Presidente da Câmara Municipal de Vendas Novas
R-6099/99
N.º 97/A/99
1999.12.31
Área: A6
Assunto:ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – DOCUMENTOS ADMINISTRATIVOS – PEDIDO DE ACESSO – ELEITOS LOCAIS – RECUSA DO DIREITO À INFORMAÇÃO.
Sequência: Sem resposta.
Foi-me apresentada uma queixa pelos eleitos do Partido Socialista na Assembleia Municipal de Vendas Novas, segundo a qual essa edilidade terá indeferido um pedido de obtenção de documentos, requerido por aqueles membros.
De acordo com os elementos que nos foram fornecidos, nomeadamente uma cópia de um ofício enviado por V.ª Ex.ª, com parecer jurídico anexo, os fundamentos alegados para indeferir o pedido foram os seguintes:
A)De acordo com o art.º 39º da LAL, na redacção fixada pela Lei 37/91, alínea e), os membros da Assembleia Municipal só podem solicitar e receber informações, não podendo requerer que lhe sejam entregues os documentos solicitados.
B) O pedido de fornecimento da documentação não teria suporte legal e extravasa, largamente, o âmbito das competências e atribuições dos membros da Assembleia Municipal.
C)A satisfação de tal pedido criaria um precedente, de consequências imprevisíveis, caso todos os membros da Assembleia Municipal requeressem o mesmo que a bancada do Partido Socialista.
Apreciada esta situação, tendo-me considerado dispensado de ouvir V.ª Ex.ª, tendo em conta a completude e escassa antiguidade dos elementos fornecidos pelo reclamante, entendo deixar expresso quanto segue.
1. O direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, está consagrado no art.º 268º, n.º 2, da CRP.
O art.º 65º do Código de Procedimento Administrativo limita-se a reproduzir o preceito constitucional e remete a regulamentação do acesso aos arquivos e registos administrativos para diploma legal próprio – Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA) – Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, com as alterações constantes da Lei n.º 85/95, de 29 de Março.
2. O princípio geral do arquivo aberto, proclamado no art.º 1º da LADA, é explicitado no n.º 1 do seu art.º 7º, nos termos seguintes: “Todos têm direito à informação mediante o acesso a documentos administrativos de carácter não nominativo”.
3. A LADA foi mais explícita do que a norma constitucional, já que enquanto a Constituição atribuía este direito de acesso aos cidadãos, o legislador ordinário deixou claro, com o termo “todos”, que escolheu serem sujeitos activos de tal direito não apenas as pessoas singulares como as pessoas colectivas.
4. O termo “todos”, significa ainda, que esse direito é, em regra, independente da existência de um interesse directo.
5. Dessa e doutras normas da LADA, concluiu o Presidente da CADA que: “Todos têm, em regra, direito de aceder livremente à informação constante de documentos não nominativos detidos por entidades que exerçam funções administrativas, não necessitando de motivar ou justificar o pedido de acesso ou de explicar para que pretendem a informação, de dizer, sequer, em suma, se é por mera curiosidade ou se é para a usarem como instrumento na invocação, reivindicação ou realização de outro direito”.
6. O art.º 268º, n.º 2 da CRP e o art.º 7º, n.º 1 da LADA, não permitem a distinção quanto ao requerente do direito. O direito constitucional de acesso à documentação administrativa, corolário do princípio da administração aberta e da transparência, é igual para todos e não é discriminatório. A admitir-se qualquer forma de exclusão estaríamos a violar o princípio fundamental da igualdade de direitos.
7. No caso em apreço, a interpretação do art.º 39º, alínea e) do DL 100/84, actualmente substituído pelo art.º 53º, alínea f) da Lei 169/99, de 18 de Setembro, dada no Parecer da Câmara Municipal, é completamente desconforme aos princípios constitucionais e às disposições legais referentes a esta matéria. O legislador não teve qualquer intenção de restringir os poderes dos membros da Assembleia Municipal, muito pelo contrário. O art.º 53, alínea f) da Lei 166/99, deve ser entendido como mais uma forma da Assembleia Municipal exercer a sua competência de fiscalização sobre a Câmara Municipal.
8. Aos membros das assembleias municipais, é reconhecido um verdadeiro poder de requerer informações e dados à Câmara, em qualquer momento, através da mesa da Assembleia, a que corresponde um dever executivo municipal em responder. E, nesta matéria, há que considerar que salvo dados que se devam considerar confidenciais pela sua natureza, a Câmara deverá transmitir aos deputados municipais as informações que lhe são solicitadas.
9. Na competência dos deputados municipais inclui-se o poder de requerer informações à Câmara, no âmbito e para o exercício do seu mandato, nos termos do art.º 53º, alíneas c) e f) da Lei 169/99, de 18 de Setembro.
10. No mesmo sentido se pronunciou a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos no Parecer n.º 26/97, de 23 de Março.
11. E não se diga, como o faz o parecer jurídico remetido por essa edilidade, que o “direito de solicitar informações, significa que não podem os deputados municipais requerer que lhes sejam entregues certidões, cópias de actas ou de escrituras de compra e venda”.
12. É que o direito à informação, consagrado no art.º 7º da LADA, abarca (conforme se explicita, designadamente no n.º 3 desse art.º 7º e no art.º 12º, do mesmo diploma), para além do direito a ser-se informado sobre a existência e o conteúdo do processo ou do documento, o acesso directo a eles por consulta gratuita no serviço detentor, reprodução ou cópia e certidão.
13. A LADA exclui apenas da noção de documento administrativo, as notas pessoais, esboços, apontamentos e outros registos de natureza semelhante e outros documentos cuja elaboração não releve da actividade administrativa, designadamente referentes às reuniões do Conselho de Ministros e de Secretários de Estado, bem como a sua preparação (n.2, art.º4º da LADA). Quer isto dizer, que inclui quaisquer outros suportes de informação, sejam eles sonoros, gráficos ou visuais ou de outra natureza, desde que, detidos ou elaborados pela administração pública.
14. Pelo que, aí se abarca na noção de documentos administrativos as actas, escrituras de compra e venda, certidões do património imobiliário e os projectos de infra-estruturas. Ou seja, todos os documentos que foram solicitados pela bancada ora reclamante.
15. Os documentos supra mencionados são claramente, pela sua natureza, documentos administrativos para efeitos do art.º 4º da LADA, e como tal abrangidos pelas disposições de máximo acesso (documentos a todos acessíveis – art.º 7º, n.º 1 da LADA).
16. O direito de acesso aos arquivos e registos administrativos é a regra básica da democracia administrativa (conforme decorre do n.º 2 do art.º 268 da CRP) dependendo o seu exercício da iniciativa ou impulso de qualquer cidadão.
17. A LADA, corporizando o princípio da democracia administrativa, introduziu e desenvolveu um conceito largo e abrangente de documentação administrativa. Assim, com excepção dos limites constitucionais da segurança interna e externa, da investigação criminal e da intimidade das pessoas ou nos casos de segredo comercial ou industrial ou do segredo relativo à propriedade literária, artística ou científica, o direito de acesso aos documentos é pleno.
18. Quanto à questão da satisfação do pedido de fornecimento de documentação, poder criar um precedente, de consequências imprevisíveis, refira-se o seguinte:
19. Embora, se admita, a existência de condicionalismos resultantes das estruturas de apoio das autarquias, estas sempre poderão atender parte do pedido (aquele que o requerente tiver maior urgência) e facultar desde logo a consulta dos documentos, como forma de tornar efectivo, o direito de acesso que, doutra forma, seria vencido, pelas condições concretas com que a administração local se debate. O que não se pode é invocar falta de condições para atender qualquer pedido, e muito menos alegar que o requerimento de “cópias”, e “certidões”, teria consequências para a autarquia.
20. Cabe à administração autárquica garantir os meios técnicos e os procedimentos adequados, que permitam a efectivação do direito de acesso, sendo certo que os custos, designadamente com reproduções, estão sempre a cargo dos requerentes, evitando abusos.
21. Conclui-se, então, que o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, tem natureza análoga aos direitos, liberdades e goza de protecção máxima na aplicação, só podendo ser limitado nas condições tipificadas, previstas na própria Constituição.
22. Ora, no caso em apreço não existe qualquer disposição legal que legitime o indeferimento do pedido de documentos solicitados pelos eleitos do Partido Socialista, na Assembleia Municipal.
23. O que a CMVM, fez foi limitar o acesso aos documentos administrativos em condições não tipificadas na Lei.
24. Maior gravidade assume esta recusa por se tratar de membros de um órgão que tem como competência a fiscalização do órgão executivo do município.
25. Restringir o conceito de informação nos termos descritos no parecer jurídico enviado reduziria a possibilidade de fiscalização a uma caricatura, sendo evidente que a referência à mesa da assembleia se justifica apenas em termos organizacionais e protocolares.
Nos termos e pelas razões aludidas, e de acordo com o art.º 20.º, n.º 1, a), da Lei 9/91, de 9 de Abril,RECOMENDO
1) que sejam facultadas aos reclamantes a consulta ou cópia dos documentos solicitados;
2) que de futuro sejam cumpridos os normativos legais sobre esta matéria.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
José Menéres Pimentel