A Sua Excelência
A Secretária de Estado Adjunta e da Educação
Av. 5 de Outubro, n.º 107
1069-018 LISBOA
– por protocolo –
Lisboa, 7 de dezembro de 2016
Assunto: Atraso na realização de juntas médicas em várias Direções de Serviços da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares. Doença prolongada.
Recomendação n.º 4/A/2016
(alínea a), n.º 1, do artigo 20.º, da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação da Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro)
Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a), n.º 1, do artigo 20.º, da Lei n.º 9/91, de 9 de abril, na redação dada pela Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro, recomendo a Vossa Excelência que sejam tomadas as medidas necessárias com vista:
a) À supressão, tão célere quanto possível, da omissão de realização de juntas médicas de verificação de doença nos serviços da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) em que tal se verifica;
b) À divulgação, junto das escolas, do entendimento de que as situações de doença de trabalhadores abrangidos pelo regime de proteção social convergente, que tenham sido qualificadas como doença prolongada no certificado de incapacidade temporária e que, por motivo imputável à Administração, não tenham sido avaliadas por junta médica da DGEstE podem prolongar-se até ao período máximo de 36 meses, nos termos do artigo 37.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho.
§ 1.º Da questão subjacente às queixas apresentadas
Foi requerida a minha intervenção por parte de diversos docentes que, em comum, invocaram:
i. Terem estado ausentes do trabalho por motivo de doença comprovada por certificado de incapacidade temporária, no qual a doença foi qualificada como prolongada;
ii. Antes de decorridos 60 dias em tal situação, as escolas em cujos quadros se encontram integrados solicitaram a sua submissão a junta médica, conforme previsto na alínea a), n.º 1, do artigo 23.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, sem que, até então, tivessem recebido convocatória para esse efeito;
iii. Não obstante, uma vez atingido o limite de 18 meses de faltas justificadas por doença, as escolas foram informadas pela DGEstE de que os trabalhadores deviam dar «cumprimento ao previsto no artigo 34.º da Lei n.º 35/2014» e, portanto, requerer a apresentação à junta médica da Caixa Geral de Aposentações (CGA, I.P.) ou a passagem à situação de licença sem remuneração.
Em sede de instrução das queixas foi apurado que várias delegações regionais da DGEstE enfrentam dificuldades na realização regular de juntas médicas de verificação da doença. Tais constrangimentos – em uns casos motivados pela omissão da designação, pelo Ministério da Saúde, do médico que, nos termos do n.º 2 do artigo 11.º do Decreto‑Lei n.º 266-F/2012, de 31 de dezembro, deve integrar as juntas e, em outros, por razões ligadas a falta de disponibilidade orçamental para a contração de médicos – conduziram à suspensão da realização de juntas médicas, por longos períodos, nas Delegações Regionais de Lisboa e Vale do Tejo, do Norte e do Alentejo.
De acordo com a informação mais recente sobre a matéria, o problema apenas foi atenuado na Delegação Regional de Lisboa e Vale do Tejo, no âmbito da qual foi possível retomar temporariamente a realização das juntas médicas.
§ 2.º Da omissão da verificação da doença dos trabalhadores dos estabelecimentos de educação e ensino dependentes do Ministério da Educação
O regime jurídico das faltas por doença dos trabalhadores em funções públicas abrangidos pelo regime de proteção social convergente assume natureza vinculada: não convoca a aplicação de critérios valorativos, nem confere espaço de autonomia à Administração para escolher a melhor solução para cada caso. Encontra-se enformado pela ideia de eficiência na gestão dos recursos humanos de que a Administração dispõe para prosseguir a sua missão, em conciliação com o direito dos trabalhadores à proteção na doença.
A inobservância daquele regime injuntivo, para além de implicar a invalidade da atuação ou omissão em causa, conduz necessariamente à lesão dos interesses – aparentemente opostos – cuja harmonização o mesmo prossegue.
Por conseguinte, a omissão de realização de juntas médicas de verificação de doença, para além de ilegal, produz, desde logo, danos não despiciendos no plano da economia e eficiência que devem nortear a atividade administrativa, incluindo aquela em que a Administração reveste a qualidade de empregadora.
Na verdade, enquanto aguardam pela realização da junta médica, no período que medeia entre o termo dos primeiros 60 dias de doença e o final do período total de 18 meses, os trabalhadores mantêm-se abrangidos pelo regime de faltas por doença, sem que o motivo da incapacidade para o trabalho seja objeto de qualquer avaliação e sem qualquer desconto na remuneração (n.º 1 e n.º 2 do artigo 15.º Lei n.º 35/2014, de 20 de junho), situação que se mantém durante o período em que, se for o caso, os trabalhadores aguardam a posterior submissão a junta médica da CGA, I.P. (n.º 2 do artigo 34.º daquela Lei).
À carência de recursos humanos daí decorrente aliar-se-á o aumento de encargos na substituição dos trabalhadores indispensáveis, como é o caso em especial dos docentes com componente letiva, cuja falta ao trabalho pode implicar o recurso à contratação a termo de trabalhadores não detentores de prévia relação de emprego público.
§ 3.º Da preclusão dos direitos dos trabalhadores em situação de doença prolongada
A omissão de realização de juntas médicas de verificação de doença tem igualmente comportado a preclusão dos direitos dos trabalhadores que padecem de doença prolongada. Com efeito, a Lei impõe a submissão obrigatória[1] a junta médica uma vez decorridos 60 dias na situação de faltas comprovadas por doença[2]. Tal junta pode justificar faltas por doença dos trabalhadores por períodos sucessivos de 30 dias, até ao limite de 18 meses, ou de 36 meses no caso de se tratar de doença prolongada (artigos 25.º e 37.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho). Destas normas infere-se claramente a fixação de prazo para a realização da junta médica: esta deve ocorrer logo após 60 dias de faltas por doença, podendo repetir-se, se necessário, até ao limite dos 18 ou 36 meses, conforme os casos.
Nos termos do artigo 37.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, entende-se por doença prolongada a «doença incapacitante que exija tratamento oneroso e ou prolongado», encontrando-se o respetivo elenco definido no Despacho Conjunto n.º A-179/89‑XI[3]. São consideradas doenças prolongadas, por exemplo, tumores malignos, hemopatias graves, doenças graves e invalidantes do sistema nervoso central e periférico e acidentes vasculares cerebrais com acentuadas limitações. O que, por regra, as caracteriza é, por um lado, a sua natureza incapacitante, ou seja, a impossibilidade de o trabalhador por elas afetado manter a sua atividade profissional e, por outro, envolverem um tratamento «oneroso» e «prolongado». Reconhecendo que, nestas situações, o trabalhador ficará necessariamente impossibilitado de trabalhar por período superior ao da generalidade das situações de doença, a Lei operou uma distinção de regime relevante, duplicando o período em que o trabalhador pode ficar abrangido pelo regime de faltas por doença.
A Lei não atribui a competência para qualificar a doença como prolongada exclusivamente a qualquer dos intervenientes na comprovação da doença, pelo que, deve entender-se que a mesma assiste também aos médicos que emitem as declarações comprovativas da doença, nos primeiros 60 dias[4]. Na verdade, o modelo de certificado de incapacidade temporária, aprovado pela Portaria 666-A/2007, de 1 de junho, inclui um campo para preenchimento pelo médico, respeitante à qualificação da doença nos termos indicados[5]. E tal qualificação comportará, desde logo, os efeitos jurídicos previstos no n.º 4 do artigo 37.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, já que, nos termos desta norma, “as faltas por doença prolongada não descontam para efeitos de antiguidade, promoção e progressão”.
Não obstante esta qualificação inicial, à junta médica caberá igualmente pronunciar-se sobre a natureza da doença, até porque a sua competência para justificar faltas para além de 18 meses de doença está dependente da caracterização da doença como prolongada.
Do regime transcrito resulta que a ausência de juntas médicas por período superior a 18 meses envolve, desde logo, o não exercício por parte da DGEstE de uma competência que lhe é conferida por lei, no prazo que esta determina. Do incumprimento de tal dever – motivado por circunstâncias a que os trabalhadores são totalmente alheios – não pode resultar, para estes, o desrespeito pelos direitos que a Lei lhes confere na situação de incapacidade temporária por motivo de doença.
No entanto, ao entender que os trabalhadores devem realizar a opção prevista no artigo 34.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, logo que atingidos 18 meses sem que tenha sido realizada a junta médica, mesmo nos casos em que a doença tenha sido qualificada como doença prolongada, a DGEstE faz recair sobre os trabalhadores os efeitos negativos do seu deficiente funcionamento. Ao invés de evitar danos na esfera jurídica dos trabalhadores decorrentes da atuação administrativa ilícita, aqueles serviços admitem expressamente que os prejuízos se produzam por aquele motivo. E o certo é que, mesmo que a junta seja realizada tardiamente e venha a concluir pela natureza prolongada da doença, nem sempre será possível reconstituir a situação que existiria se esta deliberação tivesse sido tomada oportunamente, por se terem entretanto produzidos os efeitos da opção que o trabalhador foi compelido a tomar.
Não cabe, aqui, invocar que, em qualquer caso, optando o trabalhador pela submissão à junta médica da CGA, I.P., esta apreciará a situação de doença e os seus efeitos na capacidade para trabalhar. É que, ao contrário do que uma leitura apressada do artigo 34.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, pode sugerir[6], a deliberação da junta médica da CGA, I.P. não se pronuncia sobre a extinção da doença, nem sobre a incapacidade temporária para o trabalho. Na verdade, àquele órgão cabe apreciar se a doença é fundamento para a declaração de que o trabalhador se encontra absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções, caso em que haverá lugar à sua aposentação, nos termos da alínea a), n.º 2, do artigo 37.º do Estatuto da Aposentação[7].
Deste modo, o que parece determinante no regime do artigo 34.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, é a fixação de um período máximo durante o qual o trabalhador goza de proteção quase total na situação de doença, período que, como se viu, é elevado para o dobro nos casos de doença qualificada como prolongada. Decorrido este, justifica-se aferir se a doença motiva a incapacidade permanente do trabalhador, caso em que dará lugar à sua aposentação e, se assim não suceder, cessa o regime de proteção remuneratória da doença do trabalhador.
Assim, impor ao trabalhador afetado por doença prolongada que realize a opção prevista no artigo 34.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, ao fim de 18 meses terá por efeito a cessação antecipada do aludido regime de proteção remuneratória da ausência ao trabalho por motivo de doença, qualquer que seja o sentido da opção que o trabalhador venha a tomar: se optar pela licença sem remuneração, mas também se escolher a submissão a junta médica da CGA, I.P., o trabalhador deixará de beneficiar do regime que a lei expressamente lhe confere. Caso opte pela submissão a junta da CGA, I.P. e se esta o considerar absoluta e definitivamente incapaz, aposentar-se-á com menor tempo de serviço do que se tal ocorresse ao fim de 36 meses; ao invés, se a junta considerar que a doença não é causa de incapacidade absoluta e permanente para o exercício das suas funções (o que não prejudica que ainda seja causa de incapacidade temporária, juízo que, como se referiu, a junta não fará), o trabalhador deixará de estar abrangido pelo regime de faltas por doença, ficando obrigado, sob pena de passagem à situação de licença sem remuneração, à prestação de, pelo menos, 30 dias consecutivos de trabalho (n.º 5 do artigo 34.º Lei n.º 35/2014, de 20 de junho).
Esta cessação antecipada do regime de proteção na doença, que a DGEstE impõe, para além de violar frontalmente o regime vinculativo que se deixou descrito, revela-se também lesiva da igualdade, princípio estruturante do Estado de Direito democrático que, em uma aceção positiva, postula o tratamento distinto do que for essencialmente diferente. Na verdade, a Administração acaba por aplicar aos trabalhadores com doença prolongada o regime da doença não prolongada, quando é a própria Lei que, ao reconhecer a distinção destas situações no plano da incapacidade temporária para o trabalho que delas resulta, lhes conferiu tratamento diferenciado.
Assim, impõe-se afirmar que, até à realização da junta médica, valerá, para efeitos de aplicação do regime em questão, a qualificação da doença feita pelo médico que a comprovou nos primeiros 60 dias de duração da incapacidade temporária. Ou, dito de outro modo, a certificação e qualificação iniciais da doença valerão enquanto não forem confirmadas ou infirmadas por junta médica[8] [9].
§ 4.º Do cumprimento do dever de audição da entidade visada nas queixas
Como certamente recordará, foram dirigidas a V. Ex.ª, em abril do ano em curso, duas comunicações sobre o problema enunciado, que mereceram uma resposta insuficiente do Gabinete de V. Ex.ª, conforme foi evidenciado em nova comunicação deste órgão do Estado remetida em setembro[10].
Esta última comunicação não mereceu, até ao presente, a pronúncia de V. Ex.ª, pelo que dou por cumprido o dever de audição prévia preceituado no artigo 34.º do Estatuto do Provedor de Justiça.
§ 5.º Conclusão
Em face de todo o exposto, permito-me concluir que se revelam necessárias e urgentes medidas tendentes a garantir a verificação regular e atempada, por junta médica, das situações de doença dos trabalhadores dos estabelecimentos de educação e ensino do Ministério da Educação e o cumprimento do regime legal vinculativo em caso de doença prolongada.
Dignar-se-á V. Ex.ª, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 38.º do Estatuto do Provedor de Justiça, transmitir-me, dentro de 60 dias, a posição assumida quanto à presente recomendação.
Na expetativa de que esta possa merecer o melhor acolhimento, apresento a V. Ex.ª, Senhora Secretária de Estado, os meus respeitosos cumprimentos,
O Provedor de Justiça,
(José de Faria Costa)
Sua referência
Sua comunicação
Nossa referência
S-PdJ/2016/25414
Q/2095/2016 (UT4)
[1] Da natureza obrigatória da junta decorre que a não comparência do trabalhador, sem fundamento válido, implica que sejam consideradas injustificadas as faltas dadas desde o termo do período de faltas anteriormente concedido (n.º 2 do artigo 28.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho).
[2] Durante os primeiros 60 dias de doença, esta é comprovada nos termos do artigo 17.º.
[3] Publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 219, de 22 de setembro de 1989.
[4] No mesmo sentido se pronunciou a Direção-Geral da Administração e do Emprego Público, ao afirmar que «cabe ao médico atestante, no âmbito das suas competências profissionais, a qualificação de cada situação de doença como doença natural, prolongada ou direta (conceitos do foro predominantemente clínico), assinalando-a no campo respetivo do modelo de certificado de incapacidade temporária para o trabalho» – FAQ n.º XII/5, sobre o regime de faltas por doença constante da Lei do Trabalho em Funções Públicas (disponível em www.dgaep.gov.pt). Na FAQ n.º XII/24, na mesma Página, refere-se também que «as faltas por doença prolongada, previstas no artigo 37.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, devem ser justificadas nos moldes previstos nos artigos 17.º a 19.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, para a justificação das demais faltas por doença, dadas pelos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente, face à inexistência, neste diploma, de norma específica para a respetiva justificação».
[5] A Portaria n.º 666-A/2007, de 1 de junho, mantém-se em vigor por força do disposto no n.º 2 do artigo 42.º da Lei n.º 35/2014. O modelo de certificado de incapacidade temporária faz ainda menção, na parte que se refere à doença prolongada, ao artigo 49.º do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31 de março, norma a que corresponde hoje o artigo 37.º daquela Lei.
[6] Em especial do seu o n.º 5 que prevê a passagem à situação de licença sem remuneração do trabalhador que, «tendo sido considerado apto pela junta médica da CGA, I.P., volte a adoecer sem que tenha prestado mais de 30 dias de serviço consecutivos, nos quais não se incluem férias».
[7] Aliás, as comunicações por parte da CGA, I.P. do resultado de tais juntas médicas são, por regra, do seguinte teor: «a Junta Médica não considerou o(a) subscritor(a) absoluta e permanentemente incapaz para o exercício das suas funções, pelo que o pedido de aposentação por incapacidade foi indeferido».
[8] Note-se que esta solução é expressamente adotada para as faltas dadas no período compreendido entre o termo dos 60 dias e a realização da primeira junta médica, as quais, nos termos do n.º 2 do artigo 24.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, são consideradas justificadas por doença mesmo que a junta venha a considerar o trabalhador apto para o trabalho.
[9] À solução proposta não se opõe a possibilidade de a junta médica, realizada tardiamente, vir a discordar do médico assistente na qualificação da doença como prolongada. Nessa situação, haverá que observar-se o regime que seria aplicável caso a deliberação tivesse sido tomada atempadamente, ou seja, antes de decorrido o termo do período de 18 meses: o trabalhador ficará, então, sujeito ao regime do artigo 34.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho e, consequentemente, ao dever de realizar a opção ali prevista.
[10] Refiro-me aos nossos ofícios com as referências S-PdJ/2016/8699, S-PdJ/2016/9112 e S-PdJ/2016/19276, respetivamente, de 26 de abril e de 14 de setembro.