Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada
Número:43/A/98
Processo:R-3583/96
Data:26.06.1998
Área:Açores

Assunto:URBANISMO E OBRAS – OBRAS PARTICULARES – LICENCIAMENTO – OBRIGATORIEDADE – ALTERAÇÃO DA TOPOGRAFIA LOCAL – CONTRA-ORDENAÇÃO – LEGALIZAÇÃO.

Sequência: Sem resposta.

I-Exposição de Motivos

A Reclamação

1. Em 03/09/96, foi aberto processo na Provedoria de Justiça (Extensão da Região Autónoma dos Açores) em virtude de reclamação relativa a construção não licenciada na Rua…, em Ponta Delgada. A obra em causa consistia na montagem de uma estrutura metálica (ponte rolante).

2. A presente Recomendação foi directamente motivada pela comunicação da Câmara Municipal de Ponta Delgada (telefax de 19/03/98) a qual é do seguinte teor:
“Em resposta ao vosso ofício n.º …, cumpre-me informar e esclarecer o seguinte:
A controvertida “ponte rolante” suscitou a apreciação de anteriores executivos Municipais assim como da actual Câmara. O ponto da situação relativamente à matéria reclamada até 28 de Julho de 97 é o constante do nosso ofício n.º … da mesma data e remetido à Exmª Assessora de Sua Excelência o Provedor de Justiça.

Posteriormente, e na sequência do ofício dessa Provedoria, datado de …, concluímos ter ocorrido um erro de apreciação desta Câmara ao configurar a matéria reclamada como actividade sujeita a licenciamento Municipal nos termos do Regulamento Geral das Edificações Urbanas – D.L. 38382 de 7 de Maio 51 – e Regime Jurídico de Obras Particulares – D.L. 166/70 de 15 de Abril.

Como é do conhecimento superior de Vossa Excelência esta legislação – hoje parcialmente revogada pelo D.L. 445/91, de 20 de Novembro, que reformou o regime jurídico do licenciamento municipal de obras particulares – tem por objectivo o licenciamento de obras de construção civil e utilização de edifícios, ou seja todos os actos e operações materiais de edificação e uso do solo para fins urbanísticos.

Este entendimento que, salvo melhor opinião, resulta directamente da letra e espírito da lei determina que o licenciamento da referida “ponte rolante” exorbita da área de competências Municipais. Com efeito os trabalhos de montagem de uma estrutura amovível, no caso presente a referida “ponte rolante”, não se enquadram na previsão do objecto de licenciamento cfr. estatuído no artº 1º do D.L. 445/91 de 20 de Novembro.
(…)”.
3. Acresce que, por comunicação de …, o queixoso informou este Órgão do Estado da subsistência da matéria reclamada.

4. Como ficará demonstrado, a obra de montagem de uma estrutura metálica (ponte rolante) na Rua …, em Ponta Delgada, está sujeita a licenciamento municipal o qual deverá ser assegurado pela Câmara Municipal de Ponta Delgada.

O Direito

5. Importa, desde já, chamar a atenção para o disposto no Decreto-Lei n.º 139/89, de 28 de Abril, que impõe o licenciamento camarário das acções de destruição do revestimento vegetal que não tenham fins agrícolas e das acções de aterro ou escavação que conduzam à alteração do relevo natural e das camadas de solo arável [cfr. art. 1º, n.º 1, alíneas a) e b)]. Da descrição da obra reclamada resulta que esta implica a alteração do relevo natural da área em que se insere. Não obstante, uma vez que a alínea a) do n.º 1 do art. 2º exceptua deste regime “as acções que, estando sujeitas a regime legal específico, já se encontrem devidamente autorizadas, licenciadas ou aprovadas pelas órgãos competentes” os mencionados trabalhos de montagem da estrutura metálica (ponte rolante) está sujeita somente a licenciamento camarário nos termos da disciplina prevista no mencionado Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro.

6. Assim sendo, ainda que se aceitasse o entendimento perfilhado pela Câmara Municipal de Ponta Delgada (o qual não se me afigura defensável) sobre a não aplicabilidade do regime jurídico das obras particulares, sempre subsistiria a necessidade de licenciamento camarário em virtude da aplicação da disciplijna do Decreto-Lei n.º 139/89, de 28 de Abril.

7. Com efeito, o Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro – cuja redacção foi alterada pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro – estabelece o regime jurídico das obras particulares e define, como princípio geral, a obrigatoriedade de licenciamento camarário de todas as obras de construção civil, designadamente a construção de novos edifícios e a reconstrução, a ampliação, a alteração e a reparação de edificações, e ainda os trabalhos que, não possuindo natureza exclusivamente agrícola, impliquem alteração da topografia local [cfr. art. 1º, n.º 1, alínea a)]. A enumeração é, já se vê, meramente exemplificativa. No entanto, a montagem de estrutura metálica nos termos descritos na reclamação que originou a presente instrução implica, inequivocamente, a alteração da topografia da área em que é edificada.

8. O exercício das competências de polícia administrativa por parte das câmaras municipais resultava já da disciplina do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951, que dispõe que a execução de novas edificações “não pode ser levada a efeito sem prévia licença das câmaras municipais, às quais incumbe também a [sua] fiscalização” (cfr. art.s 1º e 2º).

9. De igual modo, o art. 51º, do citado Decreto-Lei n.º 445/91, atribui às câmaras municipais a incumbência de fiscalizar o cumprimento das disposições do regime legal urbanístico.

10. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 54º deste diploma, a execução de obras de construção civil sem a respectiva licença de construção, ou em desconformidade com os seus termos, constitui contra-ordenação, punível com coima graduada de 100.000$00 até ao máximo de 20.000.000$00, no caso de pessoa singular, ou até 50.000.000$00, no caso de pessoa colectiva (cfr. n.º 2 do preceito em causa).

11. Assim, a verificação da execução de trabalhos de construção civil, designadamente a construção de novos edifícios e a reconstrução, a ampliação, a alteração e a reparação de edificações sem a respectiva licença de construção, ou em desconformidade com os seus termos, não pode deixar de conduzir, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 54º, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, à instauração de processo contra-ordenacional.

12. A incumbência de fiscalização do cumprimento das disposições do regime jurídico das obras particulares conferida, no presente caso, à Câmara Municipal de Ponta Delgada, vem acompanhada, como já referi, da competência para o processamento das contra-ordenações respectivas. E a decisão de instaurar o competente procedimento contra-ordenacional constitui, perante a verificação dos necessários pressupostos, poder vinculado da câmara municipal uma vez que a limitação da discricionariedade não se esgota na tutela do interesse público a prosseguir, antes de estendendo a todos os demais princípios a que a acção administrativa se encontra vinculada (princípios da legalidade, da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos e da eficiência).

13. Assim, da conjugação das disposições dos art.s 51º e 54º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, e do art. 2º, do Decreto n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951, resulta que o processamento de contra-ordenação assume, na situação em apreço, carácter vinculado.

14. Na verdade, sendo a Câmara Municipal de Ponta Delgada competente para o processamento da respectiva contra-ordenação, e tendo comprovado a violação do disposto no art. 1º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, e, acrescidamente, do disposto nos art.s 112º, 113º e 114º, do Decreto n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951, não pode deixar de ser instaurado aquele procedimento.

15. Não obstante, nos termos do disposto no art. 167º, do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, pode ser requerida a legalização dos trabalhos realizados em desrespeito pelas pertinentes disposições urbanísticas. No entanto, a legalização destes trabalhos de construção civil apenas poderá ocorrer caso se “reconheça que são susceptíveis de vir a satisfazer os requisitos legais e regulamentares de urbanização, de estética, de segurança e de salubridade” (cfr. art. 167º, n.º 1, do Decreto n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951).

16. A legalização das obras realizadas sem licença é o único meio de evitar a demolição dos trabalhos ilicitamente erigidos (cfr. corpo do mencionado art. 167º) mas somente se se verificar a susceptibilidade dos trabalhos realizados virem a conformar-se com as disposições relativas a urbanização, estética, segurança e salubridade. Caso não possa ser evitada, nos termos do disposto na mencionada disposição, por não estarem reunidas as condições urbanísticas, de estética, de segurança ou de salubridade para a legalização, a consequência será, obrigatoriamente, a demolição dos trabalhos realizados sem a necessária licença camarária, ao abrigo do disposto no art. 165º, do Regulamento Geral das Edificações Urbanas.

Conclusões:

17. De tudo quanto ficou exposto resulta que a obra de montagem de uma estrutura metálica (ponte rolante) na Rua …, em Ponta Delgada, está sujeita a licenciamento camarário, nos termos do disposto no art. 1º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro.
18. Por outro lado, caso tenha sido verificada a execução daqueles trabalhos de construção civil sem o necessário licenciamento, deve a Câmara Municipal de Ponta Delgada instaurar, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 54º, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, procedimento contra-ordenacional.
19. Ainda assim, a obra em causa é susceptível de legalização, se se verificar a susceptibilidade dos trabalhos realizados virem a conformar-se com as disposições relativas a urbanização, estética, segurança e salubridade (cfr. art. 167º, do Decreto n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951).
20. Caso não possa ser evitada, por não estarem reunidas as condições urbanísticas, de estética, de segurança ou de salubridade para a legalização, a Câmara Municipal de Ponta Delgada deverá promover a demolição dos trabalhos realizados sem a necessária licença camarária, ao abrigo do disposto no art. 165º, do Regulamento Geral das Edificações Urbanas.

II-Conclusões

21. Pelas razões que deixei expostas e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no art. 20º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril,

RECOMENDO:
A. Que a Câmara Municipal de Ponta Delgada reaprecie o processo relativo à obra de montagem de uma estrutura metálica (ponte rolante) na Rua …, Ponta Delgada, e exerça as suas competências de polícia administrativa (nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro e no Decreto n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951);
B. Que a Câmara Municipal de Ponta Delgada, caso verifique a execução de trabalhos sem o necessário licenciamento ou em desrespeito pelos seus termos, instaure procedimento contra-ordenacional, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 54º, do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro;
C. Que a Câmara Municipal de Ponta Delgada promova a demolição da obra erigida sem a necessária licença camarária ou em desconformidade com os seus termos, ao abrigo do disposto no art. 165º, do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, caso não se verifique a susceptibilidade dos trabalhos realizados virem a conformar-se com as disposições relativas a urbanização, estética, segurança e salubridade, nos termos do disposto no art. 167º, do Decreto n.º 38.382, de 7 de Agosto de 1951.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

José Menéres Pimentel