Ministro da Educação
Número: 28/A/98
Processo: 3793/97
Data: 29.04.1998
Área: A3

Assunto: EDUCAÇÃO E ENSINO – ENSINO SUPERIOR – ACESSO – REGIÕES AUTÓNOMAS – PRIORIDADE ABSOLUTA – ILEGALIDADE – VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE – PREFERÊNCIA REGIONAL

Sequência: Acatada

Foram-me dirigidas duas reclamações nas quais se contesta o facto de, no âmbito do concurso de acesso ao ensino superior público do ano de 1997 – 1998, todas as vagas abertas pela Universidade dos Açores e pelas Escolas Superiores de Enfermagem de Angra do Heroísmo e de Ponta Delgada terem sido preenchidas por candidatos oriundos da Região Autónoma dos Açores, que para tanto beneficiaram do regime da “prioridade absoluta” previsto no artigo 27.º do “Regulamento do Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior Público para a Matrícula e Inscrição no Ano Lectivo de 1997 – 1998”, contido na Portaria n.º 428/97, de 30 de Junho.

A este propósito foi contactado o Departamento do Ensino Superior que, em resposta, confirmou estar a ser aplicada desde há vários anos a prioridade absoluta nos termos acima enunciados, acrescentando ainda que o mesmo procedimento é adoptado para a colocação de candidatos em estabelecimentos situados na Região Autónoma da Madeira, ao abrigo do disposto no artigo 28.º do Regulamento.

Apreciada a questão, concluí pela ilegalidade a vários títulos da actuação aqui reclamada, nos termos adiante explicitados.

1. Antes do mais, a colocação realizada é ilegítima por violar o princípio constitucional da igualdade, porquanto:

Ao contrário do que sucede com os contingentes especiais ou com as preferências regionais, a prioridade absoluta, nos termos em que foi aplicada, estabelece um benefício em favor de determinado grupo de candidatos, independentemente do número de candidatos que integrem esse grupo.

Sem qualquer limitação quantitativa, o critério subjacente à prioridade absoluta funciona, para os estabelecimentos em questão, como se de um critério geral de seriação se tratasse, por via do qual são colocados preferencialmente todos os candidatos “prioritários”; todos os outros, independentemente do contingente por que concorram, geral ou especial, ou da média que apresentem, serão remetidos na ordem de colocação para posições posteriores.

Ora, à luz dos valores que devem nortear a seriação de candidatos no concurso geral de acesso ao ensino superior público, a utilização de um critério geral de seriação de preferência regional, não pode deixar de se considerar como sendo materialmente infundada, além de injusta para com os demais candidatos não beneficiados, designadamente os que, por via do seu maior mérito escolar, pudessem normalmente ingressar nos estabelecimentos envolvidos.

Nessa medida, a prioridade absoluta , tal como foi concedida, será claramente atentatória do princípio constitucional da igualdade, contido no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

2. A interpretação feita dos artigos 27.º e 28.º da Portaria n.º 428/97 de 30 de Junho, viola ainda, de dois modos distintos, a norma habilitante dessa portaria, o “regime do concurso nacional de acesso ao ensino superior”, contido no Decreto-Lei n.º 28-A/96, de 4 de Abril.

Assim, por um lado, o concurso em que o critério de preferência regional opere torna-se, necessariamente, um concurso regional, uma vez que por seu intermédio serão colocados antes de mais – e muitas vezes, apenas – candidatos da região “beneficiada”.

Nessa medida é violado o princípio que obriga a que o preenchimento das vagas de cada par estabelecimento/curso de ensino superior seja feito por meio de concurso nacional (cfr. artigo 3.º, n.º 2 e artigo 21.º, n.º 1 do Regime).

Por outro lado, seriando em primeiro lugar os alunos oriundos de determinada região, a aplicação da prioridade absoluta, nos moldes em que tem vindo a ser realizada, viola o critério geral de seriação previsto no Regime, que assenta, como se sabe, na preferência dada à maior nota de candidatura (cfr. artigo 26.º).

3. A acrescer ao exposto, outra circunstância concorre ainda para a formulação de um juízo de censura sobre o procedimento aqui apreciado: o ingresso indiscriminado e sem qualquer exigência de nível qualitativo de alunos das Regiões Autónomas nos estabelecimentos locais, contribuirá, a prazo, para um inevitável abaixamento da qualidade do ensino naqueles estabelecimentos, facto que, no limite, representará um grave prejuízo para as próprias Regiões, resultado oposto ao inicialmente prosseguido pelo regime da prioridade absoluta.

4. Cabe ainda, no âmbito da presente questão, tecer as seguintes considerações:

A existência nas Regiões Autónomas de estabelecimentos de ensino superior reveste um indiscutível interesse regional, entre outras razões, por permitir um crescimento cultural e científico da população local, crescimento que se reputa de essencial para o desenvolvimento das Regiões em causa.

Daqui decorre ser natural que uma frequência significativa daqueles estabelecimentos deva ser feita por parte de alunos oriundos das Regiões Autónomas.

Com esse intuito terá, aliás, sido criado o sistema da prioridade absoluta, aqui analisado, o qual, pelas razões que ficaram atrás expostas, não é admissível num contexto de um concurso nacional de acesso ao ensino superior.

Em contrapartida, existe uma figura no quadro normativo do sistema de acesso que, sem os inconvenientes apontados à prioridade absoluta, permite alcançar em grande medida os objectivos a que esta se propunha.

Trata-se da “preferência regional”, prevista no artigo 31.º do Regime, por via da qual os alunos oriundos da área de determinado estabelecimento poderão merecer preferência na colocação em até 50% das vagas existentes em cada curso ministrado nesse estabelecimento.

Embora dirigida prioritariamente a cursos politécnicos, a preferência regional poderá também ser concedida na colocação em cursos universitários, nas condições previstas no artigo 31.º, n.º 3 do Regime, condições que se verificam plenamente nas universidades da Madeira e dos Açores.

Sendo assim, considero ser a todos os títulos desejável que o tratamento privilegiado concedido aos candidatos dos Açores e da Madeira que pretendam ingressar nos estabelecimentos das suas regiões passe a consistir na concessão da preferência regional.

5. Sendo ilegal a vários títulos, o procedimento aqui em apreço deveria ser integralmente repetido, observando-se desta feita o disposto na lei a este propósito. Sucede que, vigorando o princípio da salvaguarda das colocações em estabelecimentos de ensino superior ainda que realizadas por lapso, qualquer nova colocação teria de socorrer-se da criação de novas vagas, facto que, considerando o previsível largo número de novos candidatos a admitir, provocaria uma situação de ruptura nos estabelecimentos de ensino envolvidos, pelo que entendo restringir o âmbito da presente reclamação aos casos futuros.

Assim, ao abrigo do disposto no artigo 20.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 9/91, de 9 de Abril,

RECOMENDO

Que a partir do próximo concurso de acesso a aplicação de prioridade absoluta seja alterada, conferindo-se a preferência regional prevista no artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 28-A/96, de 4 de Abril, aos candidatos oriundos da Madeira e dos Açores.

O PROVEDOR DE JUSTIÇA

JOSÉ MENÉRES PIMENTEL