Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo
RECOMENDAÇÃO N.º 14/A/99
Proc. R-217/96
1999.02.19
Área:A1
Sequência: Não Acatada
I Exposição de Motivos
1. Através do ofício nº 594, de 31 de Julho p.p., comunicou V. Exa. a posição da Câmara Municipal de Viana do Castelo quanto ao que havia sido preconizado na Recomendação nº 18/A/98 relativa à nulidade do acto de licenciamento de obras efectuadas no logradouro do prédio sito na Travessa da Srª da Ajuda, freguesia da Meadela.
2. Não acatou essa Câmara Municipal a recomendação formulada por se revelarem divergentes as suas conclusões com as alcançadas pela Inspecção-Geral da Administração do Território na inspecção efectuada em Outubro de 1997.
3. Concluiu aquela entidade que o acto de legalização se tornou inatacável, quanto a eventuais violações do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, por efeito do decurso do prazo de impugnação contenciosa, “e que, a nível do PDM, não há elementos concludentes quanto a uma eventual violação ” (ponto 20, a fls. 71, do Relatório da IGAT), porquanto “nada constava do processo quanto à legalização das edificações anexas já existentes” (fls. 56 do mesmo Relatório).
4. De forma diversa concluí quanto ao desvalor jurídico do despacho de 20.07.1994, do Exmo. Vereador da Área de Planeamento e Gestão Urbanística, por desrespeito da disciplina contida no Regulamento do Plano Director Municipal de Viana do Castelo.
5 Com efeito, resulta dos elementos do processo camarário de licenciamento que o acto de legalização das obras contestadas permitiu que a área ocupada por anexos excedesse largamente o índice de ocupação de logradouros fixado no art. 16º nº 7, daquele instrumento de planeamento territorial, infringindo, em simultâneo, a proibição de ocupação sistemática e integral de logradouros com edificação, contida no nº 8 daquele artigo, atenta a área total do lote. Por certo, que tal disciplina não tolera uma situação em que a área da construção principal, tal como resulta da planta junta ao processo, parece ser inferior à área total ocupada por anexos.
6. Idêntico entendimento havia sido subscrito por essa Câmara Municipal na fundamentação do despacho de indeferimento do primeiro pedido de legalização apresentado pelo dono da obra. Refere expressamente o Exmo. Vereador de Planeamento e Gestão Urbanística que a área dos anexos existentes e construídos antes da entrada em vigor do Plano Director Municipal de Viana do Castelo excedia largamente os índices previstos no respectivo regulamento. Idêntica posição assumiu V. Exa. em resposta a um pedido de informações formulado pela Inspecção-Geral da Administração do Território.
7. Alicerçam-se tais conclusões na análise da planta junta ao processo camarário. Desta constam os anexos já construídos e que terão sido objecto de licenciamento e legalização em processos deferidos por essa Câmara Municipal em Outubro de 1987 e Janeiro de 1995.
8. Não obstante, mesmo que assim não sucedesse, o que não se concede, ao proceder à legalização das obras contestadas a Câmara Municipal teria de ter em consideração as construções já existentes, com vista a concluir sobre o respeito do índice de ocupação de logradouros permitido. Se nada constasse dos registos camarários, tratar-se-ia, por certo, de construções ilegais por ausência de licença municipal de obras, cuja legalização se encontraria inviabilizada, uma vez que a área total das construções existentes excede, em cerca de 20 m2, a área máxima de ocupação permitida (50 m2). Assim sendo, sempre seria necessário proceder à demolição parcial do conjunto edificado, por forma a reduzir a área de construção.
9. Assim, sendo nulo tal acto por efeito do disposto no art. 52º, nº 2, alínea b), do regime aprovado pelo Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, com a redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 250/94, de 15 de Outubro, deverá a Câmara Municipal proceder à correspondente declaração (art. 134º, nº 2, do Código do Procedimento Administrativo) e instaurar o procedimento de demolição das construções regulado no Decreto-Lei nº 92/95, de 9 de Maio.
10. Objecta V. Exa. que tal procedimento contende com o princípio da segurança jurídica e que “ponderados os prejuízos decorrentes da revogação do licenciamento e consequente demolição da obra e os eventualmente resultantes da sua manutenção, conclui-se serem aqueles superiores e de todo injustificados”.
11. Não procede, porém, tal argumentação, atentas as razões que levaram o legislador a cominar com a sanção da nulidade os actos de licenciamento municipal de obras, ex ante ou ex post, que violem o disposto em instrumento de planeamento territorial. A este propósito, reitero a V. Exa as considerações já expendidas quanto ao fundamento de tal grau de invalidade jurídica no que se refere aos actos administrativos ofensivos da disciplina de ocupação, uso e transformação dos solos contida em plano de ordenamento do território (cfr. nºs 21 a 23 da Recomendação nº 18/A/98).
12. Entendeu o legislador, de forma clara, privilegiar a tutela da legalidade urbanística em detrimento da tutela da confiança dos administrados em tais actos de licenciamento, com preterição do princípio da segurança jurídica relativamente ao princípio da legalidade. Foi o legislador que realizou tal ponderação, não cabendo às câmaras municipais derrogá-la. É o princípio da legalidade, de resto, o fundamento e limite de toda a actividade administrativa (arts 3º, nº 3, e 266º, nº 2, da CRP). Não procede, pois, a invocação do princípio da segurança quando se trata de proceder à reconstituição da situação material afectada por obras realizadas com base numa licença afectada pelo desvalor da nulidade. Por outro lado, não é possível descurar a segurança que o ordenamento jurídico deve conferir à comunidade reagindo contra as infracções perpetradas contra a ordem urbana edificada.
13. Já quanto à ponderação dos prejuízos resultantes da demolição das obras em face dos que resultam da sua manutenção, não parece que o legislador autorize a Administração a efectuar tal prognose sempre que se trate de exercer um poder de forma vinculada. De nada serve invocar a eventual desproporcionalidade da medida de demolição, para mais não sendo indicados os prejuízos que resultam da demolição, em favor da manutenção de uma situação de ilegalidade. Por outras palavras, não há proporcionalidade relevante dentro das fronteiras da ilegalidade, uma vez que a obra não se mostra susceptível de legalização. Desproporcionado parece, ao invés, deixar subsistir uma construção clandestina sem que se demonstre a necessidade de assim ser.
14. Não deixa, por certo, a posição do particular que edificou ao abrigo de uma licença nula de encontrar protecção em sede do regime da responsabilidade civil extracontratual da Administração. Acontece, porém, no caso em presença, que a obrigação de indemnizar não tem lugar, uma vez que o facto ilícito não causou qualquer dano ao reclamado particular, ao passo que a demolição constitui facto lícito do qual não se descortina a anormalidade ou especialidade de um dano devido ao lesado e à culpa com que agiu (arts. 8º e 9º do Decreto-Lei nº 48051, de 21 de Novembro de 1967).
15. Pelas razões expostas, reitero a V. Exa. a motivação de quanto recomendei à Câmara Municipal de Viana do Castelo, uma vez que no exercício da atribuição constitucional de reparação de ilegalidades, não posso deixar de insistir para que sejam tomadas as medidas necessárias à eliminação de uma situação de clara ofensa à disciplina urbanística municipal.
II Conclusões
De acordo com o exposto ,RECOMENDO
1º) Que seja declarada a nulidade do despacho de 20 de Julho de 1994, do Exmo Vereador da Área de Planeamento e Gestão Urbanística que legalizou as construções, nos termos do disposto no art. 134º, nº 2, do Código do Procedimento Administrativo.
2º) Que V. Exa. ordene a demolição da edificação conforme estabelece o art. 58º, nº 1, do regime jurídico do licenciamento municipal de obras particulares, e do art. 53º, nº 2, al. l), do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, cumprindo o procedimento estabelecido no Decreto-Lei nº 92/95, de 9 de Maio.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
Menéres Pimentel