Presidente da Câmara Municipal de Carrazeda de Ansiães

Rec. n.º 3/A/99
Proc.: R-175/96
Data: 1999-01-14
Área: A 2

Assunto: RESPONSABILIDADE CIVIL. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. OBRAS NA ESTRADA. DANOS PATRIMONIAIS. INDEMNIZAÇÃO.

Sequência: Acatada

I – Dos Factos

1. Apresentou o Senhor… neste órgão do Estado queixa contra a Câmara Municipal de Carrazeda de Ansiães, em virtude de acidente de viação ocorrido no dia 3 de Outubro de 1994 na estrada municipal que liga a freguesia de Belver a Fontelonga, do concelho de Carrazeda de Ansiães.

2. O reclamante informa que conduzia a viatura …, matrícula …, quando, após uma curva fechada, derrapou numa espessa camada de areia que se encontrava na sua faixa de rodagem, de que resultou a perda de direcção da viatura que conduzia, e o consequente embate frontal num muro, que causou prejuízos cuja reparação foi orçada em Esc. 347.250$00 (trezentos e quarenta e sete mil duzentos e cinquenta escudos).

3. Alega o reclamante que o acidente supra descrito se deveu a culpa exclusiva da Câmara Municipal de Carrazeda de Ansiães, pela manutenção de uma situação objectiva de perigo, decorrente da realização de obras, e pela omissão do dever de sinalização da existência de areia no pavimento.

4. Comunicada a pretensão do Senhor… à Câmara Municipal, veio a mesma, reafirmando a posição anteriormente exposta ao reclamante, alegar que:
a) a camada de “gravilha” que se encontrava no piso deveu-se a “obra que decorreu no período de 21 a 30 de Setembro, consistindo os trabalhos na aplicação de uma camada de betume e regularização da plataforma existente. A camada superficial é de gravilha para se agregar ao betume com o desenrolar do trânsito”.
b) “Na data mencionada pelo Senhor…, três de Outubro, já não se procedia a reparações havendo sim, camada de gravilha que obrigava a circular com precaução.”
c) Conclui assim que “não se sente responsável por quaisquer danos a pagar, já que, não existindo naquele lugar qualquer curva fechada, só o excesso de velocidade poderia ter sido a causa do acidente.”

5. Resulta do exposto que o essencial da matéria de facto alegada pelo reclamante foi expressamente confessado pela Câmara Municipal, sendo certo que, segundo prova documental junta ao processo, existe uma curva fechada imediatamente antes da recta.

II – Do Direito

6. Encontramo-nos perante um problema de responsabilidade civil extracontratual da Câmara Municipal de Carrazeda de Ansiães por actos de gestão pública, cumprindo averiguar da verificação cumulativa dos respectivos requisitos: facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade.

Inexiste controvérsia sobre a verificação do facto danoso e dos danos sofridos, bem como sobre a relação de causalidade adequada entre o facto e os danos alegados (art. 90.º do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março – LAL -, Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967, e art.ºs 483.º e segs. do Código Civil – CC).

7. A controvérsia respeita à existência de ilícito culposo, e não à matéria de facto: o reclamante alega que existia uma camada de areia, ou gravilha, no pavimento por onde circulava, não sinalizada nem visível ou perceptível, o que ocasionou a perda de aderência e direcção do veículo e posterior embate frontal num muro, enquanto a Câmara Municipal se limitou a alegar a culpa do lesado, porquanto o acidente apenas se poderia ter devido a excesso de velocidade.

8. Afastada me parece estar, liminarmente, a alegação de culpa do condutor: com efeito, aceitando a Câmara Municipal que as suas obras finalizaram dois dias antes da verificação do acidente, que existia uma camada superficial de areia grossa no pavimento, necessária “para se agregar ao betume”, que a mesma “é retirada com o desenrolar do trânsito”, que existia “camada de gravilha que obrigava a circular com precaução”, inexistindo sinalização de perigo, mal se compreende de que factos se retira a ilação de que “só o excesso de velocidade poderia ter sido a causa do acidente”. Por outro lado, a Câmara Municipal não apresenta quaisquer provas de que existisse efectivo excesso de velocidade.
Ou seja, o reclamante apresenta e a Câmara Municipal reconhece a existência de elementos que apontam para a responsabilidade exclusiva da autarquia no acidente, sendo certo, por outro lado, que não se demonstram quaisquer elementos no sentido de existir culpa concorrente – nunca seria exclusiva – do condutor.

9. Ao município compete deliberar sobre todos os assuntos que interessam à segurança e comodidade do trânsito nas suas ruas e demais lugares públicos, promovendo todas as acções necessárias à administração corrente do património municipal e à sua conservação (art.ºs. 2.º, n.º 1, e 51.º, n.º 4, al. d), da LAL e art.ºs 1.º e 2.º da Lei n.º 2110, de 19 de Agosto de 1961).
Os locais das vias municipais que possam oferecer perigo para o trânsito, ou onde este se deva fazer com especiais precauções, devem ser assinalados com placas com os sinais fixados na legislação em vigor (Ac. STA de 25/7/85, AD, 289, p. 30), por forma a permitir aos utentes da via “tomar as precauções necessárias para evitar acidentes” (art.ºs 5.º e 6.º do Código da Estrada – CE -, 2.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 190/94, de 18 de Julho, e 2.º do Decreto Regulamentar n.º 33/88, de 12 de Setembro).

Por outro lado, à Câmara Municipal incumbe “o dever especial de vigiar a eficiência das medidas preventivas dos acidentes no local, nomeadamente o dever de aí colocar obstáculos inamovíveis ou dificilmente manipuláveis e remíveis, em ordem a garantir a segurança dos transeuntes e veículos” (Ac. STA de 19/11/91, AD, 364, p. 485).

Tinha assim o município o dever de colocar obstáculos prevenindo situações objectivamente perigosas, e de os sinalizar de forma bem visível, a uma distância que permitisse evitar qualquer acidente (art.ºs 5.º do CE, e 2.º do Decreto Regulamentar n.º 33/88, de 12 de Setembro).

10. Quando exista obrigação de praticar um acto, existe facto ilícito quando se verifica abstenção de agir (art. 486.º CC), sendo certo que, no campo que ora nos ocupa, são ilícitas as actuações materiais que infrinjam as normas legais e regulamentares e os princípios legais aplicáveis (art. 6.º do Decreto-Lei n.º 48051).

É, pois, claro que a Câmara Municipal de Carrazeda de Ansiães praticou um facto ilícito omissivo, ao violar os deveres legais acima referidos.
11. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que vem sendo pacificamente seguida, atenta a noção de ilicitude neste domínio (v. art. 6.º do Decreto-Lei n.º 48051), a indefinição das fronteiras entre os conceitos de culpa e ilicitude leva “a que, provada a ilicitude, se deva ter como provada também a culpa, salvo se o lesante alegar e provar factos que a descaracterizam” (vd abundante jurisprudência citada no Ac. STA de 18/5/93, in AD, 390, p. 626).

Para afastar esta presunção, competiria à Câmara Municipal provar o cumprimento dos seus deveres legais de vigilância e segurança, nomeadamente colocando obstáculos ou utilizando a sinalização apta a evitar a ocorrência de acidentes no local (Ac. STA de 19/11/91, AD 364, p. 485).
Verificando-se a omissão do cumprimento dos seus deveres, de que resultaram como consequência adequada os danos sofridos pelo reclamante, e não provando a Câmara factos reveladores da inexistência de culpa, “por provada deve ter-se a culpa da Câmara lesante” (Ac. STA de 18/5/93, cit., p. 634).

12. Dada como verificada a omissão de deveres legais funcionais pela Câmara Municipal de Carrazeda de Ansiães, sem que se alegue e prove justificação, e considerando-se igualmente provada a sua culpa no facto de que resultaram, como consequência adequada, os danos sofridos pelo reclamante, encontram-se preenchidos os requisitos da sua responsabilidade civil extracontratual.

III – Conclusões

Pelo exposto, ao abrigo do art. 20.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril, RECOMENDO

que seja por essa Câmara Municipal atribuída indemnização ao Exmo. Senhor…, com vista a ressarci-lo dos danos materiais sofridos com o acidente.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL