
13. Assim, o fim último dos protocolos só poderá ser o de assegurar o direito dos agricultores à efectivação das candidaturas, através da obtenção do máximo de candidaturas correctamente preenchidas, já que, só estas garantem às entidades receptoras um determinado montante de financiamento.
14. Logo, ao preencherem os formulários das candidaturas, as entidades receptoras estão apenas a fornecer os serviços necessários para que o fim do protocolo seja atingido.
15. De qualquer modo, não pode deixar de se argumentar igualmente, que nos termos do art.º 6.º, al. b) do referido diploma (Despacho Normativo n.º 28/96 de 19/08), o Estado, através do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, obriga-se, perante as entidades credenciadas, a pagar pelos serviços prestados aos agricultores uma importância anual, de acordo com determinados princípios de carácter técnico, também enunciados nessa sede e que não são alheios ao próprio sucesso obtido em termos de concessão das ajudas requeridas.
16. Assim, resulta da alínea b3) desse preceito, uma clara participação das entidades credenciadas no sucesso obtido pelos agricultores, já que lhes assistirá o direito de receberem do Estado um “(…) Pagamento definitivo no termo do programa de cada tipo de acção, para o qual se reservam 25% do valor global indicativo, referido na alínea b1), em função do número de candidaturas validamente entregues e a (…) uma percentagem do valor dos apoios financeiros efectivamente pagos correspondentes às candidaturas entregues (…)”.
17. Ora, com semelhante redacção, só se poderá entender ter sido intenção do legislador fazer participar activamente as entidades que viessem a ser credenciadas através da celebração de protocolos no próprio processo tendente à válida apresentação das candidaturas e, mais do que isso, na efectiva obtenção dos subsídios pretendidos, estipulando-se de forma expressa e sem margem para dúvidas, uma participação com repercussões ao nível pecuniário nos resultados obtidos em matéria de benefício dos regimes de ajuda comunitária em vigor.
18. É que, – terá que se admitir -, não faria sentido que tivesse sido estipulada uma participação das entidades credenciadas no sucesso obtido pelos agricultores, quando estas não estivessem obrigadas a participar também no esforço de apresentação correcta, atempada e válida das candidaturas, com vista à obtenção dos subsídios.
19. Ter-se-á pretendido, pelo contrário, garantir o máximo empenhamento na correcção das mesmas candidaturas por parte das entidades credenciadas, pelo que se tratará de uma obrigação inerente ao próprio protocolo que não pode ter como correspectivo a cobrança de qualquer taxa.
20. É claro assim que, até por via desta argumentação de carácter sistemático e teleológico, se justificaria a obrigação das entidades credenciadas de prestarem de forma perfeitamente gratuita os serviços de auxílio aos agricultores na apresentação das candidaturas aos subsídios, que podem consistir não só na mera prestação de informações, como, em situações justificadas, também no próprio preenchimento dos formulários de candidatura.
21. Assim sendo, da análise da legislação aplicável, bem como dos protocolos celebrados entre o INGA e as diversas entidades a que se aludiu supra, resulta como inequivocamente ilegal a cobrança de quaisquer taxas ou comissões a título de preenchimento dos formulários de candidatura aos subsídios.
22. Pelo que se conclui não ser possível ao Estado demitir-se das suas obrigações, apenas e tão-só porque entendeu ser da conveniência na execução da sua política agrícola, que a recepção das candidaturas aos diferentes regimes de ajudas comunitárias fosse transferida para entidades privadas ou cooperativas.
23. Assim, nos termos do art.º 20.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, RECOMENDO
1. Que o Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas determine não ser possível às entidades com quem foram celebrados protocolos para prossecução dos fins cometidos ao Estado relativamente à execução de programas no âmbito da Reforma da Política Agrícola Comum, cobrar quaisquer taxas ou comissões pelo serviço de preenchimento de formulários;
2. Que esta proibição se mantenha, independentemente de se tratar de uma recepção passiva ou activa das candidaturas, rejeitando assim o sentido constante da nota de entendimento do INGA, segundo a qual só a recepção passiva estaria isenta do pagamento de taxas, dado que a ausência de fundamento para a cobrança de taxas existe, quer se trate apenas de receber os formulários previamente preenchidos pelos agricultores, quer se trate também do preenchimento dos mesmos, pois em qualquer dos casos, as entidades que recebem as candidaturas estarão apenas a cumprir as obrigações contratuais constantes dos referidos protocolos;
3. Que seja promovido o reembolso das quantias indevidamente exigidas aos agricultores pelas entidades receptoras, a esse título, porque a respectiva cobrança carece de fundamento legal.
Nos termos do disposto no art.º 38.º, n.º 2 da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, deverá V. Ex.ª comunicar-me o acatamento desta Recomendação ou, porventura, o fundamento detalhado do seu não acatamento, no prazo de sessenta dias.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
H. NASCIMENTO RODRIGUES