Secretário Regional da Agricultura, Pescas e Ambiente
Número : 78/A/98
Processo:R-2314/98
Data:7.01.1999
Área: Açores

Assunto:ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – CONCURSO EXTERNO – RECRUTAMENTO E SELECÇÃO DE PESSOAL – JÚRI – CONSTITUIÇÃO E SUBSTITUIÇÃO (IRREGULARIDADE)

Sequência: Acatada

I-Introdução

1. Em 27/05/98, foi dirigida ao provedor de justiça uma reclamação relativa ao concurso externo de ingresso para provimento de lugares de 3º oficial do quadro da Secretaria Regional da Agricultura, Pescas e Ambiente (J.O., II série, n.º 36, de 03/09/96).

2. A queixa referia que durante a entrevista de selecção o júri do concurso estava irregularmente constituído. Com efeito, nos termos da reclamação, não obstante um dos vogais ter faltado àquela diligência, não foi devidamente substituído.

3. No âmbito da instrução do processo aberto na Extensão da Provedoria de Justiça da Região Autónoma dos Açores, foram solicitadas ao Gabinete de Vossa Excelência informações relativamente:
– À constituição do júri do concurso (foi, igualmente, solicitado o envio de cópia do despacho de nomeação, incluindo os vogais substitutos);
– À constituição do júri durante as entrevistas profissionais realizadas aos diferentes opositores ao concurso.

4. Em resposta (cf. ofício…. ), foram recebidos os seguintes esclarecimentos:
“(…)
a) O Júri teve a seguinte constituição:
Presidente – Fernando dos Anjos Alves de Campos, Chefe de Repartição;
Vogais efectivos – Irene Adelaide Ávila Soares, que substituirá o Presidente nas suas faltas e impedimentos;
Vogais suplentes – Liseta Garcia de Oliveira Campos – Chefe de Secção;
Avelino Santos Silva – Chefe de Secção”.

5. De notar que, confrontado o teor da resposta que acabo de transcrever com o conteúdo da cópia do despacho de nomeação do júri, verifico que – certamente por mero lapso – não foi feita referência ao segundo vogal efectivo ( Carmina Ávila Moules Matos,1º oficial).

6. Informa, ainda, o supra mencionado ofício que “durante as entrevistas profissionais realizadas aos diferentes opositores ao concurso o Júri foi constituído pelo Presidente e pelo primeiro Vogal efectivo – Irene Adelaide Ávila Soares”.

7. Por fim, para além da descrição dos locais nos quais os diferentes membros do Júri exercem funções (nas ilhas do Faial e de São Jorge), é afirmado que “o 2º Vogal efectivo, à data da realização das entrevistas, encontrava-se doente, conforme atestado médico apresentado no Serviço, arquivado no respectivo processo individual”.

8. As informações assim obtidas bastam, sem mais, para uma apreciação da matéria da reclamação e permitem, como demonstrarei, concluir procedência da queixa que me foi apresentada.

II-Exposição de Motivos

9. Importa ter presente as normas pertinentes das disposições que regulam a constituição, a composição e o funcionamento dos júris dos concursos de recrutamento e selecção de pessoal para os quadros da Administração Pública, constantes do Decreto-lei n.º 498/88, de 30 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 215/95, de 22 de Agosto.

Capítulo IV-Processo de concurso comum
Secção I-Do júri
Artigo 8º
Constituição e composição

1- O júri do concurso é constituído por despacho do dirigente máximo do serviço ou organismo competente para a sua realização, podendo a sua composição ser alterada, por motivos ponderosos e devidamente fundamentados, até à data do início da aplicação dos métodos de selecção.
2- O júri é composto por um presidente e por dois ou quatro vogais efectivos.
3- (…)
4- (…)
5- O despacho constitutivo do júri designará o vogal efectivo que substituirá o presidente nas suas faltas e impedimentos.
6- O despacho constitutivo do júri designará também, para as situações de falta e impedimento, vogais suplentes em número idêntico ao dos efectivos.
(…)

Artigo 9º
Funcionamento

1- O júri só pode funcionar quando estiverem presentes todos os seus membros, devendo as respectivas deliberações ser tomadas por maioria e sempre por votação nominal.
(…)

10. A adaptação deste regime jurídico à Administração Pública regional dos Açores, resultante da publicação do Decreto Legislativo Regional n.º 3/94/A, de 29 de Janeiro, alterado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 5/97/A, de 21 de Maio, não implicou modificações relevantes na maéria da constituição, composição e funcionamento dos júris dos concursos (apenas dispõe, no art.4º ,que “o presidente do júri será designado de entre pessoal dirigente, de chefia ou funcionário com categoria remunerada por índice não inferior a 300, em qualquer dos casos pertencentes ao serviço ou organismo competente para a realização do concurso”).

11. Como se verifica da leitura dos preceitos citados, na situação em que o júri é constituído, para além do presidente, por dois vogais efectivos (art. 8º, n.º 2), devem ser designados dois vogais suplentes (art. 8º, n.º 6), para as situações de falta e impedimento. E decorre desta circunstância que o, ou os vogais suplentes, substituem o, ou os vogais efectivos, na sua falta ou impedimento. Se dúvidas subsistissem quanto a este entendimento, a leitura do n.º 1 do art. 9º dissipá-las-ia: o júri só pode funcionar com a presença de todos os seus membros.

12. Como igualmente resulta do disposto no n.º 5 do supra citado art. 8º, um dos vogais efectivos deve ser designado para substituir o presidente nas suas faltas e impedimentos.

13. Resulta do exposto (com alguma evidência, diga-se), que o legislador cuidou de criar um júri com um número ímpar de membros (três ou cinco), assegurando, do mesmo passo, o seu funcionamento ainda que os seus membros efectivos faltassem ou estivessem impedidos de integrar a sua composição. Aliás, não é senão esta a razão de ser da existência de um regime de substituição.

14. Uma vez que, à data da realização das entrevistas, o segundo vogal efectivo encontrava-se impedido de integrar o júri, deveria ter sido substituído por um dos vogais suplentes. Não ocorrendo esta substituição, o júri não poderia ter funcionado.

15. O júri do concurso externo de ingresso para provimento de lugares de 3º oficial do quadro da Secretaria Regional da Agricultura, Pescas e Ambiente estava ilegalmente constituído. A não observância do regime previsto para a substituição do membro do júri em falta (que implicou o funcionamento do júri com apenas dois elementos) acarretou a invalidade do referido concurso.

16. Lembro a Vossa Excelência as conclusões do Acordão do Supremo Tribunal Administrativo (cf. Ac. de 22/03/90, proferido no processo n.º 27803), nos termos da qual “a ilegal constituição de júri de concurso, em consequência de substituição de um dos seus membros, sem observância do regime legal dessa substituição, equivale a não observância de formalidade essencial, que inquina de nulidade a deliberação que homologou classificação elaborada pelo mesmo”. E nem a circunstância da norma que esteve na base desta deliberação judicial – o art. 88º do Decreto-Lei n.º 100/84 – ser relativa às autarquias locais justifica um entendimento diferente no que concerne à presente situação. Com efeito, como refere FREITAS DO AMARAL,”o elenco de nulidades constantes do artigo 88º da LAL considerava-se já aplicável por analogia aos actos de todos os órgãos da Administração Pública portuguesa” (cf. Código do Procedimento Administrativo Anotado, 2ª Ed., Almedina, Coimbra, pág. 212).

17. Seguindo o mesmo Autor, devo acentuar que “o CPA prescreve, ainda, que são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais. Quando se verifique a omissão de qualquer dos elementos essenciais, mas ainda seja possível reconhecer o tipo legal em que o acto se insere, este será nulo” (idem). Como tem entendido a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, “é formalidade essencial do processo do concurso a composição do júri” (cf., por todos, Ac. de 26/01/62, proferido no processo n.º 5661); ou, em outro processo, “a composição e funcionamento do júri com um número par de membros constitui irregularidade que se traduz na preterição de formalidades essenciais (…)” (cf. Ac. de 22/03/90, processo n.º 27803).

18. Tendo concluído pela procedência da reclamação (por ter verificado a inobservância do regime legal de substituição do membro do júri em falta e deliberação com número par de membros do júri) não posso deixar de constatar, igualmente, que foram frustrados, em absoluto, o princípio da igualdade de condições e de oportunidades para todos os candidatos e o princípio da neutralidade da composição do júri.

19. Faço notar, em jeito de conclusão, que sendo o júri composto por apenas dois elementos, e sendo um deles presidente (cf. art. 8º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 498/88, de 30 de Dezembro), a opinião deste membro fará sempre vencimento, mercê da possibilidade do duplo voto em caso de empate na votação (cf. art. 26º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo).

20. Na tradicional, e pacífica, distinção entre órgãos colegiais – que têm por suporte uma pluralidade de indivíduos – e órgãos singulares – que têm por suporte um único indivíduo -, o júri do concurso externo de ingresso para provimento de lugares de 3º oficial do quadro da Secretaria Regional da Agricultura, Pescas e Ambiente foi, na prática, um órgão singular: todas as decisões foram tomadas (porque não poderiam deixar de ser) pelo presidente do júri.

21. A circunstância de um “júri” de concurso ser um órgão singular – e sê-lo-á sempre que se verifique, como na presente situação, que todas as decisões são tomadas por um único indivíduo – não pode deixar de configurar uma nulidade, até face à redacção do art. 116º, n.º 2, da Constituição da República.

II-Conclusões

22. Pelas razões que deixei expostas e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no art. 20º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril,RECOMENDO

Seja declarado nulo o concurso externo de ingresso para provimento de lugares de 3º oficial do quadro da Secretaria Regional da Agricultura, Pescas e Ambiente (J.O., II série, n.º 36, de 03/09/96).

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José menéres Pimentel