Presidente da Câmara Municipal da Horta
Número: 31/A/98
Processo: 4635/97
Data: 16.06.1998
Área: Açores
Assunto: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – TEATRO FAIALENSE – OBRAS DE RESTAURO – CONCURSO PÚBLICO – ADJUDICAÇÃO – IRREGULARIDADES
Sequência: Não Acatada
I – Exposição de Motivos
Os Factos
1. Em … .1997, foi apresentada uma reclamação ao Provedor de Justiça relativa ao concurso público “serviço de fiscalização da empreitada de restauro e adaptação do cine-teatro Faialense a auditório, sala de congressos e centro de conferências”.
2. Nos termos da queixa, foram incumpridos procedimentos legais essenciais relativos a concursos públicos. Em especial, era referido que não haviam sido salvaguardadas as garantias de imparcialidade, designadamente porque um dos membros da comissão de abertura e da comissão de análise das propostas teria interesse no contrato em causa.
3. Era, igualmente, reclamada a insuficiente fundamentação de diversos actos praticados no decurso daquele procedimento administrativo, designadamente das respostas à reclamação da deliberação que admitiu a concorrente P…, Lda. e ao recurso hierárquico da deliberação de indeferimento da reclamação, apresentadas pela concorrente E…, Lda.
4. Em ordem ao cabal apuramento dos factos relevantes, foram solicitados esclarecimentos à Câmara Municipal da Horta, através do ofício n.º … , de … /98.
5. Importava, então, obter informações relativamente:
a) Aos factores de avaliação constantes
-do anúncio do concurso; e
-do programa do concurso.
b) Aos factores de avaliação ponderados pela comissão de análise de propostas;
c) À composição das comissões de abertura e de análise das propostas;
d) Ao conhecimento, por parte da Câmara Municipal da Horta, de eventual ligação de membros das comissões de abertura e de análise das propostas a alguma das empresas concorrentes.
6. Por outro lado, uma vez que a concorrente E…, Lda. teria, alegadamente, reclamado da deliberação que admitira a concorrente P…, Lda. e teria, também alegadamente, apresentado recurso hierárquico da deliberação de indeferimento da reclamação, foi solicitada cópia das decisões proferidas, incluindo a respectiva fundamentação, bem como da indicação da data em que foram comunicadas aos interessados.
7. Em resposta, V.Exa. remeteu a este Órgão do Estado (Extensão da Região Autónoma dos Açores) o ofício n.º … , de … /98, acompanhado dos documentos “anúncio do concurso”, “programa do concurso” e “caderno de encargos”, bem como do “relatório final de análise das propostas” e de cópia do ofício n.º … , de … /97, dirigido ao senhor gerente da E…, Lda., que comunicava a apreciação do recursos hierárquico interposto por este concorrente da decisão de indeferimento da reclamação de … /97 e enviou, ainda, cópia do despacho de … /97 que designa os membros das comissões de abertura e análise das propostas.
8. Nos termos da reclamação, como já vimos:
I .Um dos membros da comissão de análise das propostas tinha interesse no contrato
II. Ocorrera deficiente fundamentação do acto:
a) Que decidiu a reclamação da deliberação que admitiu a concorrente P…, Lda.;
b) Que decidiu o recurso hierárquico interposto da deliberação anterior.
9. A apreciação dos factos reclamados – incumprimento dos procedimentos legais relativos à imparcialidade da análise das propostas e insuficiente fundamentação das respostas à reclamação da deliberação que admitiu a concorrente P…, Lda. e ao recurso hierárquico que se lhe seguiu – pressupõe a análise do normativo aplicável, designadamente aquele relativo à realização de concursos públicos.
O Direito
10. A contratação do “serviço de fiscalização da empreitada de restauro e adaptação do cine-teatro Faialense a auditório, sala de congressos e centro de conferências” foi realizada mediante concurso público, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 55/95, de 29 de Março (diploma que estabelece o regime da realização de despesas públicas com locação, empreitadas de obras públicas, prestação de serviços e aquisição de bens, bem como o da constratação pública relativa à prestação de serviços, locação e aquisição de bens móveis) com sujeição, em especial, às normas constantes da secção II (art.s 38º e seguintes).
11. O concurso público [no qual “(…) qualquer interessado que reúna os requisitos exigidos pode apresentar uma proposta” (art. 31º, n.º 2)] é o procedimento aplicável quando o valor da contratação “seja superior a 20 000 contos” [art. 32º, n.º 1, alínea a)].
12. “No concurso público haverá sempre um programa de concurso e um caderno de encargos (…)” (art. 39º, n.º 1) destinando-se, aquele, a “definir os termos a que obedece o concurso” (art. 40º) e contendo este as disposições jurídicas e técnicas a incluir no contrato a celebrar.
13. A subsecção II da secção II (epigrafada “Dos requisitos exigíveis”) estabelece directrizes sobre a salvaguarda das garantias de idoneidade (art. 44º), habilitações profissionais exigíveis (art. 45º) e avaliação das capacidades financeira (art. 46º) e técnica (art. 47º) dos concorrentes.
14. Pela relevância que assume para a presente análise, importa descrever os procedimentos de abertura e análise das propostas.
Abertura das Propostas
15. A abertura das propostas é assegurada, em sessão pública, por uma comissão designada para o efeito. Esta, formada nos termos do n.º 1 do art. 57º é, em cumprimento do disposto nessa mesma norma, “constituída, pelo menos, por três membros, um dos quais presidirá”, e compete-lhe proceder à abertura de todas as propostas apresentadas.
16. Esta fase, que a lei designa por “acto público do concurso”, compreende a abertura das propostas (art. 57º), assegurando os procedimentos descritos no art. 58º.
17. A sessão do acto público é contínua (art. 57º, n.º 3), ocorre no dia útil imediato à data limite para a apresentação das propostas [ou, por motivo justificado, dentro dos 30 dias subsequentes (n.º 2)] e inicia-se com a abertura das propostas.
18. A primeira parte deste acto público integra os seguintes procedimentos:
I. Abertura da sessão (art. 58º, n.º 1);
II. Identificação do concurso e referência às datas de publicação do anúncio [alínea a)];
III. Leitura da lista de concorrentes [alínea b)];
IV. Abertura dos sobrescritos exteriores, nos termos do art. 55º, n.º 3 [alínea c)];
V. Verificação dos documentos que acompanham a proposta [alínea d)];
VI. Deliberação sobre a exclusão ou admissão definitiva ou condicional dos concorrentes alínea d),in fine];
Nos termos do disposto no art. 59º, não são admitidos os concorrentes:
– Cujas propostas hajam sido apresentadas fora de prazo [n.º 1, alínea a)];
– Que não tenham cumprido as formalidades de apresentação de propostas, que constam do art. 55º [alínea b)];
– Que não tenham apresentado todos os documentos obrigatórios ou cujas propostas contenham deficiências insupríveis [alínea c)];
– Que tenham prestado falsas declarações ou falsificado qualquer documento [alínea d)].
Por outro lado, são admitidos sob condição os concorrentes:
– Que, não apresentando os documentos oficiais exigidos, tenham requerido a sua emissão em tempo [n.º 2, alínea a)];
– Cujos documentos contenham imprecisões que lhes não são imputáveis [alínea b)].
Nestas situações, a comissão de abertura de propostas concede o prazo de dois dias para suprimento das deficiências. Nesta situação, no primeiro dia útil subsequente, “(…) será reaberto o acto público do concurso para decisão sobre a admissão ou exclusão dos concorrentes admitidos condicionalmente” (art. 63º, n.º 1).
VII. Leitura da lista de concorrentes admitidos e excluídos [alínea e)].
19. Durante a sessão pública, os concorrentes podem, nos termos do disposto no art. 58º, n.º 2, pedir esclarecimentos, solicitar o exame de documentos e reclamar da prática de qualquer infracção. Estas “(…) reclamações devem ser decididas no próprio acto” (n.º 3).
20. A segunda parte da sessão pública compreende:
I. Abertura dos sobrescritos com as propostas admitidas (art.60º, n.º 1);
II. Exame formal das propostas (n.º 2);
III. Deliberação sobre admissibilidade das propostas (n.º 2, in fine);
Nos termos do disposto no art. 61º, não são admitidas as propostas:
– Que não contenham os elementos essenciais estipulados no programa de concurso ou os documentos exigidos nos termos do art. 53º [alínea a)];
– Que impliquem alterações não admitidas de cláusulas do caderno de encargos [alínea b)].
IV. Leitura da lista das propostas admitidas e não admitidas, referindo o preço total de cada proposta admitidas (n.º 3);
V. Fixação de prazo para exame, pelos concorrentes, das propostas e respectivos documentos (n.º 4);
21. Nos mesmos termos estipulados no art. 58º, n.º 2 (para a primeira parte do acto público), os concorrentes podem pedir esclarecimentos e reclamar da prática de qualquer infracção. Também estas “(…) reclamações devem ser decididas no próprio acto de abertura das propostas (…) de cujo resultado [a comissão] dará imediato conhecimento público, com os devidos fundamentos” (n.º 6).
22. Do acto público do concurso é elaborada acta (art. 62º, n.º 1) após cuja leitura podem os concorrentes reclamar. A comissão só dará por finda a sessão pública após decidir as reclamações (n.º 2).
23. Das deliberações sobre as reclamações cabe recurso hierárquico para o órgão máximo da entidade pública contratante, a interpor no prazo de cinco dias a contar da notificação do indeferimento ou da entrega da certidão da acta de onde conste aquele acto (art. 64º, n.º 1). “Se o recurso for deferido, praticar-se-ão todos os actos necessários à sanação dos vícios e à satisfação dos legítimos interesses do recorrente ou, se isso não bastar para a reposição da legalidade, declara-se a nulidade ou revoga-se o acto de abertura do concurso”, nos termos do n.º 3.
Análise das Propostas
24. A análise das propostas é feita por uma comissão designada para o efeito pela entidade pública contratante, formada nos termos do n.º 1 do art. 65º – “composta no mínimo por três elementos (…) a qual pode agregar peritos, sem direito a voto, para a emissão de pareceres em áreas especializadas”. O n.º 2 dispõe que “a comissão de análise não pode ser constituída na sua totalidade pelos mesmos membros da comissão de abertura de propostas, salvo indicação em contrário da entidade pública contratante”.
25. A comissão elabora um relatório (o art. 66º, n.º 1 cuida de referir, expressamente, que deve ser fundamentado) sobre o mérito das propostas.
26. É imposta, pelo art. 67º, a obrigatoriedade de ser assegurado o cumprimento da audiência prévia [que é assegurada pela entidade contratante ou, em caso de delegação, pela comissão de análise das propostas (n.º 5)] dos concorrentes. Esta pode ser escrita ou oral (n.º 1, in fine). No primeiro caso, dispõem de cinco dias para se pronunciarem; no segundo, devem ser convocados, com a antecedência de cinco dias, para a audiência oral (n.º 2).
27. Por fim, após ponderar as observações, “a comissão (…) submete à entidade competente para adjudicar um relatório final devidamente fundamentado” (art. 68º).
Conclusões
1. Sobre a questão da composição das comissões de abertura e de análise das propostas.
28. Como ficou visto, na parte relativa à análise das propostas (subsecção V), o n.º 1 do art. 65º define, tal como acontece para a comissão de abertura das propostas, a sua composição tripartida e, da mesma forma, a sua designação pela entidade pública contratante. No entanto, como igualmente já foi frisado, que a comissão de análise não pode ser constituída na sua totalidade pelos mesmos membros da comissão de abertura de propostas, salvo indicação em contrário da entidade pública contratante. Para ser assegurado o cumprimento deste requisito é insuficiente a mera designação da composição das comissões no mesmo documento – como aconteceu no caso em apreço (através do mesmo despacho do senhor Presidente da Câmara Municipal da Horta, de … /97).
29. Com efeito, a expressão da lei “salvo indicação em contrário” apenas assume relevância prática se exigir à entidade pública contratante a fundamentação da decisão de manter a mesma composição nas duas comissões. De outra forma, e uma vez que é sempre a entidade pública contratante a designar a composição das duas comissões, não faria sentido impor, como faz o texto legal, a indicação em contrário. Para o legislador não basta a simples designação igual da composição das comissões; é necessário conhecer das razões (ponderosas na óptica do interesse público) que a motivaram (1).
30. Esta situação assume particular relevância no processo em análise. Com efeito, nos termos do despacho de … /97 do senhor Presidente da Câmara Municipal da Horta que nomeia as comissões de abertura e análise das propostas, são os seguintes os membros das comissões:
Presidente: Vereador R…
Vogais: Eng. J…
Eng: M…
Técnico Adjunto de Construção Civil: C…
Suplentes: Vereador M…
Técnico Adjunto de Construção Civil: I…
31. Resulta com clareza da instrução do processo que o membro das comissões de abertura e análise das propostas visado na queixa é o senhor Engenheiro J… Diversos documentos entregues neste Órgão do Estado estabelecem uma inequívoca relação entre o senhor Engenheiro J… e a empresa P…, Lda. Em especial, em … de 1995 e no âmbito do concurso público “prestação de serviços de planeamento, coordenação e fiscalização de empreitada – concepção/construção do destino final das águas residuais da cidade de Angra do Heroísmo, incluindo a remodelação da rede de águas”, o senhor Engenheiro J… era apresentado no organigrama da P…, Lda. como chefe de projectos desta empresa.
32. Acresce que, a empresa E…, Lda. enviou, em … /97, o ofício n.º … , no qual refere:
“(…) vimos (…) solicitar encarecidamente a V.Exa., e no sentido de garantir imparcialidade na apreciação, que nenhum dos elementos nomeados para esta comissão tenha qualquer ligação de colaboração assídua com alguns dos concorrentes, contrariamente ao verificado na abertura das propostas, designadamente o Eng. J… com o concorrente ” … “”.
33. Esta comunicação da concorrente E…, Lda. assume particular importância porquanto:
– faz cessar o eventual desconhecimento da Câmara Municipal da Horta quanto à possibilidade existirem razoáveis suspeitas de isenção de um dos membros da comissão de análise das propostas;
– constitui um pedido expresso de alteração da composição da comissão de análise das propostas.
34. O art. 44º, do Código do Procedimento Administrativo (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro), na parte relativa às garantias de imparcialidade (secção VI) do Capítulo I, enumera, exaustivamente, os casos de impedimento dos titulares de órgãos ou agentes da Administração Pública. “Agentes da Administração Pública devem entender-se, para efeitos desta norma, todos quanto intervêm no procedimento em nome da Administração ou do lado do interesse público – peritos, testemunhas, árbitros …” (cfr. A. REBORDÃO MONTALVO, Código do Procedimento Administrativo, 1992, Almedina, pág. 85).
35. Não resultaram da presente instrução quaisquer indícios de impedimento relativamente ao senhor Engenheiro J….
36. “(…) Quando ocorra circunstância pela qual possa razoavelmente suspeitar-se da sua isenção ou rectidão da sua conduta (…)” o agente deve pedir dispensa de intervir no procedimento (vide art. 48º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo). Diferentemente do que se verifica na situação anteriormente descrita (impedimento), a enumeração legal dos casos de escusa ou suspeição é meramente exemplificativa. O n.º 2 do mesmo preceito prevê a possibilidade de “com fundamento semelhante e até ser proferida decisão definitiva (…) qualquer interessado [poder] opôr suspeição a (…) agentes que intervenham no procedimento, acto ou contrato” (2)
37. Nos termos do art. 49º, o pedido deve ser dirigido à entidade competente para dele conhecer e devem ser indicados “com precisão” os factos que o justifiquem (n.º 1) sobre os quais será ouvido o agente visado (n.º 3). A decisão do pedido deve ser proferida no prazo de oito dias (art. 50º, n.º 2) e, caso seja reconhecida a procedência do pedido, o agente deve ser imediatamente substituído pelo respectivo substituto legal (art. 47º, ex vi art. 50º, n.º 3).
38. Uma vez que o art. 50º, n.º 3 igualmente remete, em caso de ser requerida a declaração de suspeição por interessado, para o art. 46º (relativo aos efeitos da arguição do impedimento) é de entender que “(…) o agente deve suspender a sua actividade no procedimento logo que (…) tenha conhecimento do requerimento (…) até à decisão do incidente, salvo ordem em contrário do respectivo superior hierárquico” (n.º 1), apenas devendo “(…) tomar todas as medidas que forem inadiáveis em caso de urgência ou de perigo, as quais deverão ser ratificadas pela entidade que [o] substituir” (n.º 2).
39. A invocação da existência de “ligação de colaboração assídua” do senhor Engenheiro J… à empresa P…, Lda. é uma afirmação conclusiva a qual, em respeito pela imposição do art. 49º, n.º 1, in fine, (“(…) indicando com precisão os factos que o justifiquem”) deveria ter sido concretizada através da descrição dos factos que consubstanciavam aquela alegada ligação.
40. Não obstante, o ofício n.º … , de … /97, deveria ter merecido resposta fundamentada. Esta, para além de se revelar determinante para o entendimento da decisão sobre a arguição da suspeição, constituia um dever legal, consignado no art. 124º, n.º 1, alínea c), do Código do Procedimento Administrativo (“(…) devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente, decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado (…)”).
41. A própria falta de resposta ao pedido da E…, Lda. adensou, injustificadamente, as suspeitas de ausência de imparcialidade inicialmente invocadas. Por outro lado, e como já referi, o despacho que nomeou a comissão de análise das propostas violou o disposto no art. 65º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 55/95, de 29 de Março, porquanto a Câmara Municipal da Horta não invocou fundamentadamente qualquer razão para a composição ser idêntica à da comissão de abertura de propostas. Esta acto, porque praticado com violação de lei, é anulável nos termos do disposto nos art.s 135º, e segs., do Código do Procedimento Administrativo.
2. Sobre a questão da decisão da reclamação da deliberação que admitiu a concorrente P…, lda.
42. A E…, Lda. apresentou, nos termos do disposto no art. 58º, n.º 2, reclamação da decisão que admitiu a concorrente P…, Lda. por entender que um dos documentos apresentados por esta empresa não cumpria o requisito imposto pelo ponto 11.1, alínea g.1., do programa de concurso.
43. A referida cláusula impunha aos concorrentes a apresentação de documentos justificativos da sua capacidade financeira. Em alternativa, os concorrentes poderiam apresentar “declaração bancária donde conste que o concorrente tem capacidade financeira e económica para a execução do contrato em caso de adjudicação” (alínea g.1.) ou “declaração respeitante ao volume de negócios relativos à actividade específica objecto do presente concurso, no decurso dos três últimos exercícios” (alínea g.2.). A reclamação defendia que o documento apresentado não fazia referência à execução do contrato mas, tão somente, às condições necessárias para a participação em concursos públicos. Por outro lado, a mesma declaração bancária terminava com a afirmação de que “esta declaração que se reporta à presente data, é dada de acordo com as informações colhidas na praça, não envolvendo para o Banco responsabilidade” o que, no entender da empresa reclamante, contrariava o espírito da exigência do referido documento.
44. A E…, Lda. pediu, ainda, certidão da acta do acto público, bem como cópia do documento reclamado (declaração bancária relativa ao concorrente concorrente P…, Lda.).
45. A comissão de abertura de propostas indeferiu a reclamação com a argumentação de que o concorrente deveria ter reclamado na primeira parte do acto público e de que o documento era de apresentação facultativa pelo que a sua falta, ou alguma incorrecção, não implicava a eliminação do concorrente.
46. Importa verificar o conteúdo da acta do acto público do concurso, elaborada nos termos do disposto no art. 62º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 55/95, de 29 de Março:
“Aos vinte e nove dias do mês de Abril de 1997, realizou-se pelas 10H30 horas, nos Paços do Município da Horta, o acto público do concurso em epígrafe, registando-se a presença (…)
Aberto o acto pela comissão de abertura de propostas, constituída (…)
Em seguida procedeu-se à abertura dos sobrescritos devidamente identificados e lacrados. Verificando-se que todos os concorrentes reuniam as condições exigidas, foram as propostas admitidas, à excepção da proposta alternativa da Norma (…). Não havendo da parte dos concorrentes qualquer reclamação a apresentar ao pedido de exame de documentos, passou-se à fase de abertura dos sobrescritos contendo as propostas que (…) Por fim a comissão de abertura das propostas procedeu à rubrica de todos os documentos, tendo sido colocados à disposição dos representantes presentes para consulta.
O representante do concorrente E… Lda. apresentou a reclamação que se anexa.(…)”.
47. Na parte relativa à apresentação da reclamação, afigura-se-me correcta a invocada (pela comissão de abertura das propostas) necessidade de apresentação da reclamação sobre os documentos que acompanham as propostas na primeira parte do acto público. Com efeito, os representantes dos concorrentes podem, ao abrigo do disposto no art. 58º, n.º 3, solicitar o exame dos documentos e apresentar reclamações durante toda a primeira parte do acto público, relativamente à admissão de concorrentes, e durante a segunda parte da sessão pública, relativamente à admissão de propostas.
A segunda parte do acto público é especificamente dedicada à análise das propostas considerando-se que a não apresentação de reclamações durante a primeira parte significa que os concorrentes consideram não ter sido praticada nenhuma infracção (vide art. 60º, n.º 5, do do Decreto-Lei n.º 55/95, de 29 de Março, que expressamente refere “os concorrentes (…) podem (…) apresentar reclamações, sempre que tenha sido cometida sobre as deliberações relativas à admissão das propostas qualquer infracção aos preceitos deste diploma”).
48. Já o segundo argumento (embora, na prática, seja irrelevante a sua consideração uma vez que não foi apresentada reclamação em tempo útil) não colhe. A referida declaração bancária não era de apresentação facultativa mas alternativa. Com efeito, como forma de comprovar a sua capacidade financeira os concorrentes poderiam, em alternativa, apresentar declaração bancária donde constasse que o concorrente tinha capacidade financeira e económica para a execução do contrato em caso de adjudicação ou declaração respeitante ao volume de negócios relativos à actividade específica objecto do presente concurso, no decurso dos três últimos exercícios. A apresentação era, não obstante, obrigatória (embora alternativa).
3. Sobre a questão da decisão do recurso interposto do indeferimento da reclamação da deliberação que admitiu a concorrente P…, Lda.
49. V.Exa. enviou a este Órgão do Estado cópia do ofício n.º … , de … /97, dirigido ao senhor gerente da E…, Lda. comunicando a apreciação do recurso hierárquico interposto por este concorrente da decisão de indeferimento da reclamação de … /97.
50. É o seguinte o teor da missiva:
“Cumpre-me levar ao conhecimento de V.Exa. que a Câmara Municipal da Horta em sua reunião realizada nesta data apreciou o recurso hierárquico interposto por essa Sociedade da deliberação da Comissão de Abertura de Propostas que indeferiu a reclamação apresentada no Acto Público do Concurso, tendo deliberado por unanimidade indeferi-lo por considerar que a declaração bancária apresentada pelo concorrente P… está conforme o exigido pelo n.º 11.1 da alínea g) I do Programa do Concurso, e que o facto da sua redacção ser diversa da apresentada pelo reclamante não reduz a sua credibilidade, tanto mais que não foi imposta nenhuma minuta para as “Declarações das Entidades Bancárias””.
51. Verifica-se, pois, que o recurso hierárquico não acolheu o essencial da argumentação da deliberação que indeferiu a reclamação (a sua apresentação extemporânea). Pelo contrário, sustenta a decisão em motivação diversa: a declaração bancária está conforme com o exigido no ponto 11.1, alínea g.1., do programa de concurso. Esta fundamentação do recurso hierárquico é claramente insuficiente uma vez que não enuncia as razões, de facto e de direito, que levam a concluir que a “declaração bancária (…) está conforme [com] o exigido” nem explica, tão pouco, porque entende que a respectiva redacção “não reduz a sua credibilidade”.
52. Justificação para este facto pode ser encontrada na acta da reunião da Câmara Municipal da Horta, de … /97. Com efeito, na parte relativa à apreciação do recurso hierárquico interposto pela E…, Lda. é descrito que foram “apreciados os documentos em causa e bem assim um parecer jurídico sobre o assunto (…)”.
Nos termos do disposto no art. 125º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, “a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto”. Nesta situação, porém, a decisão que remete para o conteúdo de parecer deve ser por ele acompanhada, só assim sendo possível a sua completa compreensão. Uma vez que na presente situação não é dado conhecimento do mencionado parecer subsiste a deficiente fundamentação. “A falta de fundamentação, nos casos em que esta é obrigatória, gera vício de forma, que invalida o acto a que respeita” (Acordão STA, de 19/02/81, Acordãos Doutrinais, n.º 234, pág. 707).
4. Sobre a questão da audiência dos concorrentes, nos termos do disposto no art. 67º, do Decreto-Lei n.º 55/95, de 29 de Março
53. Já referi que, pelo art. 67º, é imposta a obrigatoriedade de ser assegurado o cumprimento da audiência prévia dos concorrentes [assegurada pela entidade contratante ou, em caso de delegação, pela comissão de análise das propostas (n.º 5)], a qual pode ser escrita ou oral (n.º 1, in fine). No primeiro caso, os concorrentes dispõem de cinco dias para se pronunciarem; no segundo, devem ser convocados, com a antecedência de cinco dias, para a audiência oral (n.º 2).
54. Através de ofício de … /97, a Câmara Municipal da Horta comunicou que “pela comissão de análise das propostas ao concurso (…) foi considerada a propostas apresentada pela P… como a mais favorável, propondo a respectiva adjudicação”.
55. A E…, Lda. (ofício n.º … , de … /97) respondeu que “em 3 de Julho, esta empresa concorrente apresentou uma reclamação sobre o referido relatório, não tendo então obtido qualquer outra informação sobre o concurso”.
56. Por fim, a Câmara Municipal da Horta expediu o ofício n.º … , de … /97, dirigido à E…, Lda., do seguinte teor:
“Satisfazendo o solicitado no ofício de V.Exa. supra referenciado informo que a reclamação apresentada foi considerada procedente.
Reformulado o Relatório da Comissão de Análise verificou-se que a proposta apresentada pela … mantinha a mesma posição – 1ª classificada – pelo que lhe foi adjudicada a prestação de serviço”.
57. Independentemente da consideração da reclamação da E…, Lda. – que a Câmara Municipal da Horta afirma ter considerado procedente – o certo é que, após a reformulação do relatório da comissão de análise das propostas (e porque se trata, para todos os efeitos, de um novo relatório) ter-se-ia que cumprir, previamente, o disposto no art. 67º, do Decreto-Lei n.º 55/95, a audiência dos concorrentes. Não o tendo feito, A Câmara Municipal da Horta preteriu uma formalidade essencial, produzindo a invalidade do acto de adjudicação. Este acto, porquanto viciado de vício de forma, é anulável, nos termos do disposto nos art.s 135º, e segs., do Código do Procedimento Administrativo.
Recomendação
58. O concurso público “serviço de fiscalização da empreitada de restauro e adaptação do cine-teatro Faialense a auditório, sala de congressos e centro de conferências” promovido pela Câmara Municipal da Horta incumpriu diversos preceitos legais, violando disposições quer do Decreto-Lei n.º 55/95, de 29 de Março, quer do Código do Procedimento Administrativo. Importa, em especial, chamar a atenção da Câmara Municipal da Horta para a sucessão de ilicitudes verificadas no concurso público em análise, desde a nomeação das comissões de abertura e análise das propostas até à adjudicação do contrato sem prévia audiência dos restantes concorrentes.
59. Sendo certo que a que a empreitada em causa já decorre há algum tempo, bem como certamente a respectiva fiscalização, não é de recomendar a revogação dos procedimentos inválidos do concurso e o seu processamento “ab initio”, até porque em alguns casos não estão preenchidos os requisitos da sua revogabilidade, nos termos do disposto do art. 141º, n.º 1, “ex vi” 136º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo.
60. Apesar de ser imperiosa a recomendação no sentido de que a Câmara Municipal da Horta assegure, no futuro, o integral cumprimento do quadro normativo aplicável aos concursos públicos, a situação em apreço justifica que o Provedor de Justiça reconheça que é procedente a reclamação do concorrente E…, Lda.
61. Não posso, por fim, deixar de considerar que deveria a Câmara Municipal da Horta promover acordo com o concorrente E…, Lda. no sentido de serem ressarcidos os prejuízos sofridos em virtude dos factos anteriormente descritos devendo, em especial, levar em linha de conta as despesas comprovadamente realizadas no âmbito da participação do concurso público em apreço.
62. Não obstante não ter sido esse o âmbito do pedido dirigido a este Órgão do Estado, a impossibilidade de ser processado novo concurso público com o mesmo objecto impõe que se considere a reparação dos danos causados o meio idóneo, não só de obtenção da reparação de danos directamente provocados, mas igualmente de salvaguarda do princípio da justiça [no sentido de permitir “à Administração a obtenção de uma “solução justa” relativamente aos problemas concretos que lhe cabe decidir” (cfr. J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 925)].
II – Conclusões
63. Pelas razões que deixei expostas e no exercício do poder que me é conferido pelo disposto no artº 20º, n.º 1, alínea a), da Lei 9/91, de 9 de Abril,
RECOMENDO
A) Que promova acordo com o concorrente E…, Lda. no sentido de serem ressarcidos os prejuízos comprovadamente sofridos em virtude das diversas irregularidades verificadas no concurso público “serviço de fiscalização da empreitada de restauro e adaptação do cine-teatro Faialense a auditório, sala de congressos e centro de conferências”.
B) Que assegure, em concursos públicos que venha a promover, o estrito cumprimento das disposições legais aplicáveis e, em especial, das relativas às garantias de imparcialidade e salvaguarda dos direitos dos administrados.
O PROVEDOR DE JUSTIÇA
JOSÉ MENÉRES PIMENTEL
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(1) Compreender-se-ia, por exemplo, que em projectos de extrema complexidade técnica, a entidade pública em causa justificasse a composição idêntica de ambas as comissões com o argumento de que os membros designados eram os únicos com conhecimentos técnicos para a análise, tanto da apresentação das propostas como da sua análise. Não é como se verá, o acontece no presente concurso.
(2) «A enumeração de hipóteses nas alíneas a) a d) do nº 1, é meramente exemplificativa: para que haja escusa ou suspeição de um órgão basta que “ocorra circunstância pela qual se possa razoavelmente suspeitar-se da sua isenção ou da rectidão da sua conduta”» (DIOGO FREITAS DO AMARAL, JOÃO CAUPERS, JOÃO MARTINS CLARO, JOÃO RAPOSO, PEDRO SIZA VIEIRA e VASCO PEREIRA DA SILVA, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 2ª edição, Almedina, pág.90).