Presidente da Câmara Municipal da Nazaré
Número: 28/A/99
Processo: 740/98
Data: 21.04.1999
Área: A1

Assunto: CONTRIBUIçõES E IMPOSTOS – FINANçAS LOCAIS – TAXA MUNICIPAL – PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO – REVOGAçãO DA NORMA – ILEGALIDADE

Sequência: Acatada

I- Exposição de Motivos

1. Em queixa que me foi apresentada contestava-se a exigência por parte dessa Câmara Municipal do pagamento de uma taxa relativa ao registo e apreciação de requerimento de interesse particular.

2. No decurso da instrução do processo, concluiu-se que a liquidação e cobrança daquela receita se fundamenta em quanto dispõe o “Regulamento para cobrança de Taxas e Licenças e a Tabela de Taxas e Licenças”, aprovados pela Assembleia Municipal da Nazaré, em 28/9/1990.

3. Questionado V. Exa. sobre os fundamentos legais da mencionada exigência, foi informado que a taxa desempenha um efeito moderador, “face à ligeireza do acto de requerer gratuitamente”, permitindo responder com maior celeridade ao solicitado por munícipes verdadeiramente interessados (cfr. Inf. Nº 41/TAX/152/98, de 11/05/1998).

4. A cobrança desta taxa no momento da apresentação do requerimento permite assegurar a incerteza inerente à decisão que recairá sobre o requerimento apresentado. “A partir do momento em que o requerimento após o registo de entrada e despacho inicial é entregue ao serviço, desenvolvem-se todas as tarefas necessárias à satisfação do que nele se pede, no desconhecimento se o documento final é ou não procurado pelo suposto interessado, e como tal, se o preço do serviço executado vai ou não ser pago”.

5. Não posso, em face das regras legais aplicáveis, concordar com a citada exigência, a qual se vem a traduzir, pelos motivos a seguir enunciados, numa receita com finalidades não exclusivamente financeiras mas também de política administrativa, porquanto destinada a demover requerimentos com menor pertinência ou oportunidade.

6. Compete à Assembleia Municipal, sob proposta ou pedido de autorização da Câmara, estabelecer nos termos da Lei, taxas municipais e fixar os respectivos quantitativos (art. 39º, nº 2, alínea l), da Lei das Autarquias Locais). Para além deste dispositivo, apenas se encontra regulamentação atinente à matéria na Lei das Finanças Locais (Lei nº 42/98, de 6 de Agosto), que fixa os domínios em que as taxas podem ser criadas e estabelece limites a essa criação ou à fixação dos respectivos quantitativos.

7. Contam-se entre as receitas municipais o produto da cobrança de taxas por licenças concedidas pelo município e o produto da cobrança de taxas ou tarifas resultantes da prestação de serviços pelo município (art. 16º, alíneas c) e d), da Lei das Finanças Locais). São estes os únicos domínios em que os municípios podem lançar taxas, distinguindo-se no âmbito dos serviços prestados pelo município, as tarifas e os preços, que podem ser fixados pela câmara municipal como contrapartida das actividades municipais de abastecimento de água e drenagem de águas residuais, recolha de lixo e tratamento de esgotos e transportes urbanos colectivos e fornecimento de energia eléctrica (art. 20º, da Lei nº 42/98).

8. No domínio genérico dos serviços municipais que podem ocasionar o lançamento de taxas, o art. 19º da Lei das Finanças Locais procede a uma enumeração das actividades municipais que, proporcionando benefícios ou utilidades aos particulares, podem justificar o lançamento de uma taxa, por força de um serviço prestado. Entre estas conta-se a prestação de serviços ao público por parte das unidades orgânicas ou dos funcionários municipais (art. 19º, alínea d), do mencionado diploma).

9. Da mesma forma, a anterior Lei das Finanças Locais, diploma que habilitou a aprovação do regulamento ora contestado, dispunha que os municípios poderiam cobrar taxa pela prestação de serviços ao público por parte das repartições ou dos funcionários municipais (art. 11º, alínea d), da Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro).

10. Esta taxa pretende, pela sua incidência, ser uma contrapartida de um certo benefício ou utilidade concreta extraída pelo munícipe de uma actividade de carácter procedimental levada a cabo pelo serviço público municipal. É, assim, uma prestação pressuposta por uma contraprestação pública específica, resultante de uma relação concreta, que pode ou não resultar em benefício para o particular, entre este e um serviço público (1).

11. Em princípio, o procedimento administrativo é gratuito, salvo na parte em que leis especiais impuserem o pagamento de taxas ou de despesas efectuadas pela Administração (art. 11º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo). Apenas sendo lícito às câmaras municipais cobrarem taxas pela prestação de serviços ao público, estes, no âmbito do procedimento, devem configurar-se como prestações específicas desenvolvidas pela Administração com vista à satisfação da pretensão apresentada, não como uma contrapartida da actividade procedimental em geral.

12. Está, pois, previsto o pagamento de taxas ou encargos procedimentais devidos por actos praticados pela Administração. A título exemplificativo refiram-se as taxas devidas pela emissão de autorizações e declarações, pela realização de peritagens e de averbamentos, pela realização de buscas nos livros, registos e arquivos, pela emissão de segundas vias de documentos, de certidões, atestados, fotocópias e pela reprodução de desenhos ou plantas.

13.Em todos estes casos, a Administração realiza em favor do particular uma actividade concreta, no âmbito de determinado procedimento administrativo, a qual se corporiza em actos destacáveis, por regra sujeitos a um regime específico. São prestações que se distinguem da actividade procedimental de análise, instrução do processo e prolação de uma decisão, a qual constitui a essência da actividade administrativa de carácter gracioso.

14.Encontra-se esta actividade sujeita à disciplina jurídica contida nos arts 74º a 113º do Código do Procedimento Administrativo, em cuja sequência é facilmente perceptível a diferença entre o plano da actividade procedimental em sentido estrito e todos os outros actos que se enxertam no procedimento e que se consubstanciam em serviços de carácter específico e particular, impostos por aquela pretensão em concreto e levados a cabo em benefício do particular, ainda que a decisão final não lhe seja favorável.

15.Em face do que antecede, será de concluir que não pode ser cobrada uma taxa por aquilo que constitui a essência da actividade administrativa. A Administração Pública encontra-se obrigada a decidir quanto lhe seja sujeito a apreciação pelos particulares (art. 9º, do Código do Procedimento Administrativo), pelo que ao apreciar um requerimento a câmara municipal não se encontra a prestar uma utilidade particular, antes a cumprir um dever. Apresentado um requerimento, a Administração encontra-se constituída na obrigação de verificar se àquela pretensão corresponde o dever de decidir e, se assim suceder, a decidir efectivamente, não sendo possível que a apreciação, pronúncia ou decisão sobre os assuntos da sua competência dê origem ao pagamento de taxas, que mais não seriam que formas de financiamento dos encargos gerais de manutenção e funcionamento dos serviços administrativos.

16. Admitir que se possam cobrar taxas pela apreciação e decisão de pedidos formulados pelos particulares, prescindindo de uma qualquer contraprestação específica ou de uma utilidade concreta, equivaleria a subsidiar, de uma forma genérica, o funcionamento da Administração Pública, em moldes equivalentes ao financiamento público por via fiscal.

17.Mais se diga quanto ao fundamento da taxa contestada radicar na actividade de registo do requerimento. O registo da apresentação ou de entrada de requerimentos constitui uma formalidade obrigatória no momento da recepção do documento (art. 80º do Código do Procedimento Administrativo), não podendo dar origem ao pagamento de uma taxa.

18.O registo do requerimento realiza-se para garantia de prova da entrada do suporte material da pretensão nos serviços camarários. É uma operação realizada no interesse da Câmara Municipal, pois é esta, e os seus serviços, em especial, que devem zelar pelo não extravio e pela regular sequência do requerimento. Mal se compreende que seja o munícipe a ter de suportar os custos da organização funcional dos serviços públicos.

19.No caso presente, o registo e a apreciação de requerimento particular não configuram a prestação de um serviço ao público susceptível de justificar a imposição e cobrança de uma taxa municipal, ao abrigo do já mencionado art. 19º, alínea d), da Lei das Finanças Locais.

20.Acompanhando ROBIN DE ANDRADE(2), refira-se que são aceites de forma unânime pela doutrina e jurisprudência nacionais como elementos definidores do conceito de taxa, a utilidade ou benefício concreto, de que a taxa é contrapartida, proporcionado em termos individualizados, pela entidade pública que lança a taxa. A falta de qualquer um destes elementos, significa que estamos perante um imposto, que apenas por Lei pode ser criado.

21.Em face da definição consensual de taxa como “o preço autoritariamente estabelecido, pago pela utilização individual de bens semipúblicos, tendo a sua contrapartida numa actividade do Estado ou de outro ente público, especialmente dirigida ao obrigado ao pagamento”3, ter-se-á que reconhecer que a sinalagmaticidade que subjaz ao conceito de taxa não se contenta com uma qualquer contraprestação por parte do ente público. A despeito dos benefícios ou desvantagens em que esta se traduza, a prestação pública terá que apresentar uma natureza material, traduzida na identificação na esfera do cidadão da utilização de um bem semipúblico”4.

22.Ora, qual é o bem semipúblico ou, em sentido amplo, o serviço público de carácter individualizado que o município presta ao particular ao proceder à entrada e apreciação de um requerimento? Não se divisa, de facto, que o particular accione mais que a actividade administrativa de carácter genérico que satisfaz necessidades colectivas.

23.Apreciado o requerimento, o particular terá que suportar o pagamento das taxas que a sua pretensão suscitar. Assim, tratando-se de um pedido de busca nos registos camarários ou de emissão de certidões, serão lançadas e liquidadas as taxas correspondentes, em virtude da concreta actividade desempenhada, a qual satisfaz, em simultâneo a necessidade individual do particular e as necessidades colectivas de manutenção e conservação dos registos administrativos e de certificação de documentos.

24.Não se descortina, assim, que outra actividade seja desenvolvida que não se encontre consumida pelas quantias exigidas pela prestação daqueles serviços. E não objecte a Câmara Municipal da Nazaré que a taxa por registo e apreciação de documento particular se destina a salvaguardar financeiramente o Município nos casos em que os particulares não levantem os elementos solicitados. Outra solução não se antevê para estes casos se não cobrar no início do procedimento a taxa respectiva, nunca, porém, criar uma taxa com uma finalidade exclusivamente financeira, cuja receita que lhe está associada não corresponde a qualquer custo individualizável de uma actividade ou serviço empreendido pela administração camarária.

25.A ser assim, estamos perante um imposto, com finalidades extrafiscais, destinado a regular o acesso aos serviços camarários, através do aumento do custo da utilização respectiva, cuja criação é interdita às assembleias municipais, porquanto se encontra reservada a acto legislativo parlamentar, ou do Governo, precedido de autorização. Trata-se, ao fim e ao cabo, de uma taxa por activação de serviços camarários.

26.Por tudo o que antecede, não posso deixar de assinalar a ilegalidade de que padece o preceito regulamentar em que se funda a exigência, a título de taxa, de uma quantia por registo e apreciação de requerimentos apresentados pelos particulares, pelo que me cumpre exortar V. Exa. a fazer cessar tal situação.

II – Conclusões

De acordo com o exposto, no uso dos poderes que me são conferidos pelo art. 20º, nº 1, al. a), do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei nº 9/91, de 9 de Abril,

RECOMENDO

Que seja proposta à Assembleia Municipal da Nazaré a alteração do “Regulamento para cobrança de Taxas e Licenças e a Tabela de Taxas e Licenças”, aprovado em 28/9/1990, com vista à eliminação do preceito regulamentar que prevê a cobrança de taxa por registo e apreciação de requerimento particular.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL

(1) V., por todos, quanto ao conceito de taxa, J.J. TEIXEIRA RIBEIRO, “Noção jurídica de Taxa”, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 117º, nº 3727, e o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10/2/1983, Acórdãos Doutrinais, nº 257.

(2) “Taxas municipais – Limites à sua fixação”, Revista Jurídica do Urbanismo e Ambiente, nº 8, Dezembro de 1997, pp. 66 e 67.

(3) Acórdão do STA cit.

(4) J. J. TEIXEIRA RIBEIRO, ob. cit., p. 289, e PAULO PITTA E CUNHA, JOSÉ XAVIER DE BASTO E ANTÓNIO LOBO XAVIER, “Os conceitos de taxa e imposto a propósito de licenças municipais”, Fisco, nº 51/52, Fev/Mar, 1993, p. 6.